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quarta-feira, 20 fevereiro 2019 07:02

Advogados fosfóricos

Corvo onde não é conhecido chamam-lhe pato. Pois é, pessoal. Uma coisa é você ser um grande lambe-bota, daqueles reconhecidos na praça, com língua flexível e peluda, que faz o seu trabalho como ninguém, e outra, bem diferente, é você ser chamado a exercer aquela profissão que você tem diploma. Ou seja, uma coisa é você atrapalhar a opinião pública, fazendo-se passar por grande sábio, e outra é você ter que trabalhar mesmo, mostrar o que você aprendeu na escola e na vida. Uma coisa é você andar a cantar por aí que é advogado e outra, bem diferente, é você mostrar com A+Bê que você é advogado de verdade. 


Não é fácil. Enquanto o mundo está roer unhas para saber até onde o seu cliente está metido neste crime financeiro que deixou o país de tanga, você aparece a falar de um pudim contaminado com pesticidas orgânicos fosfóricos que a família dele, por sorte, não comeu. As pessoas querem saber como o seu cliente recebeu as "galinhas" e você fala da irmã dele que foi assassinada pelo marido. O público quer saber onde está o dinheiro que seu cliente roubou e você traz uma conversinha de esconde-esconde que se joga lá no partido que até bem pouco tempo o pai dele era chefe. Isso é burrice ou é mesmo a arte da atrapalhação?


Mas também, em abono da verdade, não se sabe se esses advogados têm mesmo experiência em crimes financeiros. É que malta Krause estavam à altura da coisa. Agora endossar um amigo que trabalha apenas com processos de fofoca, de divórcio, de compra e venda de "Honda-Civic" e de dependências tipo-um na Malhangalene pode não ajudar muito. 


Mas, prontos, seja como for, o que me deixa feliz, neste momento, é aquele gatuno diabético, que alugou uma casa ali na fronteira, mas que não pode viver nela porque está quase a embarcar. Isso é confortante. Esses advogados fosfóricos já não me atrapalham mais. Seriam tristes, se não fossem cómicos. 


- Co'licença!

Na literatura sobre o que chamamos de “democracia” há um (antigo e divergente) debate sobre o que este termo representa, sobretudo, num momento em que nota-se algum descrédito sobre a “política formal”, que era vista até antes da eclosão de “novas” formas de participação política galvanizadas pelas redes sociais da Internet, em coexistência com a exercida por instituições como partidos políticos e sindicatos, sendo que a face mais marcante revela-se pelos baixos níveis de participação em eleições e consequente elevar das abstenções (Dahlgren, 2009; Van Reybrouck, 2016). Igualmente, regista-se falta de consenso sobre que critérios usar para classificar se um determinado país é ou não democrático. Como forma de minimizar este facto, surgiram termos classificatórios como “democracias eleitorais” – que designa todos os países que, a partir da realização de eleições regulares, julgam-se na qualidade de outorgar-se o nome de “democráticos” (Hermet, 1997).

 

No entanto, sem alongar-me num “bula-bula” meramente teórico-conceptual, quero aqui partilhar por que razões penso ser problemática, mas, ao mesmo tempo, oportuna a última intervenção da CNE.

 

Como nota de rodapé, cabe dizer que um dos maiores empecilhos sobre a gestão e administração das eleições no mundo prende-se justamente com a logística e transparência das contas. Aliás, num passado recente a França viveu um escândalo que envolvia o então Presidente da República, Nicolas Sarkozy, que fora acusado de ter recebido dinheiro ilícito por parte do Governo Líbio para sustentar a sua campanha eleitoral em 2007. Nos Estados Unidos, país tido como exemplo de “democracia e transparência”, o debate não foi diferente sobre as eleições de 2016 que elegeram Donald Trump como Presidente. Ainda ontem (17) lia uma nota que dava conta da investigação das finanças usadas durante as eleições de 2018 no Brasil.

 

Registamos, igualmente, que um pouco por vários países de África a questão das finanças em eleições é recorrentemente colocada, sendo que Moçambique não seria excepção (Gazibo e Thiriot, 2009; IDEA, 2014). Note-se, ainda, que a forma como os nossos partidos financiam as suas campanhas em tempo de eleições revela-se problemática, dado que existe um total “deixa andar” sobre a fonte dos recursos, o que pode revelar uma total desigualdade de concorrência quando existem aqueles que possuem maior musculatura financeira que os outros, sobretudo, quando recorre-se ao ‘‘political settlement’’(Weimer, B. et al, 2012) como forma de sobrevivência, o que, em última instância, abre espaço para recorrência a formas pouco claras de financiamento. Recordo que no climax das eleições gerais de 2014, o Jornal Savana escrevera no seu editorial o seguinte: “(...) a profusão de oferendas, a pretexto de caridade e militância, decorre da percepção dos doadores de que uma oferta a um partido e seu candidato com potencial de vencer as eleições é meio caminho andado para um futuro menos espinhoso em termos de acesso a negócios’’.

 

Não há concordância do ponto de vista teórico sobre qual seria o melhor modelo para o financiamento em eleições, mas penso ser urgente que se comece a discutir estas questões com mais acuidade e com estudos aprofundados para dar-nos melhor interpretação sobre os bastidores do financiamento dos partidos políticos em Moçambique, mesmo reconhecendo que, entre as eleições autárquicas e gerais, existam modalidades diferentes, onde numa exige-se o auto-financiamento e noutro existe co-participação do Estado para a realização da campanha eleitoral.

 

Voltando ao título que faz jus para esse comentário, levanto a questão da transparência por dois elementos interligados entre si:

 

O primeiro elemento é facto de não haver clareza entre o que foi dito em Setembro do ano passado em sede do Conselho de Ministros e o que viria a ser alterado pelas declarações do Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, em Novembro do mesmo ano. Sucede que no dia 11 de Setembro de 2018, o porta-voz da 29ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, Augusto Fernando, disse à imprensa que as eleições gerais de 2019 estavam orçadas em 6.6 biliões de meticais, dos quais foram avalizados 6.5 biliões de meticais que constam do Orçamento do Estado. Porém, como veio a ser confirmado pelo porta-voz da CNE, Paulo Cuinica, os números não seguramente esses, tendo praticamente multiplicado por dois o valor inicialmente divulgado. Penso, salvo melhor explicação, que torna-se urgente e oportuna a clarificação das contas sobre o processo financeiro que vai conduzir as eleições do presente ano, pois ficou-se com a impressão de se ter inscrito um valor no Orçamento, sem a devida explicação que para além daquele haveria necessidade de um acréscimo a ser mobilizado em outras fontes de financiamento. Aliás, num momento em que somos vistos como leprosos no recebimento de empréstimos e/ou apoios pela ‘’mão externa’’, seria oportuno a lisura do processo em torno das sextas eleições gerais no país.

 

Segundo, penso que essa é uma oportunidade para não só sabermos que a CNE está sem verbas suficientes para as eleições, mas igualmente para, de uma vez por todas, conhecermos as contas daquela entidade (desde as primeiras eleições). Sucede, pois, que passados mais de 20 anos após as ‘’eleições fundadoras’’ em Moçambique (1994), nada sabemos ao detalhe sobre as contas daquela que é a principal entidade da gestão e administração de eleições em Moçambique. A revelação dos gastos em forma de relatórios para consulta pública por parte da CNE, não só seria um acto que promoveria a transparência e monitoria eleitorais, mas também daria exemplo para os partidos políticos que, até que se prove o contrário, a justificação ou demostração dos gastos em momentos eleitorais por estes realizados se não é deficitária é mesmo inexistente.

 

Referências

 

 

Dahlgren, P. (2009) Media and Political engagement. Citizens. Communication and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press.

 

Falguera, E. et al. (2014). Funding of Political Parties and Election Campaigns: A Handbook on Political Finance. IDEA.

 

Gazibo, M., e Thiriot, C. (2009). Le politique en Afrique. État des débats et pistes de recherche. Karthala. Paris.

 

Hermet, G. (1997). De la démocratie électorale à la démocratie sociale. Paris: Flammarion (programme ReLIRE).

 

Jornal Observador (08 de Novembro 2018). Eleições gerais do próximo ano em Moçambique vão custar 214 milhões de euros.

 

Jornal Observador (11 de Setembro 2018). Eleições gerais de 2019 em Moçambique estão orçadas em 92 milhões de euros.

 

Jornal SAVANA (2014). Editorial – Urgente regulação do financiamento eleitoral.

 

Van Reybrouck, D. (2016). Against elections. Bodley Head. London.

 

Weimer, B., Macuane, J., & Buur, L. (2012). A Economia do Political Settlement em Moçambique: Contexto e Implicações da Descentralização. In B. Weimer (Ed.), Mocambique: Descentralizar o Centralismo: Economia politica, Recursos E Resultados (pp. 31-75). Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).

segunda-feira, 18 fevereiro 2019 09:04

Bebida de posse

Os ritos políticos e legais cumprem diversas funções. De instituição, investidura, inscrição e/ou legitimação, além das funções lúdicas e simbólicas que também concorrem para a reificação, no imaginário social, do “teatro político” que dá materialidade às instituições e à praxe que lhes é inerente.


O processo de reificação das funções é fundamentalmente instruído de forma espetaculosa, vistosa e, no nosso caso, com um misto de dramas, exorcismo de ressentimentos interpessoais, de grupos e partidos exacerbados por uma cultura política de colação entre as regras e valores formalizados, temperados com altas doses de “pessoalização” de tais actos políticos e legais. Em peculiares mesclas do público com o privado, indivíduos imprimem estilos próprios nas formas de (des)fazer política. Familiares e amigos à reboque!


A habitual procissão à praça dos heróis “faz a tradição” de confirmação e reprodução de versões de discursos hegemónicos que contribuem para a perpetuação de narrativas históricas e políticas sobre nós (como moçambicanos) e sobre o nosso Estado. As idas e faltas, as falas e calas são também parte desse ventriloquismo de petrificação instrumental de referências e estabelecimentos de vínculos, ativos, entre passado e presente. O aprumo e solenidade com que as nossas “estruturas” comparecem, se mostram ou se esgueiram no cerimonial cumprem os requisitos da prontidão para rituais cuja razão e função é ativar, por meio da solenidade, códigos de legitimação e de perpetuação do lugar dos nossos mitos fundadores, emprestando, à “pátria”, lugares cativos de memória, pretendida linear, colectiva, partilhada e que endure o teste do tempo. Digo mito, no sentido ético do termo e não como meras elucubrações fantasiosas desprovidas de realidade. 


A (in)feliz expressão, ”exaltar a pátria” proferida pelo ex-presidente AEG não estava, de todo descontextualizada. O agora emblemático e simultaneamente anedótico “exaltemos a pátria”, foi vincado na hora e lugar certos, salvo pelo facto de a predisposição dos ouvintes não mais estar em sincronia. Porque as “placas tectónicas sociais” são altamente voláteis, suscetíveis a mudanças de vontades e humores, vários cidadãos reservaram-se o direito de não mais impressionarem-se com os recitais com os quais se pintava e foi pintado, por destacamentos da “guarda pretoriana”, “o filho mais querido da nação”. Se calhar, dadas as circunstâncias, o inverso também possa ser verdadeiro. A esta altura do campeonato, muitos dos que vestiam o manto de “maravilhoso”, como povo, não devem passar de simples e incómodos “apóstolos da desgraça” ou, parafraseando o bem humorado aviador, não passam de ingratos campónios que mereciam boas ferroadas de mosquitos. Onde se viu questionar a ousadia de um “heróico combatente” que nada mais faz senão exaltar a sua pátria!? ”Se a tua pátria for esta, exalta aí e não me azucrina a paciência”! Infere-se da verborreia do “messias da prosperidade”.


Tornar instituições credíveis e perenes é mesmo obra. Vocalizar biografias de heróis e candidatos a isso, como narrativas coerentes, relativamente consistentes ao longo do tempo, demanda passar a verdadeiras provas de fogo (reais ou caricaturadas). De momento, salvo por reviravoltas que deixem meio mundo pasmo, o lago não está para patos e, com este andar, sobre os descaminhos que levaram à "hipoteca da soberania”, capaz um "indivíduo herói" tornar-se inelegível à um apartamento no condomínio da constelação de estrelas e não tomar posse no panteão dos heróis, o que não seria de todo novidade. As narrativas sobre a génese da nossa história heroica é repleta de anti-heróis, reacionários e contra-revolucionários que amargaram o fel da ostracização e das contra narrativas, exibidos como antíteses para a caracterização e distinção entre os “militantes glorificados” e os que carregam o rótulo de “indesejáveis traidores”. Incomoda-me pensar que, um “herói” que se fez na luta armada pela libertação do país possa ter-se desfeito na sua “cruzada contra a pobreza”. Um herói que “não teve medo de ficar rico” (e nem era para ter) e que sempre apregoou um discurso, quase teológico, da prosperidade, consciente ou inconscientemente, se encontre mergulhado em águas turvas. Mas temos “momentum”! Que venha a tempestade e a chuva regeneradora para lavar a alma de “heróis” feitos reacionários e vice-versa. Temos oportunidade única de, a seu tempo, revisitado o divisor de águas, expandir ou contrair a lista de espíritos e fantasmas a invocar quando rememoramos nossos mitos fundadores.


Mas falava de “tomada de posse” antes de, intencionalmente, distrair-me com especificidades sobre heróis e anti-heróis. Atendo-me à vaca fria, os 53 edis eleitos e/ou confirmados pelo Conselho Constitucional também tomaram posse. O espectro dos ritos de posse não poderia ter sido mais claro e mimeticamente reproduzido autarquia municipal a dentro. Na cidade de Maputo assistiu-se ao regresso do esconjurado edil EC, 10 anos depois, como se tivesse atravessado o túnel do tempo, e regressasse de uma longa viagem para clamar seu trono, de certo modo usurpado pelas divergências de forças internas. Qual fénix ressurgindo das cinzas! 


Na Matola, a tomada de posse evidenciou a natureza subtil de conluios, cumplicidades e traições com que se articulam os corredores do campo político. Entre choradeiras e visões de ataques epiléticos no acto de deposição de votos, o partidão “açambarcou” votos de onde menos se esperava e assumiu a presidência da assembleia. O tráfico de lealdades partidárias é, pois, um expediente político acionável, se quisermos conter-nos nos interstícios da ética e das regras de jogo, sem insinuações de “conversas por debaixo de tapetes”. Como reza o adágio, “camarão que dorme... a onda leva”!


A decisão do Tribunal Administrativo (mais escolha que decisão ponderada) de “confiscar” o mandato de MA em Quelimane, serviu apenas para facilitar a montagem do cenário para um regresso apoteótico do “edil ciclista”. O troco não se fez esperar. A meio de uma multidão extasiada, alguém foi declarado “persona non grata” em Quelimane. Não que isso tenha algum efeito legalmente vinculativo, mas empresta o estigma com potencial de ser corroborado pela “multidão” que apoiou MA, podendo ser capitalizado, politicamente, a médio e longo termo. Resiliente e exagerado este MA.


No geral, todos os edis que tomaram posse fizeram seus juramentos de guiar-se pelos motivos de campanha e até abraçar aos que não teriam votado neles. É de praxe. Passemos então à conversão das intenções em práticas, num cenário em que, à partida, deverão todos debater-se com “cofres vazios” e “dívidas astronómicas”. Se não forem problemas de “cofres” será, certamente, a pesada “herança de lixo que precisa ser removido”. O reiterado compromisso dos edis, expresso em estilos próprios, alude à necessidade de vencerem a batalha salubridade. Para uns, todo o lixo sai em 48 horas. Para outros, barbas não serão aparadas enquanto a cidade não vira jardim. Mais do que juras de higiene, questões estruturais, relativas aos alcances e limites do processo de descentralização de competências para as autarquias municipais (e provinciais, à caminho) precisam ser resolvidas, no interesse de viabilizar as autarquias como espaços de exercício de poder e de governação local, muito para além de funcionarem como reservatórios de lealdades e fronteiras de controle ou monitoramento político partidário. 


Quem também tomou posse, de aposentos privativos especialmente reabilitados, foram alguns dos nossos concidadãos vanguardistas em iniciativas de protecção da soberania e que tem a oportunidade de nos elucidar sobre os meandros das chamadas "engenharias financeiras". Não fiquei muito convencido com a declaração do Ministro das Finanças, na altura, quando dizia que era bom ter dívidas porque só com dívidas saberiam que o país existe e não seriamos esquecidos. Com estas movimentações da PGR, começo a acreditar que todo este imbróglio do endividamento começa a gerar resultados, com particular destaque na sua contribuição para a melhoria das condições do sistema prisional. Tomara que os “primos ricos” sejam solidários com os colegas encarcerados nas mais desumanas condições, país a dentro. 


Se, por um lado, persiste o ceticismo quanto aos movimentos da PGR, ocorre-me também que, por vezes, realidades sociais se firmam a partir de gestos e atitudes aparentemente banais que podem ganhar contornos mais sérios e perenes. Os ritos de instituição também operam assim. Alguns pegam e outros não. A título de exemplo, vale lembrar a fachada da indumentária de “chiguiane” que se quis impor, como melhor expressão de rigor e aprumo dos funcionários públicos ante visitas de “divindades” de “nível superior ou central". A sincronização de cores e modelitos seria a máxima expressão de reverência e melhor indicador do “nível organizacional” e funcional das instituições (sem falar das “boladas” das capulanas). Ainda bem que a ritualização “chiguianica” das cerimónias públicas não vingou. Mas, em nota sóbria, nada impede que o simulacro de aproximação entre a justiça e os indiciados do caso da fábula dos peixes e armas se torne realidade. A simular e/ou a brincar realidades se inscrevem e ficam assentes. 


A expectativa pela regeneração das instituições é grande e deve ir além de encenações para “recuperação de credibilidades”, através de gestos de exibição simbólica de bodes expiatórios. O movimento em curso, premeditado ou não, deve ser o prenúncio de processos de catarse que se espera que sejam tão serenos quão profundos e abrangentes.


Um brinde aos edis empossados e... exaltemos os inquilinos da nova indústria de hotelaria e turismo penitenciário.

segunda-feira, 18 fevereiro 2019 06:20

Um "Indivíduo" inexaltável

Ahhh, porque vou combater o espírito de deixa-andar. 
Ahhh, porque vou acabar com o cabritismo. 
Ahhh, porque vou erradicar a pobreza absoluta. 
Ahhh, porque vou eliminar o espírito de mão estendida. 
Ahhh, porque a pobreza está nas nossas cabeças. 
Ahhh, porque vou desenvolver o país com jatrofa. 
Ahhh, porque vou melhorar a vida dos moçambicanos com revolução verde. 
Ahhh, porque um aluno uma planta, um líder uma floresta é bom. 
Ahhh, porque com Ematum vamos comer e vender muito peixe de primeira. 
Ahhh, porque com a Proindicus vamos defender a nossa costa.
Ahhh, porque o carro "Madjedje" vai catapultar a nossa indústria automóvel. 
Ahhh, porque o aeroporto de Nacala vai trazer eficiência no tráfego aéreo internacional.
Ahhh, porque com carvão vamos fazer isto, com gás aquilo e com petróleo aquiloutro. 


Ahhh, porque quem não gosta da minha governação é apóstolo da desgraça. 
Ahhh, porque manifestação é coisa da mão externa. 
Ahhh, porque temos que ter auto-estima. 
Ahhh, porque enquanto o cão ladra, a caravana passa. 
Ahhh, porque vou plantar bonecos de Samora em todas as cidades. 
Ahhh, porque o distrito é o polo de desenvolvimento. 
Ahhh, porque os 7 bis vão alavancar o distrito. 
Ahhh, porque reitero o meu comprometimento. 
Ahhh, porque temos que exaltar a pátria. 
Ahhh, porque temos que exaltar Mondlane. 
Ahhh, porque eu exalto a minha pátria. 
Ahhh, porque eu luto pela minha pátria. 
Ahhh, porque vocês também deviam fazer o mesmo. 
Ahhh, porque é a mesma pátria. 
Ahhh, porque a liberdade de imprensa e de expressão que vá a p*ta que a pariu. 
Ahhh, porque a sociedade civil que se f*da.
Ahhh, porque o Cambaza bebe vinho de 70 mil por mês. 
Ahhh, porque o Manhenje comeu tako de fardamento de cinzentinhos. 
Ahhh, porque Munguambe pagou bolsas dos filhos com dinheiro do meu inestimável povo. 


E os papagaios, então... 


Ahhh, porque o filho do tio Emílio é um visionário. 
Ahhh, porque ele é o filho mais querido. 
Ahhh, porque ele conhece a dor do seu povo. 
Ahhh, porque ele está preocupado em melhorar a vida do seu povo. 
Ahhh, porque não se negocia duas vezes com o mesmo bandido. 
Ahhh, porque a compra de armas modernas se justifica.
Ahhh, porque a sua vitória foi retumbante, esmagadora e asfixiante. 
Ahhh, porque ele quer ser lembrado como amigo do povo. 
Ahhh, porque isto, porque aquilo. 
Ahhh, porque etecetera, etecetera.
Ahhh, porque bla, bla, bla. 


Afinal, tudo não passava de colóquio flácido para acalentar bovino. Hoje o homem está aí todo bilionário, com cara de rico-coitado, fugindo de si mesmo, desconfiando da própria sombra, se assustando com o próprio peido, com toda a parentada à boca do xilindró e, para piorar, com o país a travar com jantes de segunda-mão. Definitivamente, não dá para se exaltar uma pessoa assim. É inexaltável. 


- Co'licença!

segunda-feira, 18 fevereiro 2019 06:17

Ajudante de camião de longo curso

A história que vou-te contar vem de dentro de mim. Das minhas memórias tristes. Da vida rastejante que não me larga, e das derrotas acumuladas perante a minha incapacidade de correr ao encontro da luz, como fazia, nos seus tempos de glória,  O.J. Simpson, um dos mais importantes jogadores de râguebi norte-americano do seu tempo.  Sempre pensei que a culpa de todo este sofrimento imparável fosse do meu pai, mas graças a Deus ainda fui a tempo de perceber que não. Quer dizer, ele vai ser absolvido de todas as minhas acusações.

 

Meu pai era um bêbado e fumador inveterado. Isso é verdade. Cresci partilhando com ele o mesmo tecto, inalando desde criança os odores da cachaça e do fumo e do próprio cheiro do seu corpo negligenciado. Desmazelado. Aprendi dele a beber e a fumar. A ser negligenciado e desmazelado. Também. Mas há uma coisa muito importante que deixou comigo: a lealidade. E a fé de que amanhã o sol vai nascer outra vez. Isso é que me orienta.

 

Hoje sou ajudante de camião de longo-curso. Nunca aprendi a fazer nada na vida, senão beber e fumar. E o preço que pago é este: vou sucumbindo em cada viagem. Pendurado por de cima da mercadoria em viagens de não acabar. Mas o que me dói mais é que sigo para frente de costas. Vejo as coisas depois de passar. Nas noites pareço um pássaro de mau agoiro cheio de medo perante os holofotes dos carros que nos ultrapassam. O frio arrasa-me. A chuva festeja por sobre o meu lombo. E não posso fazer nada, senão encolher o corpo para dentro de mim, temendo interminavelmente o pior.

 

Apesar de tudo isto que passo cá fora, lá dentro, na cabina confortável deste Frethline, o condutor está sozinho. Gozando. Sabe que nesta zona de Catandica, onde se ergue aquela linda cordilheira  como linha de fronteira entre Moçambique e Zimbabwe, faz muito frio. Para além disso está a chover. Mesmo assim está pouco se lixando. Ele dança com a alma a música dos limpa-pára-brisas, enquanto cá em cima eu é que sou o pára-brisas de mim mesmo. As minhas costas é que são a muralha de um esqueleto que está a vacilar.

 

Nestas viagens passamos frequentemente pelos controis da Polícia, sem que no entanto os agentes da autoridade obriguem o condutor a levar-me lá dentro. E essa dor toda faz-me lembrar o meu pai que morreu na sargeta. Bolas! Eu também vou morrer na sargeta, como o meu pai. Não tenho nada. Nem mulher. Nem filhos. A casa onde vivo é um buraco imundo. É pior que este cadafalso onde sobrevivo. Onde vou sendo executado devagar. O que castiga a minha alma é que estamos no mesmo carro, eu e o condutor, mas ele é um menino privilegiado. E eu um sabujo qualquer. Sem direito à entrar na cabine, mesmo quando está a chover. Mesmo quando o frio é de enregelar.

 

Apetece-me chamar sacana a este indivíduo que vai ao volante do “nosso” Frethline, mas na verdade eu é que sou inútil. Sou obrigado a suportar a ignomínia de dormir debaixo do camião, enquanto ele festeja com putas e bebida na cabine, num lugar qualquer onde lhe apetece estacionar. E depois de tudo, de madrugada, cara sem vergonha, ainda me pergunta se está tudo bem. Pior, manda-me procurar água para ele se lavar. E eu faço tudo isso curvado como uma besta.

 

Porventura haverá algum camionista que não seja sacana? Todos eles o são, excepto pouquíssimas excepções. Repare bem: quase todos eles são baixinhos. E homem baixinho só tem duas alternativas: ou é um bom bailarino, ou um sacana.

A procissão ainda vai no adro, ou, se preferirem, é prematuro tirar quaisquer ilações da operação iniciada esta quinta-feira (14) pela Procuradoria-Geral da República no âmbito do processo judicial relacionado com as ‘dívidas ocultas’.

 

Mesmo admitindo que seja uma farsa, a iniciativa da PGR de colocar preventivamente atrás das grades alguns dos tubarões das ‘dívidas ocultas’ que puseram Moçambique de tangas está a ser aplaudida nos círculos de opinião pública do país e além-fronteiras. O primeiro alvo foi Teófilo Nhangumele, a tal figura que já se tornara motivo de chacota nas redes sociais pela forma ridícula e ostensiva como exibia os bens supostamente conquistados à custa de trafulhices que protagonizou como intermediário no golpe que mergulhou o nosso país numa das maiores desgraças de que há memória. Além da detenção, Nhangumele viu os “seus” bens, incluindo carros de luxo, serem confiscados durante uma operação policial pública que pela sua espectacularidade em plena luz do dia atraíu vários mirones! Na rede em que Teófilo Nhangumele caíu na quinta-feira foram também arrastados António do Rosário, Gregório Leão Inês Moiane e Bruno Tandane, outros supostos protagonistas da mesma falcatrua.

 

Os principais actores da trafulhice

 

Enquanto Nhangumele saltou para a ribalta devido ao seu ‘brilhante’ papel na negociação do pagamento, pela Privinvest, da primeira fatia de subornos e comissões ao grupo de caloteiros do nosso país- ele próprio incluído- que esteve envolvido no caso das ‘dívidas ocultas’, António do Rosário e Gregório Leão são antigos chefões da secreta de Moçambique, o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), que desempenharam uma missão preponderante para o sucesso da roubalheira. Do Rosário e Leão eram tidos como figuras da proa junto dos responsáveis do armador Construções Mecânicas da Normandia. Esta companhia, propriedade da Abu Dhabi Mar LLC, foi a fabricante dos 24 desajustados atuneiros destinados à EMATUM que foram impingidos ao nosso país em troca de escandalosas sobrefacturações para pagamento de subornos e comissões que levaram o Estado moçambicano a contrair uma sufocante dívida de USD 850 milhões. A este valor adicionaram-se outros tantos USD milhões dos empréstimos contraídos pelas empresas Proindicus e Mozambique Assets Management (MAM), com garantia do Estado Moçambicano.

 

Logo que vieram a lume as primeiras notícias sobre a detenção de Teófilo Nhangumele, nas redes sociais choveram comentários e especulações em torno do assunto. Também não faltaram linchamentos verbais aos visados pela operação da PGR, que conforme se tem reiteradamente afirmado abarcará os restantes membros da lista em poder daquela instituição, na qual constam os nomes de 18 indivíduos acusados de envolvimento no caso das ‘dívidas ocultas’.