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terça-feira, 10 setembro 2019 13:42

Lindela: saudade e ansiedade

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Aqui a Estrada Nacional Número Um (EN1), bifurca. Estende um ramal que nos leva ao sossego inultrapassável da cidade de Inhambane. Continuando, porém, na sua longitude, a escoar o  caudaloso e ininterrupto tráfego comadado pelos camiões de grande tonelagem, que vão, aos poucos e poucos, danificando a base que suporta o asfalto.

 

Estou sentado na varanda da antinga estalagem de Lindela, respirando o ar que sai de dentro do edifícício cheirando a bafio. Sinal claro de que aquilo que já foi o local de acohimento para os passantes exaustos, hoje é um mamarracho. Não há sinal a indicar-nos vida pelo menos nos próximos tempos, já que o azimute mudou para o Santo António, um restaurante-pensão que tomou conta da história local.

 

Percorri trinta e dois quilómetros da cidade onde moro para ver um amigo que vai a Malema. Ele vai passar por aqui daqui a pouco, vindo de Maputo, e nesse momento a ansiedade de revê-lo vai esmorrecer no profundo abraço que vai-se materializar entre nós. Há muito que não nos vemos. E enquanto ele não chega, estou neste lugar sentado tendo como cadeira um bidon de plástico, de vinte e cinco litros, usado antes para acondicionar óleo alimentar.

 

São dez horas. O meu amigo volta a ligar e diz com entusiasmo, estou a passar Inharrime, brada! Inharrime é aqui perto. São vinte minutos de carro, mas como o homem que vai ao volante inspira-se no brasileiro Emerson Fittiplad, que venceu o Campeonato Mundial da Formula 1 e o Indianapolis, quinhentas e duas vezes cada, pode chegar antes de cinco minutos. Com ele tudo é possível.

 

Tenho medo de auriculares. Usei abusivamente os auscultadores, em som alto, quando era locutor da Rádio Moçambique, e o resultado é que rebentaram-me o ouvido do lado esquerdo. Agora priorizo o som da natureza. A música dos pássaros. Do vento. A sinfonia das chuvas e trovoadas. É por isso que estou aqui a mercê de todos os sons. Dos camiões  que passam e descarregam o estrangulador...... brrrrrrrrrrrrrrrrrrooooooooooooooooooo!

 

Nem parece que estou aqui sozinho. Há uma companhia intensa. Calorosa. Todos que vão passando perto, saúdam-me vocalizando um bondia, ou acenando com a mão, ou ainda meneando a cabeça, e eu retribuo com rigozijo. Esqueço-me que estou sentado por sobre um bidon de plástico, de 25 litros, oco por dentro. Sem nada. A sensação que me habita o interior é leve. Quanto mais não fosse, estou a espera do meu brada.

 

Dez minutos depois da chamada feita em Inharrime, vejo um espampanante Crysler 300 deslizando suavemente na estrada, e logo a seguir saíndo para estacionar, um pouco afastado do local onde estou. É ele!

 

Nunca imaginei que viesse numa viatura tão fora do comum, mas com o meu brada, como já o disse, tudo é possível. Levantei-me e fui ao seu encontro a correr, como uma criança. Ele também, quando me viu, saíu do carro e veio na minha direcção, como uma criança solta, que vai saltar para o peito da mãe ou para os braços do pai.

 

Apertamo-nos. Unimo-nos. Juntamo-nos. E ficamos sem palavras.

 

Perguntei-lhei o que ia fazer em Malema.

 

- Vou ver minha mãe, vamos juntos, brada.

Sir Motors

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