Toda esta enxurrada que parece levar-nos ao pricipício, onde nos esperam as verrumas do diabo, pode não ter volta, não haverá espaço para o recomeço. Vivemos dias das maiores incertezas, ninguém sabe para onde vamos nem o que nos espera. As crianças, como guerreiros desarmados nas savanas, enfrentam os seus próprios docentes nas escolas, encurralando-os como o fazem as hienas em matilhas ferozes nos momentos de desespero, desmentindo assim a realeza dos leões.
Perdemos o medo, e quando isso acontece significa que já não há outro caminho, já não há mais montanha para subir, então vamos morrer vivos nos combates, tendo a música como estandarte e toda a poesia das matas da libertação como azagaia lançada no espaço. Não podemos vacilar, o novo amanhecer está hipotecado. As ribanceiras do nosso país descem todas para o inferno, e quando é assim é preciso cingir o lombo e mudar o rumo, nem que seja pela última vez.
O pão é escasso nas nossas mesas, dançamos nas noites o remoínho do “nhau” que ressurge do estômago vazio, e vamos dormir sem fazer sexo porque estamos com fome, somos a geração dos novos escravos. Os feudais voltaram com outras roupas, estão aqui... na nossa casa. Organizam seminários e palestras em hotéis de luxo para nos enganarem, para falarem da nossa vida, daquilo que devemos fazer, e no fim servem-nos chamussas e rissóis e sumos duvidosos e ficamos contentes com isso. Os ministros do governo anunciam rigozijados, investimentos bilionários das multinacionais como se o dinheiro fosse nosso, como se os proventos viessem para nós!
A EN1 está absolutamente rebentada, mas se o rosto do homem é um pouco a janela da alma, então nós também estamos rebentados, não somos nada. É por isso que nos cavalgam, fornicam a nossa dignidade à frente dos nossos filhos. Por exemplo, no tempo em que Helena Taipo era governante, os chineses de uma empreitada qualquer na cidade da Beira, defecavam em sacos plásticos e mandavam os moçambicanos recolher a merda deles.
Temos no nosso país, compatriotas que segurariam com firmeza, concerteza, os remos da almadia onde todos nós iamos caber e navegaríamos em marés tranquilas, mas esses marinheiros da esperança foram abatidos como lobos solitários. Outros fugiram e remeteram-se ao silêncio com medo de que sejam os próximos. Já não temos baluarte, o que nos resta é construir outra arca para enfrentar as tempestades que virão dos ventos que estão sendo semeados na nossa terra.
O receio é de que o sol não nasça mais, ou nasça com luz de sangue a gotejar sobre nós. Somos nós próprios, em apoio a eles, que vamos criando condições para a última chacina. Seremos, com este andar das coisas, enterrados sem túmulo, outra vez como no tempo das correntes ao pescoço. Morreremos sem glória. Nem nós o povo, nem os combatentes da libertação, que se esvaziaram na ganância.
Macacos me mordam! Diabos me levem!