Director: Marcelo Mosse

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sexta-feira, 16 outubro 2020 07:29

Vamos ajudar o Manuel Chang

Segundo o jornal 'Canal de Moçambique' desta semana, o nosso compatriota Manuel Chang está a pedir referências das melhores cadeias dos Estados Unidos para viver. Ele quer informações da área das celas e da composição nutricional das refeições. Quer saber se as cadeias de lá têm ar condicionado e colchões 'king' com 'djuveti' dele. Quer saber se têm um 'personal-treina' para lhe endurecer os bíceps. 

 

Vamos ajudar, piplo! Por exemplo, quem souber de uma cadeia que tenha celas com vista para o mar, piscina e alpendre de capim sul-africano pode dizer. Uma cadeia onde é permitido fazer safari e pesca desportiva. Até quem souber de uma cadeia em que ele pode ter direito a férias também pode partilhar. 

 

É uma ajudinha, irmãos, não custa nada. Solidariedade dele que falam, então, é isso mesmo. Logo um homem como o Chang, que tanto fez para levar o nome de Moçambique ao epítome da gatunagem mundial! Ele merece.

 

Tudo pode ser útil, gente. É bem possível que em Nova Iorque exista uma cadeia com Bilene, Tofo e Macaneta lá dentro. Ou uma que tenha Dubai. Também quem souber da existência de uma prisão em que ele pode continuar a ser ministro, com direito à segurança, motorista, A-Dê-Cê e um Mercedes preto pode dar o endereço. Não podemos permitir que a pose do nosso compatriota caia. É um cidadão de alto padrão. 

 

Tio Zandamela, ajuda lá aí. Será que nos 'esteites' não existem calabouços com chuveiros nos candeeiros? É para o nosso irmão Chopstik. A propósito, quem souber de um presídio em que ele pode abrir o seu próprio banco comercial, pode dar as coordenadas também. Vamos ajudar o Chang! Amigo é quem ajuda, já dizia o Deni-Ó-Dji.

 

- Co'licença!

quarta-feira, 14 outubro 2020 06:49

A caverna da morte

Margareth Uambo, menina linda, nascida na terra de Agostinho Neto em Kaxikane, município de Icolo e Bengo, em Angola. Jovem inteligente e dedicada com atributos corporais e faciais extraordinários. Logo cedo, a mangolé apaixonou-se pela medicina tendo em 2012 conseguido uma bolsa de estudo, uma vez que era uma extraordinária estudante. A bolsa da Margareth levou-a a Argélia.

 

Na Argélia tudo corria bem, boas notas, comportamento escolar bom e todos os outros aspectos sociais e financeiros seguiam em bom ritmo, até que numa triste e amarga noite do ano de 2016, a Margareth Uambo que regressava de mais um estágio cruzou com três jovens argelinos, tendo um dado uma palmada na sua "tesuda bunda"; a Margareth sorrindo, reparou aos jovens e afastou-os com desprezo. Entretanto, os argelinos são famosos por serem agressivos, frios, violentos, extremamente tesudos e calculistas, mulherengos, xenófobos, racistas, "assassinos e até terroristas".

 

Após terem batido no traseiro dela e ela ter os mostrado desprezo, os três jovens aproximaram mais o carro até a Margareth, pegaram no braço dela e começaram arrastá-la com o carro a uma velocidade de 180km/h. No passeio, onde a Margareth Uambo foi pega pelos rapazes, estavam lá alguns policiais que a princípio viram o acto como normal, mas logo que começou a barbárie, imediatamente accionaram a polícia de intervenção rápida local que foi atrás dos jovens.

 

Foram capturados os jovens. A Margareth toda ferida, aquela pele negra toda linda raspada e a cabeça a milímetros para que o cérebro sai-se. A Margareth não aguentou, morreu a caminho do hospital e o corpo chegou a Kaxikane sem a cabeça, porque a mesma separou-se do corpo durante o processo do transporte ao hospital. Estranhamente, os jovens capturados foram soltos, porque mataram uma pessoa de cor negra que na tradição deles são pecadores por isso Deus (Allah), os castigou dando-lhes a pele negra.

 

Os assassinos da Margareth não pensaram na família dela. Nos sonhos e projectos dela. Na missão que o governo angolano tinha para ela. Nas crianças, mulheres e idosos da pacata e esquecida Kaxikane de Agostinho Neto. Eles não pensaram que o curso que ela estava a fazer iria revitalizar o sector de saúde na sua comunidade, onde as mulheres morrem em bichas nos hospitais por falta de atendimento.

 

Em Blida, em 2016 vivia um jovem lindo, inteligente e dedicado de nome Shameer Mukhuta, estudante de engenharia química. Shameer era argelino, muçulmano e homossexual. Todas as moças apreciavam a sua beleza, mas não sabiam da sua opção sexual. Os colegas da república estudantil descobriram o outro lado de Shameer, convenceram-no que também eram da mesma "laia". Marcaram um encontro a três. Shameer Mukhuta pensando que aquele seria o dia "H" na satisfação dos seus desejos carnais, acabou por se tornar num filme de terror.

 

Chegada a hora, Shameer dirigiu-se ao quarto dos supostos colegas, onde acreditava que sentiria um prazer raro no seu país. Horas depois, as pessoas encontraram o corpo de Shameer sem vida, a cabeça separada do corpo e com uma escrita em francês estampada na parede que dizia: "Ici, nous ne tolérons pas les gays car ils sont des fruits du diable"; traduzindo - "Aqui não toleramos gays porque são frutos do diabo".

 

Contrariamente, ao caso da Margareth Uambo, o de Shameer Mukhuta foi bastante mediático e debatido nos canais da Argélia, houve repúdio por tudo que era canto daquele país. Os assassinos face a repercussão tiveram que colocar-se em fuga porque caso fossem detidos teriam pena de morte. As fotos circularam por toda imprensa com a escrita "Wanted"- "Voulait" que em português significa "Procurado".

 

Um tempo depois, trouxe-se a público que Shameer era homossexual e os assassinos foram encontrados. Diante desta nova realidade, os mesmos foram apenas obrigados a indemnizar a família Mukhuta e o caso foi encerrado e ficou como mais um…

 

Com a guerra na Síria, um país asiático com governação e cultura islâmica. Na Argélia, um grupo de jovens estudantes começou um movimento de recolha de assinaturas contra a guerra que mobilizou países com poder militar e armamentista pesado, como a Rússia e os Estados Unidos de América (EUA). Os jovens pretendiam ter aprovação para fazer barbaridades contra embaixadas pró-americanas por supostamente estas estarem a apoiar a morte dos sírios que na óptica deles tinham razão…

 

Os jovens estavam dispostos a tudo. Até de explodirem-se no meio da multidão, em autocarros, em universidades ou em aviões. Entretanto, para poder amealhar mais assinaturas, os mesmos andavam armados e com paus nas mãos de quarto em quarto, rua em rua, casa em casa, recolhendo assinaturas e caso alguém recusasse então teria um "fim nebuloso" e em alguns momentos perguntavam as pessoas de que religião eram, caso não fossem muçulmanos, o fim já era sabido.

 

Em Blida, os cidadãos da raça negra morrem e nada é feito. A impunidade, o preconceito, o racismo, os assassinatos e a fobia por outras religiões tornaram esta e outras cidades daquele país numa "caverna da morte". Facto é que duas estudantes zimbabuanas foram mortas; uma em situação estranha e a outra devido a propinas escolares; alguns estudantes foram explodir no ónibus.

 

Que o diga Abdelaziz Bouteflika, ex-presidente da Argélia, que passou diferentes epítetos familiares, sociais e políticos até chegar andar na cadeira de rodas e ver um avião com 300 passageiros explodir porque alegadamente as manifestações para a sua queda não estavam a surtir algum efeito.

 

A diferença entre a caverna da morte e as outras é que lá os casos são rapidamente abafados na mídia porque tudo se tornou num status quo nacional e nos outros países viralizam acabando por paralisar uma nação poderosa e com força policial reconhecida como assassina.

 

Rest peace, à todos que morreram por ser diferente!

 

Texto escrito baseando-se em conversas constantes e histórias contadas por estudantes moçambicanos na Argélia.  

segunda-feira, 12 outubro 2020 05:41

Stélio Craveirinha, peço perdão!

Dizem que perdeu a vida, ontem, um cidadão chamado Stélio Craveirinha. Dizem que era moçambicano. Dizem que nasceu em 1950. Dizem que era filho de José Craveirinha, o nosso poeta-mor. Dizem foi um atleta e amante ferrenho do atletismo. Dizem que participou dos Jogos Olímpicos de Moscovo, em 1980. Dizem que alcançou a fasquia dos 6,94 metros nas eliminatórias do salto em comprimento. Dizem que foi um recordista. Dizem que foi o primeiro treinador da Lurdes Mutola, a nossa Menina de Ouro. Dizem que também treinou a Argentina da Glória. 

 

Tudo isso está a ser dito agora que ele morreu. Homenagem 'post mortem'. Um currículo patriótico e nacionalista sendo promovido no obituário. E as pessoas querem que os moçambicanos chorem a morte deste patriota e nacionalista que perdeu a vida no anonimato assim como choraram a morte do basquetista norte-americano. Hoje, Stélio Craveirinha inundou os noticiários. Daqui a pouco havemos de ver mensagens do Chefe do Estado exaltando a sua memória. Até dos dirigentes desportivos. Vai ter um funeral cheio de gabarolices do Estado.

 

Como é que um cidadão com o pedestal do Stélio, como hoje se fala, não era conhecido? Eu - modéstia a parte - sou um cidadão informado, mas nunca ouvi falar do Stélio. Um homem que marcou o desporto nacional morreu aos 70 anos sem um único parágrafo para a posteridade. Hoje, dizem que 'o desporto moçambicano perdeu uma das suas figuras emblemáticas e carismáticas que muito contribuiu para o desenvolvimento do atletismo nacional'. Palhaçada!!! Que 'figura emblemática'!!! Quem 'emblemou'?! Quando?! Como?! Carismática?! Aí é?!

 

Não conseguimos promover os feitos do Stélio em vida, mas temos a coragem de gastar o erário público construindo estátuas de um indivíduo que foi desconfiado de ter disparado o tiro inaugural da guerra libertária. Desconfiado porque agora temos sérias dúvidas desse tiro de abertura. Hoje é apenas um indivíduo suspeito de ter iniciado uma guerra que já tinha iniciado. Se calhar estamos a exaltar narrações sobre um fulano que as zero horas daquele histórico dia de Setembro estava a beber 'cabanga' algures nas margens do Rovuma e sequer chegou a ir a tal emboscada. Pois é! Não conseguimos dar ao Mister Stélio a sua mais do que merecida página na nossa história (desportiva) quando a imprensa pública passa a vida a reproduzir epopeias mal contadas de heróis gananciosos. 

 

Dói a alma, juro! Gostaria de falar do Stélio com a mesma propriedade que falo do Samora, do Guebuza, do Mondlane, do Chipande, do Nhangumele, da Lurdes, do Eusébio, do Chang, do Chissano, do Malangatana, do Salimo, e doutros 'heróis'. Pelo que se conta, Stélio Craveirinha é um professor. Gostaria de mandar um 'RIP' encharcado de emoção como aquele que mandei ao Kobe Bryant. Aqui na pátria a(r)mada, até a nossa Menina de Ouro só brilha em períodos de campanha eleitoral. Somos especialistas em apagar histórias e pintá-las quando nos convém.

 

Infelizmente, Mister, muitos dos nossos heróis foram deliberadamente arrancados das páginas da nossa História. Talvez, por isso, as nossas enciclopédias estão repletas de heróis que têm medo de ir à África do Sul. Heróis que não conseguem olhar para Mahindra de frente. Na verdade, os nossos livros de História são autênticos mandados de busca e captura. Os nossos compêndios de História deviam já vir com uma ordem de prisão para os personagens na contracapa.

 

Enfim, desfrute do seu eterno descanso Mister Stélio! É lhe merecido, depois de longas corridas e altos saltos. Peço perdão, professor, por não ter te conhecido! É o país... onde morres ainda vivo. O país do politicamente correto. 

 

- Co'licença!

sexta-feira, 09 outubro 2020 07:39

Malta RENAMO, vocês envergonham maningue!

Todos nós sabíamos que a RENAMO gosta de comer com colher grande sem trabalhar. Também sabíamos que o novo projeto da RENAMO é se parecer cada vez mais com a FRELIMO da pior maneira possível. Também nunca duvidamos que o objetivo da RENAMO nunca foi chegar ao poder. 

 

Ficou sempre claro que a maior e a mais importante meta da RENAMO é a FRELIMO deixar cair os maiores nacos do bufê para eles apanharem no carpete com a modéstia satisfação. Não há dúvidas que na RENAMO há muita fome e por causa disso há muito arranca rabo. Não é novidade para ninguém que, quando é para aprovar mordomias e regalias para si, a RENAMO não tem mãos a medir. 

 

Ora, o que nós não sabíamos, ou seja, a grande novidade aqui é saber que doeu (e ainda dói) à RENAMO o facto de terem sido excluídos da partilha das dívidas ocultas. Não sabíamos que a RENAMO está muito chateada com isso. Não sabíamos que também querem aquele dinheiro. Nunca demonstraram. Se já, não foi assim tão claro.

 

Não sabíamos que a RENAMO estaria muito feliz, se Chang fosse o seu membro sénior. Nunca nos passou pela cabeça que, para a RENAMO, Nhangumele é ideal para o seu ministro dos negócios estrangeiros e cooperação. É um bom negociador. Quer dizer, para malt Magibire, aqueles dólares que entraram na conta da FRELIMO foi uma grande cabeçada. Doeu. Chiça!!! Não sabíamos.

 

André Magibire é o número dois do partido e, por isso, tem a legitimidade de falar em nome de todos os renanistas. O sentimento dele é de todos os membros e simpatizantes da RENAMO. É por isso que Magibire pode convidar a imprensa para peidar publicamente sem que os ditos intelectuais do partido lhe chamem a razão. É claro que convidar a RENAMO para combater os insurgentes em Cabo Delgado foi a ideia mais estapafúrdia, mas daí usar a exclusão da partilha dos dinheiros das dívidas ocultas como argumento, foi bastante revelador. Foi muito clarificador. Foi honesto demais. 

 

Nossos amigos e familiares da RENAMO, estamos rendidos convosco! Sim, senhora! Assim, quer dizer, nós não podemos contar nada convosco nesta vida porque a FRELIMO não vos deu quinhenta do dinheiro das dívidas! Quer dizer, está a 'vus-duer'! Estamos rendidos com o vosso nível de dependência. A vossa mendicidade é doutra galáxia. A vossa pobreza não é deste planeta. A vossa gula é diabólica. Estamos simplesmente rendidos. Vocês envergonham maningue! Armados ou desarmados, rurais ou urbanos, não deixam de ser bandidos. 

 

- Co'licença!

sexta-feira, 09 outubro 2020 06:32

“Os terroristas bateram na minha porta…”

Estávamos felizes naquele dia. A Mariamo preparando o pequeno-almoço. A Samira lavando a loiça. Eu organizando o quarto. Tudo parecia que seria um dia de muita felicidade. Uma vez que após o pequeno-almoço pretendíamos ir almoçar em família na casa do pai Abdula Mussuade, em Milamba, Mocímboa da Praia, Província de Cabo Delgado.

 

Onze horas da manhã do dia 27 de Junho de 2020 ouvimos rajadas de disparos vindos de diferentes cantos. Ficamos aflitos e cheios de medo. Esquecemos tudo e procuramos formas de correr, mas a situação não nos ajudava porque a Mariamo, minha esposa, estava de gestação de cinco meses, com o corpo difícil de mover e os pés inchados. Perguntei-me o que eu deveria fazer? No meio de tanta bala decide ir procurar pelos moto-táxis... decidimos, na ocasião, que deveria ficar em casa.

 

No meio de tanta correria e busca de soluções imediatas, aliada à agitação e ao medo instalado, acabei perdendo a minha mulher e cunhada. Na procura que efectuara naquele dia não achei nada seguro, todos meios estavam ocupados. Transportadores pediam valores monetários avultados. Tudo estava nas mãos de Deus. Um amigo disse-me: “Deus dará!”.

 

Diante de tanto fogo e chumbo voltei para casa às pressas. Quando cheguei ao quintal, vi que a porta de casa que tinha sido arrombada. Corri desesperado em direcção à mesma, gritei: “Mariamo, Mariamo!”. Mas ninguém me respondeu. Apercebi-me que elas já não estavam a casa. 

 

Sai pela estrada, aflito e destemido. Afinal, havia levado a minha amada que carregava no seu ventre, o meu legado, o meu primogénito. 

 

Encarei balas e os riscos. Encarei os temidos al-shababes ou andorinhas da noite! Infelizmente, não vi a minha amada Mariamo, dona da voz na Rádio Comunitária de Mocímboa da Praia.

 

Gritei, Mariamo, Mariamo! Meu amor, onde estás? De repente surgiu-me a Samira do nada, toda assustada e banhada de lágrimas! Perguntei-lhe onde estava a sua irmã? – Respondeu: “os al-shababes levaram-na; a mim deixaram porque disseram que sou feia e que ninguém iria me querer lá na base!”.

 

Desesperado, angustiado, molhado de tanta raiva, mas de mãos atadas por não saber o que fazer. Eu e a Samira decidimos fugir para Pemba. Não tínhamos como levar o caso às autoridades policiais e militares, uma vez que a vila estava em chamas e que cada um procurava formas de se salvar. Por sorte conseguimos um transporte que nos tirou da zona de guerra para a Cidade de Pemba.

 

Já em Pemba. Procuramos por amigos que nos levaram até à polícia. Explicamos ao senhor agente em serviço que registou a ocorrência, mas disse-nos que estava de mãos atadas porque estava distante do facto e que deveríamos ter fé e esperança. Naquele momento era como se estivéssemos com um padre, nos fortificando e nos dando força!

 

As raparigas e mulheres que eram raptadas pelos al-shababes poucas conseguiam fugir deles e a maioria passava a ser escravas sexuais dos mesmos. Mas como a Mariamo iria aguentar aquela situação, uma vez que estava grávida? Pensamos em reportar alguns jornalistas, mas depois veio aquele medo, uma vez que os terroristas também informam-se com os jornais, rádios e televisões.

 

Em conjunto, optamos pelo silêncio. Mas a Mariamo continua nas mãos dos terroristas e o meu filho correndo o risco de nascer ou perder a vida nas matas e base dos al-shababes.

 

Quem nos ajudará? – Até hoje espero pela minha Mariamo!

 

Texto escrito através de um facto real ocorrido a um jovem casal residente em Mocímboa da Praia. A esposa encontra-se sequestrada pelos terroristas desde Junho. Os nomes do texto são fictícios, mas a história é verídica.

quarta-feira, 07 outubro 2020 06:15

Mathxinguiribwa *

O aeroporto de Maputo tremeu, não porque aterrava uma gigantesca aeronave, mas porque Timbila ta Mhono ia voar, como as águias que dominam as montanhas de pedra. Na capital inglesa, onde tudo vai começar, as televisões vão dando sem se cansar, excertos das actuações dos moçambicanos, para publicitação daqueles que irão actuar no Estádio de Wembley. Não há nenhum jornal que não insere publicidade da já considerada a maior orquestra de timbila de todos os tempos. Os melhores jornalistas ressurgem, soberbos, com reportagens espectaculares antes de chegarem as “águias”. Muitos desses jornalistas que agora retomam os apontamentos, estiveram no estádio da Machava, na despedida, e descrevem tudo aquilo sem, no entanto, conseguirem dizer tudo, porque, segundo eles próprios, o Timbila ta Mhono é infinito. As rádios abrem as suas emissões com o som da timbila e deixam essa secular melodia devastar os corações dos ouvintes por horas sem fim, muitos ingleses e outros europeus que estão em Londres, são entrevistados para dizer qualquer coisa sobre este vulcão que se anuncia, e a única coisa que eles conseguem dizer é, isto é simplesmente incrível, é imperdível.

 

Falta um dia para a abertura das comportas e tornar o Wembley numa albufeira sagrada dos chopi, para onde os europeus serão chamados a mergulhar e de lá sairem purificados, Wembley vai se transformar, com a chegada do Timbila ta Mhono, em lago Betsaida, onde o anjo Gabriel chegou e agitou a água para que todos mergulhassem e se puruficassem, e esse anjo Gabriel é, na linguagem dos jornalistas mais afoitos e mais criativos, que faziam estas comparações todas nas suas reportagens, Mathxinguiribwa, que não vai carregar a banda às costas, mas vai à frente dela, como Jesus Cristo ia à frente dos seus discípulos. Estas parábolas citadas nos jornais, aumentam a ansiedade, e os locutores chamam à atenção dos seus compatriotas para controlarem as emoções e reprimirem a ansiedade porque, como repetiam, a ansiedade mata.

 

Em Londres os hoteis estão abarrotados de gente que foi de diversos cantos da terra de Sua Majestade para testemunhar aquilo que é apelidado, por aqui, de meteorito sagrado, eles também querem ser fustigados, querem ver de perto esse mito vivo. A Polícia e o exército e a Polícia secreta, foram mobilizados para controlar a situação, e já fazem isso há um mês, mas nesta noite que antecede ao espectáculo, a vigilância redobra-se, em todas as ruas há agentes da autoridade trabalhando discretamente, também notam-se agentes da cavalaria movendo ora a passo, ora a trote, os seus pujantes cavalos, sem entretanto incomodarem as pessoas. À volta do estádio há várias lareiras com labaredas vivas, circundadas por jovens que cantam e dançam e bebem e comem carne assada em espetos, à espera que amanheça e concrectizem o sonho anunciado, e nesta alegria inefável, há um jovem que manda calar à todos para recordar o velho ditado, não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas esse raciocínio dos sábios não é relevante neste momento, dizia outro, para nós já amanheceu desde que estamos aqui. E a festa de antecâmara continua com muito sangue jovem, que ferve nas veias. Com verve.

 

É primavera, e as folhas caiem e espalham-se nas ruas e nas avenidas, folhas estas que não podem ir ao estádio ver  o Timbila ta Mhono, porque dali, do chão, serão retriradas para o lixo, ou para servirem de adubo, o Big Ben aumenta a ansiedade dos corações em cada badalada, que ecoa para toda a cidade e soa directamente para os microfones de todas as estações de rádio ingleses, que não páram de anunciar o grande show.

 

Já amanheceu, os portões estão abertos, e as pessoas começam a entrar mesmo sabendo que ainda faltam muitas horas para iniciar o grande espectáculo que será sem dúvida, memorável, porque esta orquestra que vem de Moçambique, foi criada para estar permanentemente no cume, e aquilo que está no cume, a sua vocação é manter a luz acesa para todos os que estão no sopé. E perante Timbila ta Mhono todos sentem-se no sopé. E precisam dessa luz africana personificada em Mathxinguiribwa. Para iluminar a alma.

  •  Excerto do romance de Alexandre Chaúque, a ser lançado no próximo dia 16 de Outubro em Maputo