O dia 05 de Outubro de 2017 marca o início da insurgência terrorista no norte de Cabo Delgado e Mocímboa da Praia, o ponto de partida dos ataques, lembra-me o sismo (7.5 na escala de Richer) que abalou a Pérola do Índico, em particular as regiões centro (local do epicentro) e sul no ano de 2006. A lembrança, na verdade a semelhança, está no espanto. O espanto em ter ficado a saber da vulnerabilidade de Moçambique para acolher tal fenómeno e do facto de Mocímboa da Praia ser afinal uma região estratégica cujo porto é “um dos mais estratégicos” do país e quiçá da costa oriental da África subsahariana. Até 2006 não era notícia (ou de domínio público) que o sismo fosse um fenómeno que estivesse sorrateiramente alojado entre nós e, por estes tempos, que um outro tipo de sismo – o terrorista – tivesse que eclodir para vir à superfície a dimensão estratégia (económica e de segurança) de Mocímboa da Praia.
Levei o assunto à mesa do papo, entre amigos, neste final de semana a propósito da passagem dos três anos de insurgência terrorista. O grosso da opinião apontava como responsável desta ignorância geográfica a existência de problemas de comunicação do executivo ou mesmo a falta dela sobre assuntos basilares do país. Aliás, a falta de uma estratégia de comunicação governamental é um défice que o Jornalista Tomás Viera Mário tem repetidamente apontado nas suas intervenções públicas. No entanto, voltando ao debate, uma outra opinião foi a de que a falta de comunicação ou de informação de assuntos como a vulnerabilidade do país à ocorrência de sismos ou sobre a dimensão estratégica de Mocímboa da Praia, para citar como exemplos, não é o problema. Para esta corrente o problema é de base e é educacional (escolar e cívica). Mais adiante, o consenso de que a combinação do tal défice educacional com o de comunicação governamental constitui um potencial atentado à segurança do Estado. Porventura seja por aqui uma das trincheiras de combate.
Uma outra lembrança de semelhança são as fugas da população. No sismo de 2006, ocorrido à noite, assistimos, na cidade de Maputo por exemplo, ao corre-corre súbito dos munícipes, sobretudo o dos residentes em prédios altos. Em Mocímboa da Praia o corre-corre diário da respectiva população, deixando para trás os habituais locais de residência. Desta semelhança, um detalhe: no sismo de 2006, o grosso dos “deslocados/desalojados” dos prédios da cidade de Maputo trajava camisetes (feitos pijamas) de seminários/workshops com dizeres/palavras de ordem sobre o combate a pobreza ou de promoção do desenvolvimento. E do grosso dos deslocados/desalojados de Mocímboa da Praia, a imagem de uma Nação que (de facto) dorme com os problemas do povo.
Infelizmente as semelhanças não se estendem ao regresso à casa. No sismo de 2006, os “deslocados/desalojados” regressaram aos seus apartamentos depois de algumas horas. Para os deslocados/desalojados da Mocímboa da Praia, a noite ainda vai longa e por enquanto e de Agostinho Neto (1922-1979), poeta e 1º presidente de Angola independente, a esperança do sonho “Havemos de voltar”: “ (À Mocímboa) Havemos de Voltar/ Às casas, às nossas lavras/às praias, aos campos/havemos de voltar”. E mais adiante: “Aos nossos rios, nossos lagos/às montanhas, às florestas/havemos de voltar”. Que assim seja e o mais breve possível.
ENTÃO, o guarda do prédio (testemunha) que assistiu a tentativa de assassinato disse que o camarada Vuma gritou, antes de ser baleado, por duas vezes: 'Salimo, o que eu te fiz?', 'Salimo, o que eu te fiz?'.
COM ISSO, um cidadão (suspeito), coincidentemente, de nome Salimo, foi detido dias depois em conexão com o caso.
ENTRETANTO, quase três meses depois, o camarada Vuma (vítima) diz que não se lembra de ter proferido tal frase nem tal nome naquele dia.
MAS, então, com que base é que a Polícia prendeu aquele Salimo, com tantos Salimos que existem no mundo, em África, na África Austral e em Maputo?! O que motivou a Polícia a deter exactamente aquele Salimo?! Porquê ele?! Qual foi a base?! Era o único Salimo que estava a passar por ali naquele momento?! O gajo estava a rir quando o camarada Vuma foi baleado e quando o interpelaram descobriram que, por mera coincidência, se chamava Salimo também?! Tinha indícios de alegria no rosto?! Encontraram algum objeto dele no local?! É um Salimo procurado pela Polícia?! A testemunha (o guarda do prédio) confirmou que foi ele, depois duma acariação?! É um Salimo que tem desavenças com a vítima?! São rivais?! São adversários em algum negócio?! Foi simples azar?! Com tantos Salimos neste país, até famosos, por que é que foram buscar exactamente aquele Salimo?! Muito intrigante.
Só resta saber, se, de alguma forma, o camarada Vuma conhece o senhor Salimo, o suspeito. Ou, então, se ele sabe que foi baleado ou se pensa que tropeçou nas escadas. Ou seja, se o que ele sabe se lembra ou foi contado.
- Co'licença!
A ilha dos espíritos celebrou o 202º aniversário. Clausurada, sem alaridos e nem hosanas. Uma comemoração, quase, esquecida e melancólica, com silêncios ensurdecedores, sem espaços e recantos engalanados. O maior convidado foi, apenas, o tempo. Esse tempo infinito que contempla, estarrecido, noites e luares misteriosos, auroras endiabradas, crepúsculos de mil cores e, os ventos que acenam mudanças políticas e climáticas.
Faltou tufo e fraternidade insular. Até o sol, enfraquecido, foi insuficiente para recriar o cruzamento milenar de sabores e sons. A torre de São Miguel não parecia, nem de longe e muito menos de perto, o espaço de maior dimensão multicultural da costa moçambicana. Na ausência de festividades, até os toques culinários do sirissiri e do lumino, viraram insossos. Nesta celebração carente, faltaram, curioso, até os políticos e suas ocas veleidades. Dois anos antes, eles quase afundaram a ilha porque era conveniente comemorar.
Imaginei como seria o diálogo, por estes dias, com a Dona Lili. O que será que ela diria sobre esta efeméride e sobre a ilha de Moçambique? Falaríamos sobre a terra de Moisés, filho de Mbiki, ou Mussa Bin Bique, tantos outros assuntos curriculares e marginais, que dão alento a alma e ao espírito Nharsa. A dona Lili, do clã Tivane, faz parte de um grupo de escritoras de cartas. Um grupo que já foi expressivo. Agora agoniza. Os escritores de cartas têm a mesma origem, amor pelo próximo. Começam como um hobby e, depois, ganham gosto. É o analfabetismo das maiorias que valoriza o conhecimento, as habilidades dos dedos e da tinta.
Escritores de cartas, salvo raras excepções, são confidentes muito especiais e de extrema confiança. Pessoas que escutam com ouvidos de padres e espírito confessionário. Depois de discutidos os contextos e passadas as confissões, estas jamais são reveladas para quem quer que seja. Espécie de cofre-forte. Estes escritores, preferencialmente, mulheres, transcrevem para o papel centenas de segredos, as novidades familiares, rabiscam as alegrias e os nascimentos dos novos membros, descrevem, enfim, as novas cabeças do rebanho que engrandecem as fortunas, falam das colheitas, pragas e enfermidades. Mas, estas cartas suavizam, também, as tristezas da dor e do luto dos vizinhos e membros da aldeia.
As cartas não representavam, apenas, uma ligação mecânica entre quem quer transmitir episódios e factos, pois, transportam e estabelecem uma relação de fraternidade confidencial entre os correspondidos e seus entes distanciados. Dona Lili, minha escritora favorita de cartas, lá das bandas de Chicumbane, desde o longínquo Maio de 1933, escreveu milhares de cartas. Perdeu a conta e as memórias. Não sabe qual delas foi a melhor ou a menos inconveniente. Até para os desterrados na Ilha escreveu. Por isso, eu queria mesmo saber que carta ela escreveria, por esta ocasião dos 202 anos.
Imagino a Dona Lili escondida no argumento de que os primeiros correios de Moçambique foram estabelecidos na ilha, em 1811, depois do Sultão de Zanzibar ter perdido o controlo sobre o local. Não poderia ser diferente, pois, esta foi a primeira grande cidade moçambicana. Para a ilha e da ilha, esse histórico espaço de confluências culturais, deu aso a centenas de milhares de cartas. Umas para destinos mais próximos, outras, para lá das linhas do horizonte. Então, a Ilha deveria ser, igualmente, um local favorito e predilecto para escritores de cartas, metrópoles e ultramares.
Acredito que dona Lili começaria por felicitar a resiliência desse povo e dessa porção de terra que resiste às ondas mais severas e aos ventos mais devastadores. Os ilhéus precisam de se manter distanciados de qualquer conflito e viver a paz que Deus lhes proporciona. Depois, ela desejaria que mulher nenhuma passasse pelos horrores da guerra e da insurgência. Nenhum filho deveria tirar a vida de nenhuma mãe.
Os motivos para contar episódios e facetas insulares, não devem escassear. Vão desde as cartas que abordam política, tortura e desterro, velas de barcos que se furaram pela força dos ventos, peixes assustadores que afundaram embarcações. As mais dolorosas seriam as que descrevem o sofrimento de pescadores que se fizeram ao mar, e jamais regressaram da faina. Suas almas ficavam, eternamente, nas ondas verdes desse mar que nutre sonhos e canções.
Dona Lili cresceu no meio de livros. Seus pais eram ávidos leitores e tinham, sempre, um pedaço de papel em suas mãos, comentando um com o outro, o que haviam lido, ou estavam prontos para ler para os seus filhos. Conta que, lá pelas bandas de Banhane, muitas das mulheres, cujos maridos trabalhavam no Rand, não sabiam ler e escrever. As notícias dos seus maridos só chegavam por carta. Foi assim que começou a escrever para ajudar e nunca mais parou.
A paixão pela leitura tornou a Dona Lili, não apenas numa leitora voraz, mas, também, numa activista pela causa. Celebra quando vê pessoas lendo livros, não importam os espaços, e estranha a ausência de bibliotecas públicas, em boa parte das instituições de ensino e outras. Se surpreende quando pessoas, até influentes, afirmam, com certo orgulho, não se lembrar da última vez que leram um livro, por mais pequeno que este seja.
Hoje, em meio à pandemia, os escritores de cartas quase ficaram privados do exercício da sua profissão favorita. Na realidade, a chegada dos celulares e dos meios de comunicação massiva, quase silenciou esta actividade. Ainda assim, Dona Lili escreve cartas. Tem um conjunto de clientes fiéis e devotos. Confiam mais nas suas cartas do que em qualquer outro meio à disposição.
Equivocado pensar que a modernidade os derrotou. Continuam activos e presentes. Diferentes da ilha e dos seus aniversários públicos esquecidos. Os escritores de cartas sobrevivem indiferentes ao COVID e a todas as pandemias. Nosso monólogo terminou com as acusações a modernidade. Sofremos com os desacertos e a intranquilidade.
Eu quis terminar este momento, resumindo o livro “Amada” da premiada escritora Toni Morrison, onde a escrava fugitiva Sethe, mata a sua filha, para que ela não sofra, na vida, e nem tenha a mesma sorte que a sua mãe, esquecida nas celebrações. Privada de liberdade e paz. Esta paz que tarda acontecer e, também, nos faz reféns do prazer de ler e desfrutar de cada canto deste vasto país. (X)
Pertencer a um partido político da oposição em quando se é funcionário público, na República de Moçambique, é o mesmo que assinar um tratado oficial de traição. Principalmente, quando se é residente naqueles distritos onde as vias de acesso são difíceis e problemáticas. Onde a consciência política ainda é primitiva e o pensar diferente é motivo para tornar qualquer cidadão em búfalo ou elefante fora da reserva.
Embora não seja apenas nos distritos onde existem os peregrinos da Pátria (aqueles que pensam que podem mudar Moçambique estando doutro lado da bandeira e das convicções políticas, sociais e culturais). Os Peregrinos da Pátria muitos deles vivem em constante medo e na linha do tiro. Mas eles nunca desistem, porque sabem o que querem, pretendem e defendem.
É como Vasco Choe; um brilhante professor que já corre nisso há 14 anos. Um corajoso que mesmo sabendo que a sua vida corre perigo entende que a pátria precisa de bons peregrinos. Choe já convive com os lobos há anos. Mesmo quando é dado ordens de transferência para os confins de Chinde, consegue andar em prontidão combativa.
A situação que vive Vasco Choe é mais uma das várias que acontecem todos os dias em Moçambique, na África e no Mundo. Onde as pessoas são perseguidas e aniquiladas. A diferença é que Choe é um peregrino patriota, disposto a ir até às últimas consequências, defendendo suas convicções, mas de uma forma ética.
É comum ver jovens que perdem a vida porque decidiram ser heróis das suas comunidades. Que perdem emprego porque acreditam que podem fazer melhor de quem detém o poder actualmente. As nossas diferenças nos tornam eternos Peregrinos da Pátria. Foi assim com Jesus Cristo, Martin Luter King Jr, Abraham Lincoln, Patrice Lumumba, Nelson Mandela, Steve Biko, Filipe Samuel Magaia, Urias Simango, Joana Simeão, Mahamudo Amurane, Ibraimo Mbaruco, a senhora baleada em Cabo Delgado e tantos outros.
As figuras acima mencionadas viviam como Vasco Choe; vítima das raízes e embondeiros da intolerância política, social e cultural. As nossas sociedades neocolonizaram-se e precisam de novos lutadores pela liberdade completa e rejuvenescida.
O Peregrino da Pátria, Vasco Choe, é um dos vários cidadãos que sofre a ira da ditadura não institucionalizada. Um cidadão que é barrado ao direito à palavra nas visitas presidenciais, num intuito de não revelar a podridão que assola as estruturas governamentais naquele distrito insolar. Em 2019, durante o período eleitoral, Choe candidatou-se a deputado através de uma lista de um partido da oposição, todavia não conseguiu um lugar na dita "escolinha do barulho".
Entretanto, na campanha eleitoral, o Peregrino da Pátria, Vasco Choe, conseguiu mobilizar outros Peregrinos da Pátria com influência política, económica e social a nível do distrito; tudo isso acabou lhe custando uma transferência para um povoado longínquo onde terá trabalhado nos seus primeiros cinco anos de professorado.
A decisão de transferência visava aniquilá-lo profissional e fisicamente, tudo por ser mais um Peregrino da Pátria – eterno lutador pela justiça social, igualdade, desenvolvimento e amante da verdade. No entanto, Choe conseguiu contornar a as espinhosas políticas, ficando atento para os próximos episódios da novela.
Texto inspirado em um facto real. O personagem citado no texto vive, actualmente, o cenário relatado.
Quem já leu a obra 'O Crime do Padre Amaro', de Eça de Queiroz? Eça de Queiroz conta a história do romance proibido entre o jovem padre Amaro, recém-chegado à cidade de Leiria, e a menina Amélia, a filha da dona da pensão onde o jovem sacerdote se hospedara. Uma paixão pecaminosa que resulta numa gravidez indesejada que acabou por matar a jovem donzela. Após a morte da Amélia, Amaro continuou padre noutra paróquia abençoando e perdoando sacrilégios alheios.
Nesse clássico literário, Eça retrata a hipocrisia e a corrupção moral e ética do clero da santa igreja e da burguesia daquela época. 'O Crime do Padre Amaro' é uma obra oportuna quanto actual, tanto é que ainda inspira. No caso concreto, o 'Apóstolo' Adelino vem fornicando as reservas da aposentadoria dos moçambicanos, numa relação amorosa e apaixonada religiosamente deverás condenável. Hoje, já viciado, chegou ao ponto de solicitar a compra de um bilhete de voo para a sua mulher para ir passear na baía de Pemba. Aliás, não era para o I-Ene-Esse-Esse comprar o bilhete apenas, era, também, para tratar de todas as demarches de reservas e marcações dos vôos como a sua querida madame merece.
Nem era falta de dinheiro. Era arrogância mesmo. A ideia do 'Apóstolo' Adelino era mostrar a sua apaixonada esposa - como sempre o fez, acredito - que ele sabe f*der o dinheiro dos suados e por demais coitados cidadãos. Era para mostrar que ele não brinca em serviço: em casa assim como no trabalho, no quarto assim como no gabinete, na cama assim como na secretária, com bilau assim como com carimbo da instituição. Mostrar que ele manda. Mostrar que, quando ele está em cima, as pessoas gemem e obedecem.
O 'Santo' Adelino pertence a uma burguesia moral e eticamente chula. Uma élite com verminose parasitária. Um conluio de sanguessugas. Um protótipo de insurgentes civilizados e urbanos. Um feitio de Nhongos engravatados e perfumados. Uns gatunos armados em bonacheirões.
Como é que um empresário do calibre do Adelino 'Book' (que mereceu confiança dos seus pares para os representar numa instituição séria) não consegue comprar um bilhete à Pemba para a sua amada esposa?! Ademais, depois de recusada a sua pretensão, como é que conseguiu o bilhete?! Não era mais fácil pedir emprestado aos seus colegas empresários?! Lá no partido não há quem o pudesse emprestar?!
O que mais irrita é que o Adelino ainda insiste em querer nos convencer que ele continua santo e imaculado, e que tudo não passa de uma tramóia da sociedade civil. Insiste em querer nos convencer que ele é o discípulo de Jesus Cristo que, por mera inveja mundana, foi afastado dos salmos da Bíblia Sagrada. E, pior, há quem acredita na sua pureza. Por isso, o crime do 'Apóstolo' Adelino vai continuar órfão. Desta vez, foi um coito interrompido, mas não é o fim deste infame estupro coletivo. Esta farra é antiga com provas bastantes... e vai continuar. Nem sei por que é que não nos deixam gerirmos sozinhos as nossas pensões! Não sei que lógica é essa de colocar o patrão a gerir o dinheiro de reforma dos seus empregados!
Quem se importa? Ninguém. Não me espanta que, tal como Amaro, o todo santo e imaculado Adelino siga incólume na pseudo-gestão do dinheiro dos seus humildes compatriotas e contemporâneos. Não me surpreende que os contribuintes morram estuprados e o Adelino continue firme nos seus degraus rumo à presidência do cofre. Se a falsidade fosse líquida, o Adelino 'Livro' morria asfixiado no seu próprio suor. Se ao menos houvesse Prémio Nobel da Cara-de-pau!
- Co'licença!