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segunda-feira, 25 março 2019 05:52

Manjedoura dos abutres

João Lourenço, Presidente de Angola, exemplo invejável de toda a África, inesperado pela atitude de colocar o seu país acima de quaisquer interesses pessoais ou de grupos, vai ser com certeza o meu orgulho como africana. Estou a pensar nisso agora que me encontro confinada neste acampamento no Búzi, erguido para nos acolher depois de sermos varridos pelo dilúvio. O problema não é estarmos aqui arrebanhados. Não é esse o problema. Mas sim a dor de perceber que estamos a ser usados para alimentar os apetites dos abutres, sem podermos fazer nada, senão derramar as lágrimas para dentro do nosso coração.  Formando a albufeira da tristeza.

 

João Lourenço fala do pote, para o qual desciam os marimbondos (vespas) com o intuíto de chupar o mel do povo. E eu falo da manjedoura que a nossa desgraça construíu para ser usufruída pelos abutres. Eles pairam sobre as nossas cabeças, descem com as horríveis garras abertas, e tiram a comida trazida pelos amigos e pessoas de boa fé para nos alimentar e disfarçar a dor de estarmos aqui.

 

Enquanto choramos a morte dos nossos filhos e dos nossos maridos e dos nossos irmãos e avôs, eles choram lágrimas de crocodilo. Aviam-se uns na clareza do dia, outros à calada da noite, com o que foi trazido para nós, mas estamos a ver tudo. E eu, que cheguei aqui apenas com as minhas  mamas cheias de leite, sem a criança que gerei com dor e amor, essa criança arrancada dos meus braços e levada pela enxurrada sem eu poder fazer fosse o que fosse, pergunto-me: afinal porquê que fazem isto?

 

Eles não ouvem. Os abutres são surdos. Continuam a descer e a tirarem da manjedoura o que trouxeram para nós. Mas não tem problema. Eu sou uma mulher nascida da terra. A terra é o meu maná. Todo o meu corpo cheira à terra que trabalho com o lombo vergado, danificando a minha espinha dorsal. Voltarei para lá quando tudo isto passar. Tudo isto vai passar. Menos a minha dignidade.

 

Abutres! O que me dói não é vocês tirarem a comida que trouxeram para nós. Não é isso que me dói. Isso podem continuar a fazer para encher os vossos reservatórios já fartos. Não me importo. O que me dói é vocês desprezarem o sofrimento das crianças, a nossa morte. Isso é que me castiga. Repugna-me o vosso sorriso de hienas vestidas de pele de cordeiro.

 

Mas eu sei que o coração está com aqueles que sofrem de facto com o nosso drama. É diante desses que me inclino e agradeço. À eles entrego meu rosto para me limparem as lágrimas, já que as minhas mãos tremem de dor e desepero. Enconsto minha cabeça do peito deles enquanto vos observo, abutres abominados, disfarçados entre estas pessoas de boa fé. Que nos abraçam com afecto.

 

Saiam daí, saiam!

Se houvesse um ranking global para medir a credibilidade de um Estado, Moçambique seria avaliado negativamente. Imagine um ranking de 0 a 10, onde 0 é menos credível e 10 o mais fiável em termos de moralidade e integridade. Nosso país estaria abaixo do zero. Fazendo um paralelo com o critério de notação da dívida pública, estaríamos abaixo do lixo, que é o lugar onde nos colocaram todas as agências de notação financeira.

 

Por causa do calote da dívida pública, nosso Estado é olhado com desconfiança nos mercados financeiros internacionais. Os credores são aconselhados a não emprestar porque nosso Estado não tem estrutura financeira para honrar compromissos, como se revelou com o “default” relativamente à dívida da Ematum e, subsequente, das restantes MAM e ProIndicus.

A romaria solidária que inundou a zona de cabotagem do Porto de Maputo é uma demonstração inequívoca de que os moçambicanos podem facilmente abraçar o outro, independentemente da origem regional ou étnica, credo ou partido político. Mas, para isso acontecer, é preciso que tudo o que seja figura do Estado ou elemento de partido político esteja a milhas de distância da mobilização dos apoios.

 

É o que se vê com esta onda de afectos das gentes de Maputo para com as gentes da Beira, do Buzi, de Nhamatanda ou do Matundo, enfim, os moçambicanos violentados no seu quotidiano desprotegido por uma classe política enredada na ganância e que fez do saque do bem público e da pura ladroagem um meio de vida, adiando vários programas de protecção social.

 

Meia dúzia de moçambicanos puseram mãos à obra num projecto que está a tornar-se na maior onda de solidariedade jamais vista em Moçambique. Uma torrente de afectos embarcando em contentores ofertados por empresas com gestores sensibilizados pela causa. Essas empresas e esses gestores e todo o voluntarismo consequente não representam nenhumas cores políticas ou partidárias. Ali não há Partido nem Estado. É o chamado terceiro sector fazendo renascer redes de solidariedade há muito tempo destruídas pela política.

 

Ainda bem que é assim. Ainda bem que o INGC é um elemento passivo neste processo particular. Houve tempos em que os moçambicanos eram mais solidários. Mas essas redes foram capturadas. A CVM e o INGC tornaram-se antros da privatização da ajuda. E abriu-se um fosso de desconfiança entre a parte da sociedade que pode doar e as instituições do Estado ligadas à emergência, privando a parte da sociedade carente de ajuda. Nos últimos anos, a coisa se agravou. A política capturou todos os espaços da sociedade, imiscuindo-se até no terceiro sector. Pior, as calamidades naturais foram também instrumentalizadas, tornando-se fontes de enriquecimento ilícito. E, hoje, a percepção de que muita ajuda local e externa não chega a quem realmente precisa é geral.

 

Por isso, se o mobilizador central desta onda de apoios tivesse sido o Estado é provável que muita gente com capacidade de doar ficaria retraída. Mas como é a própria sociedade civil fora da politiquice barata, então a adesão é enorme. Os moçambicanos de todas as matizes mostrando uma marca do seu ADN: abraçar os outros, não olhando a meios. Afinal, há muitas coisas que poderíamos fazer melhor sem os políticos.

quinta-feira, 21 março 2019 14:44

Carta ao Presidente da República

Ericino de Salema

- A propósito do drama humano causado pela infeliz combinação do ciclone IDAI e cheias

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Em primeiro lugar, felicito-o por ter chegado, em tempo oportuno, à conclusão de que o não cancelamento da Visita de Estado ao Reino de Eswatini, e que iniciou poucas horas depois de o ciclone IDAI fazer estragos na cidade da Beira e noutros pontos do centro do país e do extremo norte da província de Inhambane, não fora uma decisão feliz. É próprio de pessoas responsáveis se reconciliarem consigo mesmas quando se apercebem de que “meteram água”.

 

O facto de ter saído do Eswatini directamente para o sobrevoo das regiões afectadas sugere, por um lado, que se o Senhor Presidente da República tivesse tido noção, em tempo oportuno, da real dimensão da tragédia que estava iminente, muito provavelmente não teria abandonado o país e, por outro lado, que se não coibiu de agir como Chefe do Estado e, por essa via, cuidar da superintendência das operações.

 

A realização da última sessão do Conselho de Ministros na cidade da Beira foi, quanto a mim, uma decisão feliz do Senhor Presidente da República. Sobre a não participação do representante eleito dos beirenses nesse encontro, Daviz Simango, naturalmente como convidado, ainda não tenho opinião formada, havendo “informações contraditórias” quanto ao que terá concorrido para isso. Mas se o Senhor Presidente tiver tomado a decisão de o marginalizar, não o convidando, saiba que terá perdido uma extraordinária oportunidade de se posicionar como Presidente da República de todos, sem “cor partidária” no que aos assuntos de Estado diz respeito.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Como bem sabe, a gestão de eventos extremos no país tem sido plataforma para os malandros colocarem em prática os seus apetites criminais e animalescos. E esses malandros acham-se presentes em várias esferas, desde a esfera pública à privada, passando pelas igrejas e associações de vária índole, sem pôr de lado as acções desenvolvidas por grupos informais de titulares de direitos (cidadãos aqui inclusos!), sejam eles moçambicanos ou não.

 

Quando foi das cheias de 2000, por exemplo, uma avaliação especializada à resposta dada às mesmas, como o Senhor Presidente há-de estar recordado, chegou à conclusão de que houvera muitos malabarismos, incluindo o “misterioso desaparecimento”, do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), de pouco mais de 100 barcos que tinham sido doados ao país. No mesmo contexto, negligência ou imperícia gerencial ou outra coisa fizera com que toneladas de mantimentos apodrecessem nos armazéns sob a égide do INGC, havendo gente extremamente necessitada. Alguns gestores de topo do INGC foram até julgados por um tribunal de Maputo.

 

Sobre o INGC, não será exagerado recordar as palavras de Leonardo Simão, na altura ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (que tutelava na altura o INGC), sobre a mudança de nome de DPCCN (Departamento de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais) para INGC, proferidas numa conferência no Hotel Rovuma, em Maputo: “Concluímos que a imagem do DPCCN estava muito gasta, devido a problemas de gestão e até fraudes, daí a mudança de nome”. Entretanto, o chefe máximo foi mantido, não tendo havido evidências de mudanças substanciais nos sistemas de gestão.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

A observância de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário, que constitui o leit motiv desta missiva, pode nos ajudar, como país, a maximizar os esforços tendentes à mitigação dos impactos negativos do mesmo (desastre humanitário). Nisso, a centralidade do Governo de que o Senhor Presidente da República é chefe constitucional é mais do que óbvia.

 

Como bem sabe, o Senhor Presidente da República disse, quando proferia o seu ´Discurso Oficial de Investidura´, ali na Praça da Independência, em Maputo, a 15 de Janeiro de 2015, a dado passo do mesmo, que “...promoverei uma governação participativa fundada numa cada vez mais confiança e num efectivo espírito de inclusão”, pouco depois de ter referido, na mesma ocasião, que “O meu compromisso é o de respeitar e fazer respeitar a Constituição e as leis de Moçambique”.

 

Por falar em leis, no quadro da promoção de uma gestão transparente, inclusiva e profissional da resposta ao desastre humanitário essencialmente pelo centro do país, temos, há já sete anos, um diploma legal que nos ajudaria a promover uma situação tal, nomeadamente a Lei número 7/2012, de 8 de Fevereiro, que estabelece as bases gerais da Organização e Funcionamento da Administração Pública, também conhecida por LEBOFA.

 

A referida lei, que se aplica aos órgãos e instituições da Administração Pública, bem assim às autarquias locais e demais pessoas colectivas públicas, como o INGC, possui um artigo interessante sobre a participação do cidadão na gestão da coisa pública (artigo 14), que a seguir o transcrevemos na íntegra:

 

“Artigo 14

 

(Participação do cidadão na gestão da Administração Pública)

 

1.            Os órgãos colegiais da Administração Pública promovem a integração da sociedade civil interessada na sua composição.

2.            Para os efeitos do disposto no número anterior, são considerados membros da sociedade civil os representantes de associações, sindicatos, organizações não-governamentais ou quaisquer outras formas de organização colectiva legítima, cujo objecto esteja relacionado com as atribuições de determinado órgão ou instituição da Administração Pública.

3.            O disposto nos números anteriores não é extensivo aos partidos políticos.”

 

A democratização de órgãos colectivos da Administração Pública e de outras pessoas colectivas públicas, a partir dos seus órgãos colegiais, seria, Senhor Presidente, uma boa notícia para a nossa jovem democracia. E, atentos ao causado pelo ciclone IDAI e cheias, bem assim às lições de um passado (relativamente) recente, aplicar a fórmula de inclusão sugerida pela LEBOFA ao INGC afigura-se mais do que urgente. E, a partir dali, expandir a outras entidades públicas, como os Conselhos de Administração da Rádio Moçambique (RM) e da Televisão de Moçambique (TVM), que, em mais um ano eleitoral, precisam de ser factor de estabilidade e não o contrário.

 

Obrigado por qualquer atenção dispensada, Senhor Presidente da República.

Ericino de Salema, aos 21 de Março de 2019

quinta-feira, 21 março 2019 07:34

Dorme, RENAMO! Dorme que a FRELIMO agradece!

"A Renamo diz que não correspondem a verdade os números até aqui tornados públicos sobre os estragos provocados pelo ciclone tropical IDAI (...). Apesar de discordar dos números anunciados pelo governo, Juliano Picardo, assessor político do Presidente da Renamo, Ossufo Momade, afirmou durante uma conferência de imprensa realizada está quarta-feira (20), em Maputo, que é prematuro avançar números porque estaríamos a ser hipócritas" - "Carta", 20/03/2019.



Arri!!! Convocar uma conferência de imprensa para desmentir uma informação que também não sabe a verdade? Convocar jornalistas para lhes encher de fofocas e mentiras do "feicibuki"? Não faça isso, ó RENAMO. Olha, senhor assessor, não é isso que as pessoas querem ouvir da RENAMO neste momento. O próprio Pê-Ere Filipe Nyusi já reconheceu que os números que se propalam não são reais. Contra todas expectativas, Nyusi foi o primeiro a reconhecer que o número de mortos pode chegar a mil. Nyusi já disse que a situação é muito mais grave do que parece, tanto que se decretou o estado de emergência nacional. 



O senhor assessor já devia saber que este assunto é fraco e sem novidade. A sociedade espera da RENAMO muito mais do que esse "esconde-esconde". A RENAMO tem de começar a fazer política a sério. A RENAMO tem de começar a farejar oportunidades e aproveitá-las. Não é tempo para apontar erros dos que estão a trabalhar. As moças querem ver o rapaz que está na pista de dança a dançar. Querem saber o seu nome, onde mora, onde estuda. As meninas querem saber quem é esse rapaz atrevido, não querem saber de quem está a falar mal dele. Se não quer dançar, ao menos aplaude então! É que amanhã, depois da babalaza, as pessoas só se lembrarão daquele que estava a dançar (bem ou mal), ou daquele que estava a aplaudir maningue tipo louco.

 

Para um partido sério, esta é uma "boa" oportunidade de fazer aproveitamento político. É oportunidade para fazer populismo positivo (não sei se isso existe em ciências políticas). É uma oportunidade para estar no terreno ajudando as pessoas. É oportunidade para mobilizar os seus membros, simpatizantes e parceiros internacionais para porém a mão na massa, angariarem donativos e mostrarem solidariedade. É oportunidade para a Liga da Juventude do partido aparecer com jovens ajudando na colecta de bens. Chamem aqueles latagões que estavam a protagonizar espectáculos de karaté na sede do partido na Beira para, desta vez, salvarem os seus irmãos. É oportunidade para inundaram à mídia. É oportunidade para mostrarem que vocês estão aqui com o povo. É oportunidade para socorrer as pessoas e serem vistos que estão a socorrer de verdade. É hora de pôr ovo e cacarejar. 



Não é tempo para conferências de imprensa sem assunto, sem sentido e sem novidade. As pessoas esperavam ouvir que "falamos com os nossos amigos da Europa e da Ásia e estão a enviar medicamentos e comida". Não é tempo para comunicados e posicionamentos ocus. Não é tempo para perder tempo. Que assessor é esse que convida jornalistas para falar do sexo dos anjos num ano eleitoral? Que assessor é esse que não faz leitura do cenário num ano eleitoral? Já vai uma semana depois do ciclone que a RENAMO não aparece com algo de concreto, algo que faça dela assunto. Até parece que estão a espera que o pior aconteça para dizerem "nós sabíamos!".



Quer queiramos quer não, a FRELIMO soma e segue no teatro das operações. A FRELIMO está a ganhar pontos. Esses membros do governo que estão aí são da FRELIMO. Essas caras que estão sendo vistas aí na Ponta-Gea, no Maquinino, no Luabo, em Mopeia, etecetera, são do governo da FRELIMO. Serão essas mesmas caras que em Setembro e Outubro estarão no mesmo terreno angariando votos. A própria directora do I-Ene-Gê-Cê ha-de voltar para pedir votos para o seu partido: FRELIMO. Isso é uma realidade. E temos que admitir que a FRELIMO tem essa maturidade política. Ela consegue fazer boa leitura do contexto. 



Dorme, RENAMO! Dooorme! Quando acordares, a FRELIMO já estará a matabichar. 

- Co'licença!

quarta-feira, 20 março 2019 07:02

Estamos todos aqui!

Moçambique é dos moçambicanos. Este país é nosso. Nós todos. Não há moçambicanos de gema nem de clara, de primeira nem de segunga. Somos todos moçambicanos, os donos deste Moçambique. 

 

Aqueles famosos mercenários do Ocidente estão aqui. Os assalariados dos americanos também estão aqui. Os conspiradores e vendedores da pátria estão aqui. Os que estão a fazer "check-in" de Manuel Chang estão aqui também. Aqueles que não querem pagar as dívidas ocultas também estão aqui em peso. Os apóstolos da desgraça estão todos aqui.