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quinta-feira, 28 maio 2020 05:57

Patrão, compra garoupa!

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Ir ao mercado da Mafurreira  nas manhãs fazer compras, já se tornou um vício, e isso dá-me um enorme prazer. É um exercício quase de instinto, que me restabelece as emoções, e ajuda-me a não sentir o escorrer do tempo, que por vezes demora passar sobretudo quando estou sozinho, sem que esteja a escrever, ou a dedilhar a guitarra emprestada. É também uma dádiva, no sentido de que regresso sempre à casa com a alma cheia, pelas conversas esporádicas que vou ter aqui e ali, com as vendedeiras que, ao verem-me, vão dizer logo, sorrindo, pari yangu! (amigo!). E eu exulto pela saudação tão sincera. Simples. Profunda.

 

Ainda ontem desci àquele lugar que também é meu. Ou seja, eu sou uma das pétalas desta flor cheia de feridas que podem estar a gangrenar. Flor é todo o mercado, que mesmo sendo pequeno na sua geografia, é o maior da cidade de Inhambane. Pétalas são estas mulheres cujo sonho metamorfoseou-se para dar lugar ao conformismo e a incerteza. Elas já não esperam, são aquelas por quem as crianças esperam em casa com a barriga vazia. Uma barriga que pode não ser saciada porque ninguém comprou nada. O marisco apodreceu.

 

Mas todo este cenário parece sombrio, pois se não fosse, então teriamos ali uma tagarelice de não acabar, e isso não está a acontecer. Há um silêncio dorido, cheio de desesperança, porque ninguém compra nada. Elas já perceberam que não há dinheiro. Ninguém o tem. Porém, não saiem das bancas, onde ruminam todos os dias os seus desesperos. Perderam a vontade de apelar aos potenciais clientes – que vão passando - para comprar qualquer coisa. Ninguém as liga.  E não encontram outra saída que não seja a de aceitar a humilhação de estar ali a boair.

 

Ontem eu queria comprar alface para acompanhar o meu  chá. Contei rigorosamente as moedas, e o valor servia “in extremis” para as minhas necessidades limitadas, que se resumem na alface, tomate, cebola e pão. As outras propostas estavam longe de mim, não que eu não goste de um bom camarão, de uma boa lula e das garoupinhas brilhantes que me enchem os olhos nesta banca à minha frente.  Mas não há nada a fazer,  com o bolso descompensado, senão apenas sonhar com as referidas garoupinhas grelhadas, acompanhadas com batata cozida, pimento assado na brasa e etc.. Porém, todo este meu derretimento não passa da imaginação. Aliás, a aquisição daquele tipo de peixe, é uma empreitada para grandes engenheiros, e eu sou apenas um mirone, que vai enchendo o estômago de baba.

 

Ela olha para mim, sem parar de sacudir as moscas que vão sobreavoando o peixe acabadinho de sair do mar e diz, patrão, compra garoupa, é fresca! Na verdade é uma tentação irresistível, todavia distante para as minhas capacidades. Aliás, foi por conhecer as fraquezas da minha tesouraia, que nem sequer perguntei o preço. Limitei-me a imitar o macaco que, de tanto insistir em saltar par arrancar as uvas, sem nada conseguir, acabou dizendo que não as arrancou porque estavam podres, e eu disse a senhora que não como garoupa.

Sir Motors

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