- Introdução
O surgimento do Estado Social, que se caracteriza pela prestação de serviços públicos e fornecimento de bens públicos pela Administração Pública ao cidadão, exige grandes investimentos públicos e angariação de recursos financeiros significativos nem sempre disponíveis em abundância. Tradicionalmente, para lograr tal objectivo o Estado Social financia-se através da arrecadação de impostos.
São várias as razões que levam o Estado a realizar directamente a prestação de serviços públicos e fornecimento de bens. Do ponto de vista clássico, na óptica de Jean-Jacques Rousseau é o pacto social entre o Estado e os cidadãos que justifica a assunção por aquele da responsabilidade de satisfazer as necessidades colectivas. Mas, por outro lado, razões de mercado ou estratégicas podem justificar, igualmente, a intervenção do Estado na prestação de serviços públicos. Não raras vezes, algumas áreas em que manifestamente os serviços a prestar para assegurar as necessidades colectivas não são lucrativos, eles não atraem a intervenção do sector privado. Noutros casos, na natureza própria das necessidades em causa, como seja a necessidade de segurança, ou por razões de estratégia política, o Estado entende não convir a intervenção do mercado para a satisfação das necessidades colectivas.
Por estas e outras razões, o Estado Social empenhou-se directamente, numa primeira fase, na provisão de bens e serviços públicos através do modelo de administração directa, que é aquele em que as actividades voltadas à satisfação das necessidades colectivas são realizadas pelo próprio Estado. Como é fácil de prever, o modelo de administração directa exige uma máquina administrativa de grande dimensão e complexa, dependente duma cadeia de comando centralizado, com o risco de, por vezes, se denotar ineficiente e ineficaz para satisfazer a demanda. Em Moçambique, a grande ofensiva política e organizacional desencadeada pelo Presidente Samora, nos anos 1980 do século passado (XX), mostrou os riscos da administração directa do Estado em diversos sectores.
Deste modo, como as necessidades colectivas são contínuas, crescentes e em constante evolução, a sua satisfação tornou-se, ao longo do tempo, cada vez mais complexa e dispendiosa, o que justificou a busca de outros modelos organizacionais do Estado Social, para melhorar o fornecimento de bens públicos e a prestação de serviços, mediante a criação, por exemplo, do Sector Empresarial do Estado e Institutos Públicos. Portanto, o Estado Social enveredou pela chamada administração indirecta do Estado, que consiste na criação de entidades públicas, mas distintas do próprio Estado, que se ocupassem da satisfação de necessidades colectivas específicas, anteriormente geridas pela via da administração directa.
A constante busca pela eficiência do Estado, num contexto de democratização do país e eficiência da economia, fez com que, de igual modo, o Estado Social optasse por fazer intervir o sector privado em sectores tradicionalmente reservados à intervenção directa e indirecta do Estado. Generaliza-se uma nova fase dum Estado Social caracterizado pela chamada Privatização da Administração Pública, que consiste, por um lado, na adopção de instrumentos de gestão privada (por exemplo, o Estado transforma empresas públicas em sociedades anónimas de capitais mistos) para a gestão de bens e serviços públicos. Por outro, pela intervenção do sector privado no fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos através da privatização do sector empresarial do Estado, mormente mediante a venda de empresas estatais e públicas para privados, ou através de concessões de bens e serviços públicos a privados.
Actualmente, pode dizer-se, com certa segurança, que a técnica da concessão de bens e serviços públicos constitui a forma mais generalizada de valorização económica dos referidos bens e serviços públicos. Portanto, pela via da concessão os bens e serviços públicos são explorados por um privado que, investindo o seu capital financeiro e humano, fornece bens e presta serviços públicos, fazendo-se remunerar pelas taxas cobradas ao público.
É na evolução das concessões de bens públicos e serviços públicos, como instrumentos do exercício do poder público, que surgem as Parcerias Público Privado (PPP´s), que constituem objecto deste artigo de reflexão.
De um modo geral e conforme resulta do atrás exposto, as PPP´s fazem parte das várias formas de intervenção do sector privado na gestão e exploração dos bens públicos e serviços públicos, situação ditada, fundamentalmente, não apenas por razões de eficácia e eficiência, mas também pela necessidade de captação do capital privado e da sua capacidade de organização e gestão.
Embora alguns segmentos da opinião pública se posicionem contra as concessões, por via, neste caso, das PPP´s, por verem nelas apenas uma forma de alegado enriquecimento do sector privado à custa de bens e serviços públicos, a verdade é que há enormes vantagens para o Estado advindas da intervenção do sector privado no fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos.
Procuramos, neste artigo, expor as oportunidades oferecidas pelas PPP´s e pelo mercado de valores mobiliários (Bolsa de Valores) para a expansão da intervenção do cidadão na gestão e exploração dos bens e serviços públicos. Para o efeito, apresentamos, em primeiro lugar, o conceito e natureza das PPP´s, para, em segundo lugar, apresentarmos as PPP´s como meios de exercício do poder público pelo sector privado. Por último, demonstramos como as PPP´s podem, por via da Bolsa de Valores, contribuir para a democratização e massificação da participação dos cidadãos na gestão e exploração dos bens e serviços públicos.
- Conceito e Natureza das Parcerias Público-Privadas
A intervenção do sector privado na provisão directa de bens e serviços públicos pode realizar-se através de três formas estabelecidas na Lei n.º 15/2011, de 10 de Agosto (Lei das Parcerias Público Privado, ou Lei das PPP´s), nomeadamente através das parcerias público-privadas (PPP´s), Projectos de Grande Dimensão (PGD) e Concessões Empresariais (CE). Importa, pois, perceber em que consiste esta ideia de PPP´s em termos de conceito e natureza.
- Conceito das PPP´s
De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 2 da Lei n.º 15/2011, de 10 de Agosto (Lei das PPP´s), as PPP´s constituem empreendimentos em áreas de domínio público ou em áreas de serviço público no qual, mediante contrato e sob financiamento, no todo ou em parte, do parceiro privado, este se obriga perante o parceiro público a realizar o investimento necessário e a explorar a respectiva actividade, para a provisão eficiente de serviços ou bens que compete ao Estado garantir a sua disponibilidade aos utentes.
Por sua vez, conforme a alínea b) do artigo 2 da Lei das PPP´s, os PGD são empreendimentos de investimento autorizado ou contratado pelo Governo, cujo valor de referência a 1 de Janeiro de 2009 excedia 12.500.000.000,00 MT (doze mil e quinhentos milhões de meticais), enquanto as Concessões Empresariais são as que, nos termos da alínea c) do mesmo dispositivo legal, têm por objecto a prospecção, pesquisa, extracção e ou exploração de recursos naturais ou patrimoniais.
Decorre do preceituado no diploma legal atrás citado que, de um modo geral, em qualquer das suas modalidades as PPP´s representam uma forma inovadora de realização de projectos públicos de grande envergadura, sem necessidade de investimento público, uma vez que elas permitem a participação do sector privado, que além de financiar o projecto, participa na sua concepção, construção ou aquisição e instalação de equipamentos necessários ao funcionamento de serviços públicos, bem como à respectiva gestão, ao mesmo tempo que assumem parte dos riscos associados.
Portanto, resulta do que atrás se expôs que as PPP´s são uma forma de financiamento das necessidades do Estado com recurso ao capital privado para o fornecimento de bens públicos e prestação de serviços públicos.
- Natureza das PPP´s
As PPP´s são, em termos simples, uma forma de concessão de bens públicos ou serviços públicos. Esta é justamente a solução regulatória que resulta do disposto no artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s, aprovado pelo Decreto n.º 16/2012, de 4 de Julho, que estabelece que são modalidades das PPP´s o contrato de concessão, a cessão de exploração e a concessão de gestão. Não se tratando esta abordagem de um artigo científico, limitamo-nos a descrever estas modalidades sem entrar em críticas às opções conceptuais assumidas pelo legislador.
O contrato de concessão, conforme o preceituado no n.º 2 do artigo 40 do diploma legal atrás referido, consiste na cedência de direitos de desenvolvimento ou reabilitação e respectiva exploração e manutenção de empreendimento novo ou existente em área de domínio público, para a prestação de serviço público ou provisão de bens, sob conta e risco da contratada e mediante a remuneração ao Estado por essa cedência, traduzida na forma de taxa de concessão fixa ou variável. A particularidade desta forma concessionária duma PPP é que o parceiro privado vai investir na construção ex novo ou na reabilitação duma infra-estrutura pública ou um serviço público. Há, aqui, uma maior injecção do capital privado.
Na mesma linha, prevê o n.º 3 do artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s que o contrato de cessão de exploração consiste na cedência de direitos de desenvolvimento ou reabilitação e respectiva exploração e manutenção do empreendimento, sob conta e risco da entidade contratada e mediante a remuneração ao Estado por essa cedência, através da respectiva taxa de cessão de exploração. Já a particularidade da PPP na modalidade de cessão de exploração, o Estado cede a um privado a exploração dum bem público ou serviço público, o que igualmente pode ser acompanhado do desenvolvimento ou reabilitação e manutenção do empreendimento objecto da concessão.
Por último, a norma constante do n.º 4 do artigo 40 do Regulamento da Lei das PPP´s refere que o contrato de gestão consiste na cedência de direitos de gestão de empreendimento existente e operacional do Estado, sob conta e risco de gestão da entidade contratada e mediante renumeração à entidade contratada e mediante remuneração ao Estado, através do pagamento duma comissão de gestão com base numa parte dos rendimentos gerados pelo próprio empreendimento e a entrega dos resultados de exploração deste à entidade contratante. Nesta modalidade de PPP, o investidor não intervém no desenvolvimento ou reabilitação do empreendimento, uma vez que este existe e encontra-se operacional, cabendo-lhe a sua exploração sustentável.
Pelo facto de nas PPP´s o Estado transferir para o parceiro privado a gestão e exploração de bens e serviços públicos, regra geral essa transferência é igualmente acompanhada da cedência de poder público.
- As Parcerias Público Privado como meio de exercício do poder público por entes privados
Quando na norma constante do n.º 3 do artigo 2 da Lei das PPP´s o legislador afirma que as funções de soberania não transferíveis não podem ser objecto de parcerias público-privadas, no fundo está a dizer que nas PPP´s pode haver transferência de poderes para o privado desde que tais poderes não façam parte do núcleo de funções constitucionalmente consideradas funções de soberania.
Por natureza, os contratos de concessão permitem o exercício de poderes públicos pelos privados, na medida do estritamente necessário à implementação do empreendimento público cedido através da PPP em causa. Consequentemente, o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas serve ao interesse público adstrito à infra-estrutura pública ou serviço público cedido. Portanto, não são os objectivos do parceiro privado na PPP que justificam a cedência do poder público. Os poderes são-lhe confiados segundo o princípio do interesse público.
De todo o modo, o que nos cumpre ressaltar aqui é o facto de, através das PPP´s, permitir-se a participação pública do cidadão no exercício do poder público subjacente à prestação do serviço público. Trata-se duma vertente económica da democracia participativa, em que o envolvimento do sector privado na gestão e exploração de bens e serviços públicos implica uma cedência do correspondente poder público, cabendo ao Estado o exercício do poder de fiscalização, através do controlo da conduta do privado para conformar-se com a lei.
- As Parcerias Público Privado como instrumento de massificação do investimento público
Neste ponto, cumpre-nos destacar dois aspectos fundamentais. O primeiro, que é o financiamento do investimento público através da Bolsa de Valores. O segundo, a necessária criação de condições para que as PPP´s constituam uma oportunidade económica não só para o grande capital, mas, sobretudo, para a massificação do acesso ao mercado de valores mobiliários para a maior parte possível dos cidadãos interessados.
- O financiamento do investimento em infra-estruturas públicas e serviços através da Bolsa de Valores
Em Moçambique, a Bolsa de Valores foi criada pelo Decreto n.º 49/98, de 22 de Setembro, como instituto público. Recentemente, a Bolsa de Valores de Moçambique foi transformada em sociedade anónima, através do Decreto n.º 18/2023, de 28 de Abril.
Geralmente, a Bolsa de Valores é tratada como um mercado estruturado e organizado, onde se negociam valores mobiliários, com maior destaque às acções de sociedades de capital aberto. O mercado de valores mobiliários promove o encontro entre os que precisam de capital para investirem na inovação e desenvolvimento das empresas e os que dispõem desse capital para investirem.
De um modo geral, quando as empresas precisam de financiar-se, alternativamente à banca comercial, recorrem ao mercado bolsista, emitindo acções que são colocadas à venda para investidores interessados em capitalizar as suas poupanças para obter lucro dos dividendos das empresas em que investem, ou através da revenda das mesmas acções quando num dado momento estiverem sobrevalorizadas.
Como atrás referido, o Estado pode ceder a privados a gestão e exploração de infra-estruturas públicas e serviços públicos. Estes privados, ao invés de recorrerem à banca comercial, podem recorrer ao mercado de valores mobiliários para se financiarem com vista a investirem em infra-estruturas públicas ou serviços públicos que lhes são cedidos pelo Estado, por via das PPP´s.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) encara o mercado de valores como uma boa alternativa para o desenvolvimento de infra-estruturas públicas e serviços públicos, como um mecanismo de os Estados alcançarem facilmente os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
- A criação das necessárias condições para a massificação do acesso ao mercado mobiliário através das PPP´s e Bolsa de Valores
À luz do princípio constitucional da liberdade de mercado, acolhido na alínea b) do artigo 97 da Constituição da República, o mercado de valores mobiliários orienta-se pelas forças de mercado. Destarte, a participação das empresas no mercado de valores mobiliários é livre. Daí que para que a capitalização bolsista das empresas actue como instrumento duma política pública de massificação do acesso ao mercado, é necessária a adopção de estratégias apropriadas para o efeito.
Desde logo, a adopção duma política pública que torne obrigatória a inscrição na Bolsa de Valores dos parceiros privados que constituam uma PPP com o Estado ou outro parceiro público. Por esta via, as empresas que pretendam estabelecer PPP´s seriam obrigadas a abrir o seu capital para o público, a fim de que qualquer cidadão interessado possa investir as suas poupanças na aquisição das respectivas acções.
Uma tal política vai de encontro com o preconizado no artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nos termos do qual toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país.
Com efeito, a obrigação de as empresas que firmem PPP´s com o Estado de abrirem o seu capital para o público permitiria que qualquer cidadão interessado e com capacidade financeira para o efeito pudesse tirar benefícios económicos directos da gestão e exploração dos bens e serviços públicos pelo sector privado.
Deste modo, entendemos que as infra-estruturas e serviços públicos não só beneficiariam o público através do uso ou acesso directo, mas também através de ganhos económicos que proporcionariam ao público.
- Conclusão
O emergente mercado das PPP´s, através de concessões de obras públicas e serviços públicos, tem um grande potencial de massificar a inclusão económica, através da abertura do capital das grandes empresas ao público, para que este possa investir as suas poupanças.
Uma estratégia desta natureza, que alie as PPP´s e a Bolsa de Valores de Moçambique, traria imensos ganhos, não só pela massificação do acesso ao mercado de valores mobiliários, como, também, por permitir que pequenos investidores busquem capitalizar as suas poupanças, investindo-as. Isso contribuiria, também, para o crescimento económico inclusivo e o empoderamento económico dos cidadãos.
Em nossa opinião, este veículo contribuiria imenso no combate a esquemas ilícitos de investimento, como as pirâmides de investimentos, que criam imensos problemas quando falham. Mas pode, igualmente, contribuir na formalização do mercado informal, na medida em que parte dos recursos financeiros que circulam no mercado informal poderia ser capitalizado no mercado de valores mobiliários.
Temos consciência que a nossa Bolsa de Valores é ainda de pequena dimensão, quer em relação ao tamanho que pode ter no futuro, quer em comparação com outras bolsas dinâmicas de outros países (tendo uma capitalização em % do PIB de 28,54%, 16 empresas cotadas e 26.305 titulares registados na Central de valores Mobiliários).
Com efeito, há ainda muito espaço para o crescimento da BVM no futuro. Uma intervenção estratégica do Estado visando fazer das PPP´s um instrumento para o envolvimento do cidadão no investimento público, através da BVM, S.A., permitiria ampliar o escopo, a liquidez e a profundidade do mercado de capitais, no plano nacional.
Com esta medida de política, dar-se-ia um passo firme na direcção da dinamização do mercado secundário de valores mobiliários, bem como na popularização e democratização do capital em Moçambique.