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quinta-feira, 16 abril 2020 09:19

Hotel Inhambane

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A minha exaltação a este lugar é movida pela esplanda. Todo o sentido da cidade parece desaguar alí, a partir de onde, com o termómetro instalado por sobre o tampo da minha mente,  meço a temperatura dos transeutes. Poucos. Houve tempos que na verdade este espaço era isso mesmo, o centro de uma vida urbana única, caracterizada pelo silêncio. De dentro do bar vinha o cheiro agradável do café, e impregnava-nos  os sentimentos. Embebedava-nos o espírito, espevitava-nos a poesia latente em cada um de nós, de tal forma que, depois de saciarmos a alma, saíamos com a saudade de voltarmos lá outra vez.

 

O próprio bar, a moda antiga, é o outro lado de um tempo que jamais voltará. As cadeiras giratórias perfiladas no balcão, elas,  por si só, convidam-nos ao gozo de sentarmos, e por via desse contacto não resistiremos ao apetite provocado pela garrafeira, ou pelo profundo aroma do café. Mas o que estou aqui a descrever pode ser um devaneio, pois a realidade é uma ferida viva.

 

Passei desinteressadamente pela esplanada do Hotel Inhambane na última sexta-feira, ao final da tarde, como forma de dar azo a minha liberdade. Vinha a pé, descendo pela “25 de Setembro”, depois de desfrutar do pôr-do-sol, sentado num dos bancos da marginal. Era um espectáculo esplêndido a que acabava de assistir, com o astro-rei a esconder-se lentamente por detrás das plameiras que estão para lá da Maxixe. E eu a ver aquilo tudo como dádiva de Deus. Um privilégio de poucos. É como se estivesse no paraíso em si, onde as canções embevecem-nos a todo o momento. E aqui as canções são interpretadas pelo silêncio.

 

Na esplanada não está ninguém. O bar está fechado, mesmo para aqueles que querem beber café. Há um êxodo na cidade, e se calhar sou o único andante por aqui, como um louco ao fim da tarde, parafraseando Marcelo Panguana. Seja como for, independentemente do Covid-19, o bar e a esplanada do Hotel Inhambane, já haviam degenerado. O actual gestor colocou colunas de som cá fora, como se estivéssemos no “senta baixo”,  quando o que pretendemos ao demandar este acolhimento, é o sossego, o silêncio. A música somos nós. São as nossas palavras. Ou o tilintar das pedras de gelo nos copos de whisky. É isso que buscamos na esplanada do Hotel Inhambane.

 

É o único lugar que ainda nos pode receber na proporção das etapas antigas da nossa existência.  Da nossa história que vai sendo vituperada. Também, paradoxalmente, é o espaço menos frequentado. É como a Praça da Liberdade em Singapura, as pessoas não vão lá, com medo da “secreta”. A esplanada do Hotel Inhambane idem em aspas,  é assim, ou quase assim, como a Praça da Liberdade em Singapura. A juventude daqui prefere as barracas, onde a postura urbana é pontapeada. Desta forma eles sentem-se livres.

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