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terça-feira, 07 janeiro 2020 12:41

Vamos dançando makharra

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Entrei no facbook e dei-me com um companheiro de inúmeros e longos caminhos. Dos tempos em que, cheios de sangue jovem nas veias, marchávamos e corríamos e rastejávamos  como lagartos humanos, com AKM  a tiracolo, sem munições, no Centro de Preparação Político-Militar de Boane, treinando para defender a Pátria. Decorria o ano de 1975, antes da Independência Nacional de Moçambique, e tudo aquilo era por demais fascinante. Éramos um conglomerado de mancebos provenientes de todo o país, que estávamos alí levados pela euforia da liberdade.

 

Olhei para a fotografia e reconnheci o Felisberto Laíce, um machope de Quissico. Mais jovem do que há dez anos, quando estávamos juntos no jornal Notícias, e tratei imediatamente de lhe enviar uma mensagem que entrava na contramão dos demais. Ou seja, enquanto os outros amigos do “face” lhe elogiavam pela jovialidade estampada no rosto, eu disse-lhe mais ou menos assim,  machope é machope, nunca vai deixar de sê-lo, mesmo que viva no bairro mais luxuosa da cidade. Aliás, ele – o machope – ferve em pouca água, e daqui para aqui, pode baixar as calças e mostrar-te o trazeiro. 

 

Laíce não demorou. Devolveu-me os trocos e respondeu-me com um “kha kha kha” dizendo assim, o machope é um gentlman, meu caro, não é como o  bitonga como tu,  que vive de coco e farinha de mandioca. Pior do que isso, dizia ainda o meu amigo, vende o melhor peixe da faina, e leva a péssima qualidade para casa, o bitonga é o pior avarento do nosso planeta.

 

No fundo era a forma que encontrei – depois de um longo tempo sem qualquer contacto entre nós -  para saudar o meu velho camarada, agora reformado, depois de ter percorrido quilómetros e quilómetros com a AKM, e depois com uma máquina fotográfica sempre pronta a disparar e poetizar com a imagem. Sempre brincamos assim, nesta plataforma da sátira, usando e abusando da fraternidade que nos une. E isso tudo adentra-nos a alma e protege-nos de todos os abalos.

 

Felisberto Laíce é também minha fonte de inspiração. Qualquer paródia que eu escreva sobre a timbila e o mwenje e o n´tona (óleo de mafurra), é como se dedicasse a ele. De todos os machopes que eu conheço, ele é o mais próximo de mim. Chamo-o de Betinho, com muito carinho, como se fosse o farol imprescindível para me indicar as veredas imprevisíveis de toda a Zavala. Por vezes imagino nós os dois no palco, o meu amigo a tocar a mbila, e eu a cantar com voz roufenha, delirando aos movimetos da matchatchulani (bailarina) dançando na minha memória.

 

Lembro-me que no dia do meu aniversário,  aos sessenta, há dois anos, Betinho ligou para mim e disse assim, meu caro, já estamos em dacadência! E eu disse assim para ele, meu caro, nós estamos em ascensão para o último patamar. E enquanto não chega o dia do último suspiro, vamos dançando makharra e aproveita, irmão,  o tempo para tirar muitas fotografias com a máquina da tua alma.

Sir Motors

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