Em 2005 publiquei no jornal “Notícias” um artigo em que entrevistava o escritor Daniel da Costa, o qual mostrava sérias dúvidas quanto as metas de governação traçadas por Armando Guebuza, então Presidente da República. Da Costa dizia taxativamente isso: a fasquia de Armando Guebuza é muito alta. Porque, no seu entender, as promessas que fazia eram demasiadas para serem cumpridas. Algumas delas eram irreais. E eu, atento, não fiz mais nada senão “puxar” as palavras do meu interlocutor e usá-las como título, sem a certeza de que “aquilo” passaria após o crivo dos chefes de Redacção e do próprio director editorial.
Depois de entregar ao meu chefe o texto da entrevista, fui para casa esperar. Ansioso em que amanhecesse para ler o jornal e ver se “eles” terão “mexido” na minha prosa. E o mais provável, nas minhas contas, é que o título – pelo menos o título - fosse rejeitado. Tanto mais que o “Notícias” representa uma espécie de porta-voz oficioso do governo. Portanto, se passasse seria um milagre. Mas o que eu próprio não sabia, é que já estava escrito que naquele dia iria celebrar a publicação de um dos melhores textos que escrevi no jornal Notícias durante sete anos. Intensos.
Cheguei à Redacção muito satisfeito porque já me tinham trelefonado a informar que o artigo saíu com aquele título. Tremi porque eu era a ponte que transmitia os pensamentos de um homem com visão. Porém o que eu ignorava é que para “esfaquear” a minha alegria, muito grande, estava o director editorial à minha espera. Arfando. Quer dizer, das hostes do Partido Frelimo tinha chegado uma chamada telefónica a perguntar como é que se tinha deixado passar aquele título. O director entrou em pânico. Em desespero porque “aquilo” poderia lhe custar o “tacho”. Talvez pior do que isso.
Mandou-me chamar ao seu gabinete logo que soube da minha presença na Redacção. Fui tranquilo, e logo à entrada, sem quaisquer cerimónias, recebeu-me com um palavreado baixo: você está a “mexer com as minhas partes mais sensíveis”. E eu fiquei sem saber quais eram as tais “partes mais sensíveis” a que ele se referia. Não me deixou sentar, muito menos permitiu-me o uso da palavra. Levantou-se várias vezes da cadeira com vontade de me “grampear”, mas eu amedrontei-lhe com a minha serenidade.
Escorraçou-me como se eu fosse um canino, vadio, mas antes de eu cumprir as suas ordens, mostrei-lhe um sorriso de desprezo, e dei-lhe costas. Nenhum dos chefes de Redacção – eram dois -, nem sub-chefes de Redacção – também eram dois – perceberam que o título que eu colocara no meu artigo era tão elevado e sério e verdadeiro, que poderia provocar tremores imprevisíveis dentro do Partido Frelimo, com consequências para aqueles que foram colocados para dirigir o jornal com muita atenção.
Fartei-me de rir depois de ter saído do gabinete do director. E nesse dia tive motivos mais do que suficientes para comemorar com os meus amigos, alguns deles dentro da própria Redacção. Aliás, são eles que hoje abordam-me, com gozo, passados quase quinze anos, para dizer que eu tinha razão. Que a profecia de Daniel da Costa era de uma pessoa que vê longe, encavalitado nos ombros da própria sabedoria. Quer dizer, Guebuza prometeu-nos içar muitas bandeiras à bem de todos, e hoje, se lhe exigirmos os resultados de tudo que falou nos seus discursos, vai ter, com certeza, algumas dificuldades para nos apresentar.