Tenho um amigo que me decepcionou redondamente, um homem que o tomava até certo ponto como meu paradigma, pelas intervenções lúcidas que sempre fez e a forma serena com que abordava os assuntos do quotidiano e do futuro, embora na verdade o futuro não lhe peretencesse. Ele sempre abriu margens nas suas abordagens, para que o tempo se encarregasse de esclarecer as dúvidas, havendo. Nunca assumiu a verdade como absoluta, mas socorria-se dos factos para intervir, no sentido de evitar que amanhã houvesse desmentidos nos jornais.
Hoje porém ele entristeceu-me ao dizer que todo aquele trabalho há muito esperado e dirigido pela sensatez e pela honestidade, que o ilustre Eneas Comiche está a realizar em Maputo, não vai dar em nada. Olhei para o meu amigo, uma figura ponderada, e senti que alguma coisa podia estar a mudar nele, ou eu é que não estava a compreendè-lo. Perguntei se era aquilo mesmo que pretendia dizer-me ou era uma mensagem velada, e ele respondeu-me que Maputo não é Hamburgo ( cidade alemã classificada em primeiro lugar entre as dez mais limpas do Mundo). Ou seja, o que o meu amigo queria fazer-me entender é que os africanos são incapazes, por isso Eneas Comiche não chegaria longe.
Fiquei revoltado perante tamanho vilipêndio moral aos meus sentimentos, e aos sentimentos dos maputenses de boa fé, dos moçambicanos num todo. Era um insulto à grandeza de um homem que põe Maputo a sonhar como nunca. Um desprezo injusto à uma pessoa que nos recorda que em Moçambique existe boa gente interessada em puxar a carroça para frente, e Eneas Comiche, que desafia de dia e de noite um ecossistema por demais degradado, faz parte dessa boa gente. O ilustre edil de Maputo está metido num desfiladeiro íngreme, como se ele próprio fosse as bombas usadas no Afeganistão, que quanto mais duras forem as rochas que fazem as grutas onde se escondem os jahidistas, mais raiva elas ganham e furam aquelas fortalezas naturais.
Maputo é uma cidade com chagas abertas, feridas gangrenadas, e já precisava de um cirurgião competente e corajoso, capaz de arrancar com as mãos o coração de pedra que já não batia, e colocar outro, de carne, para os batimentos voltarem a dar vida a “Cidade das Acácias”, e esse cirurgião é Comiche, ao qual o meu amigo lança farpas, no lugar de harpas, “isto não é Hamburgo”!
Infelizmente os tempos que passaram, educaram muita gente a pensar que toda aquela desordem e vergonha e repugnância fossem o nosso destino. Uma situação do tipo “não temos onde ir”, mas Eneas Comiche, um cidadão moderno, competente, responsável, revoluionário, veio a terreiro dizer que a nossa vida merece dignidade, e não pode contar com gente resignada. Pessoas que não acreditam em nada, nem neles próprios.
Comiche faz-me lembrar Edward Sechwarzenegger, governador de Califórnia entre 2003 e 2011. O fisioculturista americano desafiou o território árido e o mais seco dos Estdos Unidos, e não queria terminar o mandato sem dar água canalizada às populações locais. E Eneas Comiche quer deixar uma cidade “txunada” quando sair, ignorando completamente os que dizem, como o meu amigo, que “isto não é Hamburgo”. Parabéns, ilustre!