Comprei uma recarga de dez meticais da Movitel e converti o valor em megabyts. O resultado desta operação permite-me ir ao Youtub e ficar lá durante três horas a ouvir música. A assistir, em deferido, a memoráveis espectáculos dos meus ídolos, que ainda são os mesmos. Três horas de viagem consecutiva, embalado numa nave espacial que levita na órbita do espírito, é verdadeiramente uma catarse. E eu, por mais que o desejasse, não teria outra escolha que não fosse entregar-me todo, por inteiro, ao apelo inegável da música. Da boa música.
A minha casa está implantada num enorme quintal onde disponta um pequeno pomar de quatro laranjeiras. Tenho ainda duas mangueiras, dois limoeiros, uma toranjeira e um desabrochamento de plantas de camomila. Aqui reina o silêncio, poucas vezes interrompido pela comunicação entre mim e a senhora dona que está aqui para me dar algum azimute. De resto tenho a liberdade total para fazer as minhas coisas, e uma dessas coisas que gosto de fazer, é ouvir música. E ver shows que a memória jamais apagará.
Já perdi o hábito de estar na sala a ver televião. Este lugar para mim tornou-se um claustro, ou seja, quando estou aqui a sensação que tenho é de que os meus pulmões degeneraram. Falta-me ar. É por isso que que busco recorrentemente a sombra das minhas árvores, onde me sento na cadeira de palha a ouvir, ou a música dos pássaros, ou vomitada pelos pequenos alfitalantes do meu computador, ou ainda a própria música do coração.
Acho tudo isto muito admirável. Nas manhãs são as tuta-negras que me acordam quando o dia ainda é uma aurora, e no final da tarde são as rolas que me avisam, no seu recolher, arrulhando melancolias, sobre a chegada lenta da noite. As aves aproveitam a copa das minhas árvores, e poisam irrequiestas para agradecerm a Deus, cantando canções que oiço todos os dias sem me cansar. Amiúde descem e pisam a terra com as frágeis patas, procurando algo para debicar sem medo de mim.
Mas hoje estou com o computador ligado debaixo desta mangueira. Quero ouvir a música dos meus ídolos, aproveitando os “megas” convertidos dos dez meticais. Sinto-me feliz. Livre. E sem saber porquê, comecei por um rock-blues, bem içado pelas mãos de uma panóplia de ouro, Buddy Guy, Eric Clapton, John Winter, Robert Cray, Humbert Sumlin. Eles tocam “Sweet home Chicago”, uma verdadeira catarata de guitarras tocadas por gente auspiciosa. Fazem parte do meu tempo, porém isso não me basta. Não me saceia.
Procurei Louis Armstrong, nascido antes da Segunda Guerra Mundial (1901), e o que eu queria ouvir dele era Hello Dolly e What a Wonderful World. Senti-me elevado. Mesmo assim não podia esgotar a minha conta sem ver e ouvir Fela Kuti e o inevitável Hugh Masekela, que me levou para sempre na apresentação que fez em Lugano, em 2009, cantando o inultrapassável “Stimela”. Foi aqui onde percebi tudo, Hugh nasceu para cantar. E tocar trompeta. No cume.
Sigo este ritual de forma quase religiosa, e este imenso verde que me cerca, e ajuda na regulação do gás carbónico na atmosfera, é mais do que isso. É uma importante plateia que me leva a vastidão do mundo da música, onde o coração transborda e outorga a paz. Na verdade, este verde leve dá-me isso. De graça.