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segunda-feira, 17 dezembro 2018 04:41

Uma deliberação clara contra a advocacia pelos estrangeiros

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Numa das Assembleias Gerais mais participadas deste mandato, os advogados analisaram no passado 13.12.2018 a Proposta de Revisão do Estatuto da Ordem dos Advogados, tendo decidido manter a regulamentação do exercício da advocacia praticada por estrangeiros tal como foi aprovado em 2011. Nesse regime, só havendo reciprocidade entre Moçambique o país de origem do advogado estrangeiro, acrescido de 20 anos de inscrição e realização de uma prova nos termos definidos pela Ordem dos Advogados.

 

Desde a aprovação desse regime nenhum estrangeiro foi inscrito – até porque Moçambique não tem nenhum regime de reciprocidade com qualquer país, mas os estrangeiros, de forma irregular, continuam a exercer a advocacia em Moçambique. Votei contra essa manutenção de status quo. Fui, aliás, um dos três votos vencidos contra cerca de cem votos a favor e uma abstenção. É um voto de que me orgulho. Entendo que fiz a coisa certa, contra uma maioria que não entende(u) os ventos da mudança que não são recentes.

 

A advocacia moçambicana e o país ficam a perder com esta situação. Moçambique precisa de se abrir ao exterior e a advocacia não pode considerar-se como uma ilha. Aliás, discute-se no país a questão do conteúdo local e a advocacia parece estar a leste dessa importante discussão. Quando se discutem temas desta natureza, a emoção vem ao de cima e, mais do que discutirmos a advocacia e os interesses nacionais, agimos com base no populismo e na emoção. Infelizmente, a posição tomada não vai impedir que, sem o controlo da Ordem dos Advogados, em prejuízo da economia e da advocacia moçambicana, os estrangeiros continuem a prestar serviços jurídicos em Moçambique, muitas vezes, sem a participação dos moçambicanos.

 

Como em muitos casos, decidimos sem conhecimento de causa, sendo que o Governo continuará a contratar advogados estrangeiros e estes continuarão a vir a Moçambique e a prestar serviços a clientes no país sem envolver os advogados moçambicanos, situações que uma discussão serena deveria ter tomado em conta para ajustar o exercício da advocacia a essas situações.

 

Os rendimentos e os impostos por estes serviços prestados pelos advogados estrangeiros em Moçambique continuarão a ser pagos e recebidos fora do país. E, como é natural, Moçambique fica a perder. Já agora, uma aritmética simples poderia ilustrar que a Proposta reprovada – que a maioria dos seus detractores disse tratar-se de uma proposta que visa defender os interesses dos grandes escritórios de advogados (que não serão mais de 10) – implicaria que nenhum escritório de advogados poderia contratar mais de um advogado estrangeiro e todos os escritórios, pequenos, médios ou grandes, teriam a possibilidade, no âmbito do regime de contratação de estrangeiros, contratar um advogado estrangeiro, ou seja, sempre haveria igualdade entre todos os escritórios.

 

Nunca seria uma abertura total ou passível de nível sem guarda, poderia se iria equiparar aos escritórios de advogados, o regime de contratação de trabalhadores estrangeiros, com todas as limitações que todos conhecemos. Nada disso foi tomado em consideração pela jovem advocacia que, dois dias depois, esteve ausente para discutir outros pontos relevantes da Proposta de revisão e, como referi, em estado ausente nos momentos que a advocacia precisa dos advogados. E, é importante dizê-lo, não se trata já de advogados estrangeiros trabalharem nos escritórios de advogados locais, mas de advogados estrangeiros, sobretudo nesta altura dos grandes investimentos no país, trabalharem em conjunto com os advogados moçambicanos até para a formação e transmissão de conhecimento à jovem advocacia. E, jovens advogados, são mais de mil … Gostava de sublinhar o papel (de liderança) de José Manuel Caldeira, um dos nossos mais velhos, pela idade e pelo tempo que leva na vida da Ordem dos Advogados. Um advogado sério, honesto, da velha guarda, que ainda hoje discute como poucos os problemas da advocacia. Deu a cara por esta alteração, como também pela Revisão do Estatuto. Nunca se cansa. Luta pelo que, na opinião dele, é bom para a advocacia moçambicana.

 

Contrariamente a muitos que vi no dia 13 de Dezembro, o Dr. Caldeira vive a advocacia, os seus bons e maus momentos. Vi muita da (chamada) jovem advocacia vibrar com o rumo das discussões, algumas vezes ruidosas, mas sempre respeitosas. Vi muita da (chamada) jovem advocacia com posições muito claras e extremadas sobre o exercício da advocacia por estrangeiros. Felizmente a advocacia não se resume nesse tema. Há muito mais por explorar e fazer na advocacia moçambicana para além da discussão da advocacia por estrangeiros. Gostava de ver essa jovem advocacia a vibrar e a lutar por uma advocacia melhor. Sinto, infelizmente, que essa jovem advocacia mais se emocionou do que pensou. Creio que não pensa nem tem servido à advocacia. E a advocacia moçambicana precisa de pensadores e servidores dedicados. Orgulho-me de fazer parte dessa minoria que tem pensado e servido a advocacia. Infelizmente, quando é necessário, essa jovem advocacia nunca está presente para dar sequência ao cumprimento dos deveres da Ordem e dos Advogados. E a jovem advocacia, perante os enormes desafios que se avizinham, deveria ter um papel de liderança, de abertura ao progresso e à modernidade.

 

Infelizmente, os sinais de abertura conseguidos em 2015 por altura da aprovação da Lei das Sociedades de Advogados, não tiveram sequência, pois, parece, queremos parar o vento do progresso e da mudança com as mãos. Não vamos conseguir. É por isso que dá sempre gosto ver exemplos como os de José Manuel Caldeira. Exemplos de liderança, de trabalho e de dedicação à advocacia. Mais do que o que o discutimos no dia 13 de Dezembro, a advocacia precisa destes exemplos: que não se cansam, que discutem e que argumentam pelo que consideram correcto. É por isso que continuarei a defender uma maior abertura a advocacia por estrangeiros em Moçambique. Enquanto não me convencerem do contrário, não vou desistir, porque acho ser a coisa certa.

 

* Este artigo foi originalmente publicado no Facebook do autor. O texto foi adaptado pelo autor para ser publicado na "Carta".

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