Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quarta-feira, 13 janeiro 2021 08:27

A minha pequena península em derrocada

Escrito por

Recebi uma chamada telefónica de alguém que me acompanhava no facebook, pelos vistos de forma muito particular, ele dizia que já não me via naquela plataforma, o quê que se passa, ilustre? O interlocutor que me abordava nem sequer teve tempo de se identificar e eu não me importei, não lhe perguntei quem era, achei isso supérfluo. É uma figura que fala de forma afável, com o nível mais alto de educação, sentia-se até certo ponto alguma angústia na forma como articulava as palavras. Era voz de um homem a quem eu fazia falta, e isso comoveu-me. Parecia que ele tinha falta de oxigénio, e o oxigénio sou eu. Então é preciso encontrar a melhor resposta para não decepcionar o meu seguidor.

 

Mais do que tudo, esta ligação renova-me, significa que estou sendo valorizado por um desconhecido, e é embaraçoso quando somos colocados numa situação destas. Vacilei várias vezes até encontrar aquilo que achei ser a resposta mais adequada, embora ambígua. Disse-lhe mais ou menos assim, a vida é inesperada, meu caro!

 

Depois houve um silêncio tanto do lado de lá, como do lado de cá, parecia que tudo estava sintentizado nesta expressão, “a vida é inesperada, meu caro”! Sim, a vida é inesperada! Ele percebeu esta verdade de modo que não restou outra coisa que não fosse agradecer os momentos agradáveis que lhe proporcionei durante uma temporada, e eu nem sabia que estava alimentando com as minhas intervenções, o coração de um ser humano que agora enconsta-me à parede, não segurando uma espada, mas um pequeno vaso cheio de flores. Aliás, antes de desligar o celular, eu ainda disse mais, talvez um dia volte, quem sabe!

 

Agora preencho uma grande parte do meu tempo descendo à pequena península que fica aqui perto da minha casa, onde outrora era o paraíso da juventude. Fico neste lugar desordenadamente ocupado por ávidas construções, quase todas elas frágeis, durante horas e horas assistindo ao mar que vai devorando aos poucos a terra incapaz de resistir.  Sinto pena dos moradores que já perceberam tudo, ou seja, a destruição das suas casas é inevitável, isso vai acontecer mais dia, menos dia.

 

Chama-se Mabananeni este espaço que já foi um esplendor, presentemente cercado do lixo rejeitado pelo mar que canta a música do aplocalipse. Nas noites, em dias de marés enquinociais, as ondas, cansadas de se esbaterem nas margens, entram pelas habitações adentro molhando tudo e as próprias pessoas que serão fustigadas até ao interior do ser. Depois a maré vai vazar para esperar outros enquinócios que já se tornaram ferozmente cíclicas.

 

Já não tenho dúvida de que a minha pequena península um dia desaparerá, engolida pelo mar determinado, e eu acompanho esta dura realidade sem poder fazer nada. Resigno-me como estes poucos moradores trazidos pela desgraça. Assisto impotente, as ondas avançando de triunfo em triunfo, ao encontro da nossa derrota colectiva.

Sir Motors

Ler 2960 vezes