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segunda-feira, 28 dezembro 2020 09:46

Estou no zénite

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O demonstrativo desse sentimento é a minha obsessão por lugares abertos com pouca gente, como aqui onde me encontro, na Praia da Barra, testemunhando a derrocada do próprio fascínio. Vejo o Índico avançando devagar, porém resoluto,  ao encontro das dunas ocupadas pelos homens, e parece já não haver nada a fazer perante a fúria do mar. Que vai destruir tudo isto.

 

Tenho o celular no dispositivo do silêncio, pois não quero ser interrompido nesta audição à música do oceano e dos pequenos montes de areia que vão sendo deluidos pelas ondas. Eu oiço esses montículos cantando dentro de mim a melodia da dor, composta pela ganância e estupidez. E nós mesmos não quisemos perceber os limites da nossa liberdade, indo até onde não deviamos, tocando em obras da natureza feitas apenas para a contemplação.

 

Eu também faço parte desta praia que vai sendo demolida pelas águas, pedaço a pedaço. Estou aqui há muitas horas e ainda não vi ninguém passando ou chegando, a não ser as aves marinhas voando rasante por sobre as ondas, outras passando perto de mim, saudando-me, ou simplesmente para admirarem alguém que ousa estar sozinho num sítio em decomposição. Sem medo de nada, nem da imensidão assustadora do mar determinado na devastação da terra.

 

Na verdade não tenho medo de estar aqui, e isso pode significar que estou no zénite, e a solidão, como se sabe, é o ponto mais alto da vida, e eu já estou lá, onde posso delirar livremente nas minhas alucinações provocadas pela incenssante imaginação. Aliás a minha vinda à Barra revela isso, mas no fundo é mentira, nunca estou sozinho. Tenho o mar como almofada, as dunas ruindo, as aves planando, e a presença magnética do silêncio que me faz viver como nunca.

 

Se há uma ave por estas bandas, arrebatada e desfrutando  deste encanto sem limites, eu sou! Não me importam os ponteiros do relógio, nem as chamadas dos amigos que ligam ao meu telefone activado para o silêncio, esses podem esperar, contrariamente a esta consonância entre mim, o Índico, as dunas, os ventos, e o próprio silêncio. Até porque cheguei a pensar que a praia estivesse vazia, ela está repleta desta poção mágica vertida por sobre a minha alma.

 

A praia da Barra dói-me na música que ela canta, composta no conservatório do fundo dos mares. Ninguém a quer escutar, pois cada vibração  é uma facada na esperança. A Barra pende num fio frágil que vai rebentar daqui a pouco, e  eu estou aqui assistindo a esse momento dramático, com o celular no silêncio. E como o sol já está a cair no horizonte, por hoje basta, vou-me embora, entristecido, desolado como todo este espaço esplendoroso. Se calhar volte outro dia, sem expectativa, quem sabe!

Sir Motors

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