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quinta-feira, 09 junho 2022 04:46

NKULUNGWANI!

MoisesMabundaNova3333

Na tradição tsonga (não tenho como dizer bantu, as breves pesquisas que fiz não me ajudaram muito, quase nada), há uma entidade chamada nkulungwani. Alguns escrevem nkulungwane, outros nkulungwana; outros ainda sem o ‘n’ inicial, ou seja kulungwane; ou, aportuguesadamente, kulunguana!… Bom, deixemo-nos da forma e vamos ao conceito, mas eu adopto a grafia nkulungwani, que julgo ser a mais próxima da correcta na ortografia das línguas bantu!

 

O nosso Google também não ajudou absolutamente nada quanto à definição, seja de que natureza fosse, de nkulungwani, pelo que vou é tentar descrever esta entidade, esta manifestação cultural tsonga e depois veremos sobre a sua definição. Em cerimônias de diversa índole, de manifestação de alegria, de lobolo ou casamento, de enaltecimento de um feito de uma individualidade, ou de uma colectividade, geralmente as senhoras, ou uma senhora (os homens também emitem, mas não é muito frequente), emitem/emite um som, tipo lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lêêêééé…, demorando o tempo que a pessoa que emite consegue ficar sem aspirar, uma vez que ao longo do acto está a expirar. Cinco, dez a quinze segundos. A língua tem um papel muito importante, encolhe um pouco e bate em cima e em baixo da boca. Esta ‘entidade’ (o som) pode ser emitida no meio de uma intervenção de um dos participantes, ou no fim dela; pode também ser emitida no meio de uma canção, ou no fim dela. Pode ser emitida por uma pessoa, geralmente senhora, mas pode ser também por várias, em sincronia, ou em sequência. Não há rigor nisso. É um acto que confere mais profundidade à tal manifestação, à tal celebração. De tal sorte que se nela (a cerimônia) não houve , afere-se que não houve profundidade, faltou um sentir profundo, interno, genuíno.

 

Geralmente, “bate-se” minkulungwani (no Xi-Changana, é assim como se diz: ku ba minkulungwani) - num bom português, diríamos que ‘emite-se’, ‘enuncia-se’, ‘entoa-se’, ‘pronúncia-se’, ‘faz-se’, ou ‘canta-se’ nkulungwani, em ocasiões de alegria, de muita satisfação. Mas há quem afirme que em ocasiões de tristezas, também, se ‘canta’/‘bate’ nkulungwani! Como disse e repito, é um acto que confere muita profundidade a uma cerimónia. Expressa um sentimento profundo, muito interior, seja de alegria, seja de tristeza, para com determinada ocorrência, acto ou comportamento.

 

Isto dito, vamos à razão deste intróito. Um amigo desafiou-me a dar um ‘nome’ genérico às crónicas que tenho escrito e publicado todas as semanas. Meti-me no exercício. Não foi fácil encontrar um título que me agradasse. Ainda não encontrei. A reflexão até trouxe à memória, da qual nunca se ausentou, com efeito, o Canto do Amor Natural, título de poema e de livro de um dos nossos grandes poetas, o Kalungano, ou Marcelino dos Santos. Ainda pensei em puxar para o genérico esta extraordinária, belíssima formulação de Marcelino dos Santos, até como forma de o evocar e fazer lembrá-lo como um dos nossos grandes patrimônios cultural e social.

 

Não me fiquei pelo título de Kalungano mais porque ele celebra, canta, enaltece o seu “amor natural”, o seu afecto genuíno, interior, profundo ao seu/nosso Moçambique. ‘Bate’ nkulungwani de alegria, de amor, de fraternidade, de paz à sua pátria, à sua nação. Enquanto eu quero, também, ‘bater’ nkulungwani - e tenho batido - sobre ocorrências de tristezas que igualmente fazem parte do nosso quotidiano, exactamente como o tenho feito em cada texto. Não faz bem à consciência ficar pelos nkulungwanis/elogios de… amor, de alegria, do faz de conta.

 

E, assim, vou continuar a ‘bater’ nkulungwani ao nosso dia-a-dia, seja para com ocorrências de alegria, de paz, de amor e fraternidade; e seja, também, com as de tristeza, vergonha, corrupção e falta de respeito e desconsideração para com os compatriotas moçambicanos! Eis então o título genérico das minhas crónicas!

 

 

Lê-lê-lê-lê-lê-lê-lê-lêêéééé!…

 

 

ME Mabunda

terça-feira, 07 junho 2022 09:04

Terror a caminho do Parque Nacional de Zinave

Continuo a cultivar a solidão, e já cheguei a um ponto em que as viagens – mesmo para lugares de paraíso – deixaram de me fascinar. O paraíso é aqui onde moro sem pensar no futuro, o futuro é este que vivo todos os dias. Mas desta vez abriu-se um parêntises na minha rotina, de maneira tão profunda que não pude recusar o convite de visitar o Parque Nacional de Zinave, ainda por cima na companhia de uma mulher que usa todas as oportunidades para cantar, repetindo músicas antigas dos seus ídolos, que habitarão para sempre as suas memórias.

 

Chegou à minha casa sem avisar, trazendo consigo a alegria de sempre, na alma antiga que se mantém nova e fresca como as águas da cascata e disse assim, amor, vamos juntos à Zinave! Vestia calças jeans e sapatilhas da Nike, e para combinar estes dois elementos, envergava uma jaqueta de bombazine com forro,  por cima de uma camiseta azul celestial, estava linda por inteiro numa estrutura corporal sintetizada pela candura do rosto, então, perante este vulcão  de beleza, não podia dizer que não.

 

Eu estava na varanda – sentado a contemplar a mesma paisagem dos tempos, que entretanto aviva-se a cada minuto – quando ela entrou de rompante  cantando “Sineta”, de Chico António, e o abraço que se seguiu levou-nos ao êxtase porque naquele momento inesperado, tornamo-nos fieis representantes do nosso passado anarquista, onde não tinhamos capacidade de esperar, tudo era urgente para nós. Mas na verdade estávamos apenas a obedecer aos ditames do amor. Que é controverso.

 

Puxei-a – depois de sentir o leve cheiro do seu perfume, emanado durante o forte aperto dos nossos corpos - para o quarto onde fui aviar a minha mochila, sem me esquecer da grossa camisola e da jaqueta de couro. Despi as calças de fato de treino – na presença dela – para enfiar as jeans e as botas de mineiro – e ela ficou em silêncio olhando para o meu corpo meio magro, e para os meus gestos atrapalhados. Sorriu e convidou-me, com o olhar, a um beijo cuja doçura lembrou-me a intensidade dos nossos tempos de juventude, e a nossa total entrega à vida e à música que cantávamos em todas as circunstâncias.

 

Já prontos, metemo-nos no carro para dar uma volta de sessenta quilómetros até Maxixe, de onde depois seguiriamos rumo a Mapinhane e dali continuariamos com a viagem, ansiosos em contemplar o reino animal que nos esperava em Zinave. Mas antes de partirmos, ela pegou no flash  de música e disse assim, meu amor, quero que oiças esta merda! Pôs no ponto o tema Lady, de Fela Kuti, afinal “aquilo” era a nossa entrada no Cosmos, onde não podemos estar sem o Ballantines, e o Ballantines estava dentro do carro com um balde de gelo.

 

Maxixe não tem nada para nos dar em novidade, nem Murrrombene, nem Massinga, nem a própria Mapinhane, por isso não parámos em nenhum desses lugares, o que nós queriamos era chegar a Zinave e entregarmo-nos ao prazer da descoberta. Porém, o que nós os dois não sabiamos, é que o caminho pode tercer das suas, contra os nossos sonhos e as nossas vontades. Daqui para aqui pode acontecer o inesperado para desfazer todas as expectativas.

 

Dez quilómetros depois de Mapinhane, já na picada rumo a Zinave, fomos sacudidos por um elefante que, saíndo repentinamente do mato, não nos deu tempo para nada, numa altura em que escutávamos What a wonderful world, de Louis Armstrong. O nosso carro deu várias cambalhotas impulsionadas pelo paquiderme, provavelmente irritado pela nossa presença, e numa dessas cambalhotas fomos “cuspidos”. Mas o enorme bicho continuou a investir repetidamente as suas patas insuperáveis por sobre a viatura, tendo-a esmagado  completamente, deixando-a sem proveito, depois foi-se embora sem sequer olhar para nós, que continuávamos vivos, sem sabermos como!

segunda-feira, 06 junho 2022 08:45

A VERDADE QUE TODOS DEVEMOS SABER…!

A vida está difícil na Pérola do Índico. Tudo está caro. Os bolsos do pacato cidadão estão cada dia mais vazios. O poder de compra das famílias perdeu-se, porque tudo subiu, até a agulha. Agora, sabem porque as pessoas que determinam o rumo das nossas vidas não são abrangidas e nem sentem estas situações lastimáveis? É porque os políticos neste país não pagam nada. Não gastam nenhum suor, nem a caixola para pensar. O que sabem é ler discursos e assinar documentos, alguns dos quais nem chegam a ler.

 

Alguns chegam a ter mais de sete empregos e fontes de renda, de tal sorte que nenhuma subida influencia na sua vida. Imagine um determinado dirigente ou assessor de um governante que é:

 

-Deputado;

 

-Professor Universitário;

 

- Gerente de uma empresa;

 

- Assessor jurídico de três ou quatro empresas, entre algumas multinacionais;

 

- Sócio de três a quatro empresas;

 

- Assessor do Ministro X ou Z;

 

- Proprietário de três condomínios;

 

- Secretário de A ou B do Partido Frelimo;

 

- Membro do Conselho de Administração não executivo, entre outras coisas – este pode sentir que a vida está cara?

 

- Obviamente que não, porque, além disso, tem combustível grátis, não paga nas portagens, tem empregados até para lhe entregarem escova na casa de banho, não paga renda de casa, não gasta nenhum tostão para comprar comida, faz business de isenções fiscais, pagam-lhe subornos para facilitar esquemas, está sempre no AC e sendo conduzido para tudo que é canto, tem ADC que pega o guarda-chuva no sol e na chuva, entre outras!

 

E para apimentar mais, em todos os locais, o Beltrano recebe. E acredite, não recebe abaixo de 100 mil Meticais. Lembram-se da guerra dos salários em dólar, na Electricidade de Moçambique (EDM)? Quando burocráticas da instituição decidiram que queriam receber na moeda da terra do Tio Sam. Se o documento não vazasse e os outros dolarcratas ordenassem que não se procedesse dessa maneira, os homens já estavam habituados a trabalhar em Moçambique e dormir em Sandton, na África do Sul.

 

Aqui eles vão subir tudo que lhes der na gana e depois afirmarem na nossa cara que este produto, a nível da região, em Moçambique é que está mais barato – o que na verdade é tudo falacioso. Porque um trabalhador como da Tongaat que em Moçambique trabalha mais que o trabalhador da mesma empresa na África do Sul, recebe quatro vezes menos que o da terra do Rand. O nosso salário mínimo aqui acaba antes de sair da folha do salário. 

 

A culpa disso tudo vai ser do Idai, Kenneth, Covid-19 e agora a mãe de todas as nossas desgraças: a guerra entre Rússia e Ucrânia. Como se questiona, se a culpa é sempre dos outros ou das calamidades. O que os nossos governantes fazem (para além de produzir pobres) para que situações de género não sejam regulares? Quando passaram a fazer mais e melhor para que não se procure sempre uma fuga para frente e o problema morrer sem culpado?

 

O engraçado é que mesmo quando não havia conflito entre os ex-irmãos soviéticos – aqui o demónio já ministrava missas. A fome já governava vidas. Então, porque tantas justificações para subir ou inflacionar produtos que durante anos enganaram-nos que produzíamos, quando, na verdade, apenas embalamos e colocamos o rótulo de fabricado na Matola – tanta máfia num só país. Aqui Escobar virava aluno com menos aproveitamento!

 

Hoje o óleo de cozinha de 5 litros que rondava os 380 MZN subiu para 800 e de lá para 1050 MZN. Arroz - 25Kg que nas missivas ministeriais se dizia até há pouco tempo que seríamos autossuficientes de repente subiu dos 1250 MZN para 2200 MZN. A farinha de milho, o trigo, carapau, açúcar, água mineral, vinagre e até a magumba da Costa do Sol ou Zalala deixou de custar cinco vinte Meticais para 50 MZN. A culpa é da guerra Rússia - Ucrânia, enche a boca o político-governante e diz sem pestanejar e, no final de tudo, ele tem todos estes produtos sem gastar nenhum tostão do seu salário e subsídios infindáveis!         

A verdade é aquela dita por Pio Augusto Matos, Governador da Zambézia, que disse de viva voz que eles, membros da Frelimo, Partido governamental desde 1975 e em exercício actualmente em Moçambique, eram os actuais colonos, exploravam os outros, faziam sofrer o povo, que dizem estar a governar! 

 

Ouvindo e vendo isso, obviamente fica claro que ninguém está interessado em melhorar a vida do povo moçambicano. A culpa será das cheias, ventos, das guerras que nunca acabam e não da mão leve do governante que foi pegar na mola do “gringo” e não fez o melhor para o povo, mas gastou sem piedade chupando as tetas de uma samambaia da terra de Mácron. Das nossas opções erradas e alteradas porque confiamos alguém com batinas e um amuleto religioso na mão para garantir a verdade na leitura dos resultados das nossas induzidas ou forçadas escolhas!

sexta-feira, 03 junho 2022 08:50

Moçambique: País com que se Dialoga!

Group 262

“Sinto-me orgulhoso, de ser Moçambicano, mesmo em um contexto de muitas dificuldades, quer de natureza económica, quer de natureza social, se um Pais como a Rússia, gigante económico e militar nos procura, é porque temos valores a defender, se um Pais como a Ucrânia nos procura e quer nosso apoio é porque somos relevantes no contexto das Nações, pena que, a nossa oposição Parlamentar viva do passado, muita pena mesmo! O Embaixador Pedro Comissario, nas Nações Unidas, está a fazer a parte que lhe cabe, Moçambique chega la.”

 

AB

 

Moçambique, um País da região Austral de Africa, ladeado, nas suas fronteiras, por Países falantes do Inglês, o que, em outras palavras, Países que estiveram sob dominação Inglesa, enquanto Moçambique esteve sob dominação Portuguesa, isto é importante realçar porque, se formos a fazer a análise, é o Pais que, teve de se armar para lutar contra o seu colonizador, enquanto os restantes tiveram as suas independências em outros contextos.

 

Por exemplo, o Zimbabwe, lutou contra o Ian Smith, que dominava através de minoria racial, a Africa do Sul também, no entanto, estes Países estiveram sob dominação Inglesa, os opressores, com que o ANC e a ZANU tiveram de lutar, eram, igualmente, filhos da Africa do Sul e do Zimbabwe! Ou seja, outros interesses internos falaram mais alto porque, da Inglaterra estiveram todos livres e mantinham relações de cooperação com a antiga colonia.

 

Moçambique, que esteve sob dominação Portuguesa, no que se refere ao desenvolvimento, é o País mais pobre da região, apesar da sua dimensão territorial e as riquezas nela emprenhadas, quer no solo e no subsolo, isto porque, o colonizador, era ou é se quisermos, o pobre da Europa, parte do território Moçambicano foi usado a troca de favores pelos Ingleses, incluindo o cunho da moeda, ou seja, nesses locais de Moçambique, não era Moçambique porque hasteavam bandeira e moeda diferente da de Portugal.

 

Esta pobreza de Portugal, foi nos repassada e, Moçambique, depois da Independência, tornou-se dependente em vários domínios, talvez aqui reconhecer que, em muitas coisas também regredimos na pós-independência, não é fácil reconhecer mas é verdade isto, a nossa opção ideológica, não tínhamos outra opção, a nossa opção sobre o centralismo económico seguido do liberalismo, destruiu, parcialmente, os ganhos coloniais e os ganhos da revolução e, estamos numa espécie de um País a renascer, com todos os problemas que isso acarreta!

 

Moçambique, hoje, é um Pais com que se Dialoga.

 

Noto, hoje, com alguma satisfação, fruto do posicionamento estratégico de Moçambique, que muitos Países procuram-nos para dialogar, nos últimos dias, vimos emissários da Ucrânia e da Rússia a deslocarem-se a Maputo para influenciar a posição de Moçambique em relação a Guerra entre Rússia e a Ucrânia, isto, fruto da neutralidade de Moçambique em relação a esta Guerra. Engana-se quem pensa que esta procura de Moçambique para o diálogo é fruto do acaso, não senhor!

 

A procura de Moçambique para o diálogo é fruto de muita coisa que está acontecendo no nosso território nacional, é fruto da movimentação Diplomática de Moçambique no contexto das Nações, é fruto de exploração dos nossos recursos naturais e, poderia enumerar aqui uma serie de coisas que influenciam, o importante mesmo, é notar que, gigantes do mundo económico nos procuram e nos pedem audiência, isso é importante, na minha opinião.

 

Hoje falamos da carestia da vida em consequência da Guerra entre a Rússia e a Ucrânia, curiosamente, são estes dois Países que nos procuram para dialogar, nos procuram para saber se podem contar connosco, não é Moçambique que vai de joelhos pedir ajuda porque estamos com fome e a beira de uma catástrofe humanitário, notar que, a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia levantou o velho problema das dependências Europeias, o Gás, os Cereais, tanto para os Europeus quanto para o resto do mundo e, sobretudo para a Africa.

 

Aqui, os nossos dirigentes, devem saber capitalizar isto, não e todos os dias que Países com a dimensão da Rússia nos procuram para dialogar e, aqui, abro um parenteses para dizer que, a nossa oposição Parlamentar não soube capitalizar a presença da delegação Russa na Assembleia da Republica, independentemente do passado, sabemos que a Rússia esteve sempre a favor do nosso Governo e a Renamo, na sua qualidade de Guerrilha, tinha apoio do outro lado mas, hoje, a Renamo é uma força politica de relevo na vida de Moçambique, na se deve perder pelo passado atualize a sua politica externa, bom, não é sobre a Renamo que faço esta reflexão.

 

Sinto-me orgulhoso de ser Moçambicano nesta fase da vida, sinto-me orgulhoso porque, caso a nossa Diplomacia saiba seguir as tendências, Moçambique poderá demarcar-se e se tornar em um País definitivamente com quem se dialoga e não continuar como um simples recetor das decisões de outras nações do mundo, neste contexto, faço votos que seja eleito membro não permanente da Nações Unidas e para isso o nosso Diplomata Residente, Pedro Comissario, muito tem feito, obrigado Moçambique “quem te conhece não te esquece jamais”.

 

Adelino Buque

Nasci e cresci num ambiente em que os livros jornais e revistas eram parte integrante da nossa vida. Pouco percebia do real significado que aqueles amontoados de papel tinham, tampouco da riqueza que escondiam. A medida em que as letras começaram a fazer sentido, as palavras ganharam melhor significado e a curiosidade despontou. Por conseguinte, muito cedo me permiti folhear alguns livros que tinha em casa. Ganhei gosto, aprendi a conversar e a entender o poder que o livro tem.

 

O livro é fonte do saber, de informação, de cultivo de homens doutos e cultos; são uma riqueza única e de valor inestimável para a sociedade. Para países em vias de desenvolvimento, como o caso de Moçambique, com altas taxas de iliteracia, o livro é uma arma fundamental no processo de educação e emancipação, ocupando sólida relevância.

 

O contexto evolutivo do registo- de informação desde as sociedades antigas aos nossos dias, mostra que, quando a humanidade fez a transição das fontes orais para as fontes escritas, assistiu-se a um salto qualitativo no processo de armazenamento e um maior acesso as fontes do conhecimento. O saber passou a ser não apenas mais acessível, mas também venceu a barreira geográfica e temporal - podia passar de geração em geração de forma fiel e fidedigna.

 

A conservação e armazenamento do conhecimento adquirido ao longo do tempo, evoluiu a pari passu a medida que as sociedades foram se desenvolvendo. Das gravuras, passando pelas pinturas rupestres, murais em pedra, em artefactos, e mais tarde em papiro com o uso dos hieróglifos, a humanidade foi se construindo rumo a um mais abrangente acesso a o conhecimento registado. O surgimento da imprensa escrita foi um marco fenomenal pois permitiu que a geografia e historia dos quatro cantos do mundo se cruzassem de forma eficaz e rápida.

 

Hoje, graças a esses registos, é possível visitar os escritos mais antigos, os clássicos nas suas mais diversas formas (desde o grego, latim, hebraico, aramaico à outras línguas civilizacionais). O livro permite a aprendizagem, a reflexão, a critica e o diálogo entre gerações.

 

Entre a construção e a (des) construção

 

O drama do africano durante séculos tem sido associado ao acesso a educação de qualidade que se julga, ser o caminho para a emancipação mental, cultural e de (re) construção da sua identidade. – Num mundo em que o conhecimento significa poder, quem não o tem, vive um drama humano existencial.

 

Nesta analogia, pouco interessa se o conhecimento que temos nos é identitário, se espelha a nossa cultura, a nossa tradição, a nossa história e as nossas vivencias enquanto africanos e donos de uma ontologia própria. A luta do africano tem sido a conquista pelo reconhecimento da sua racionalidade e de uma incessante afirmação da sua humanidade – ainda que este reconhecimento custe mais a sua alienação. A pouco e pouco vamos enterrando a nossa axiologia, os nossos usos e costumes, as nossas línguas, tradições, religiões e com isto vamos enterrando a nós mesmos, o nosso SER.

 

A educação que se pretendia libertadora e emancipadora, virou uma educação alienadora e usurpadora. Sim, usurpadora porque permitimos deixar para trás o que é realmente nosso e adoptados com muito orgulho o que não é e nunca foi nosso. E este processo desenrolou-se numa lenta e progressiva narrativa teórica e prática de inferiorização e de negação do ser do africano.

 

Contemporaneamente um dilema emerge na indagação do nosso lugar no mundo – o dilema identitário que tem muitas semelhanças com a disjuntiva periférica: ser como os do centro ou ser como nós mesmos? – Numa clara alusão a dúvida que se instalou em cada um de nós ditos civilizados.

 

Aqueles a que chamamos atrasados, ainda conseguem ser mais evoluídos e ilustrados que nós, ditos civilizados e herdeiros da ciência, dos novos ideais que nos foram impostas.

 

A arma usada para que tudo se efectivasse da forma mais natural foi o livro na sua capa educacional e evangelizadora. Não que ela (a educação) tenha sido má; muito pelo contrário, ela foi e é boa e necessária para edificarmos uma sociedade progressista e alicerçada nos valores da ciência, do desenvolvimento e da evolução da espécie humana. Os modelos educacionais e os currículos adoptados por muitos países independentes como é o caso de Moçambique, foram e são em algum momento modelos que gradualmente preconizaram a negação do nosso ser e inculcaram aceitação do ser do outro, modelos que nos distanciaram da nossa realidade.  

 

Quando o livro que serve para formar milhões de crianças, adolescentes e jovens do Rovuma ao Maputo, e do Zumbo ao Índico, contém erros grotescos, desinformação e atropelos graves a ciência, e tais livros tenham passado pelo crivo da instituição de tutela, então o livro que tanto apregoamos é uma arma altamente destrutiva. Destrutiva porque há anos que vimos escangalhando o ensino público e tornando-o uma autêntica chacota - fazendo mais do mesmo na multiplicação de conteúdos não profícuos; há anos que transferimos a mediocridade e incompetência institucional para as nossas crianças e, há anos que reproduzimos um discurso vazio e inócuo em torno da educação.

 

Mas, mais do que erros, e incongruências, os nossos currículos estão em parte desfasados da realidade e, não espelham o país que queremos ser nas próximas décadas. Na reflexão em torno do poder do livro (livro não como objecto isolado, mas como base de formação), quero destacar três dimensões julgo fundamentais para a construção de um país genuinamente orgulhoso do seu passado, do seu presente e certo de que o futuro será risonho:

 

  • A dimensão nacionalista que olha para nossa história, nossos feitos enquanto povo, país e nação;
  • A dimensão Ética que olha para a globalidade da pessoa humana e para o tipo de sociedade que estamos a (des) construir e,
  • A dimensão futurista que tenta vislumbrar o país que queremos ser nas próximas décadas.

 

Não se pode normalizar gralhas nem produzir erratas para a nossa quase que penosa e decadente situação, aceitando que no futuro possamos ler e acreditar que a colonização foi um processo pacífico e não conflituoso, e de laços de fraternidade entre o colonizador e o colonizado; que os mais de 500 anos de presença colonial em África, Asia e América Latina foram, juntamente com a desumana escravatura, um momento de intercambio turístico, religioso e de descobrimento mutuo.

 

Não se pode, nem se deve permitir que o plano de desestruturação e de promoção de uma alfabetização medíocre seja uma bandeira de desumanização do negro e a negação da sua racionalidade, historicidade e eticidade. Um povo sem história é um povo sem rumo e um povo sem conhecimento da sua cultura não tem futuro algum; e o caracter malévolo dos manuais e livros produzidos reside neste aspecto – a marginalização, banalização e vulgarização do processo educativo.

 

O livro tem o papel idêntico ao da enxada sobre a terra – tornar possível um processo de produção de algo novo, abrir os solos e produzir – subentendendo-se que as mentes dos alunos são solos férteis e que merecem produção de qualidade. O livro deve abrir mentes e ajudar a reflectir um mundo e um país diferente e cada vez mais inclusivo.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

quarta-feira, 01 junho 2022 13:37

Enxoval em Cadeiras em Cadeiras de Rodas

A luz com que vês os outros é a luz com que os outros te vêem a ti.  Provérbio africano

 

Este primeiro de Junho tem de ir além das comemorações, para ser, igualmente, um momento de reflexão sobre o quanto crianças com deficiências precisam ser olhadas, respeitadas e incluídas em todos os espaços da nossa sociedade. Na realidade, independente do que julgamos ser, saber e possuir, temos todos, grosso modo, uma deficiência temporária ou permanente. Esta deficiência se revelará em algum momento das nossa vidas. Quando isso suceder, as experiências podem ser mais ou menos marcantes, mas não deixarão de ser histórias de vida, de amor e de compaixão.

 

O leitor tem, em suas mãos, a primeira experiência literária de uma jovem mãe, guerreira, destemida, obstinada e que não se conforma com fatalismos e desigualdades. Uma mulher que conquista nossos corações e ganha estatuto de mulher solidária.  Percorrendo estas páginas, reencontramos alguém que se predispõem a partilhar suas privacidades, contrapondo com o ostracismo e silêncios. Um exercício de reconstituição de memórias e convulsão de sentimentos. Benilde Mourana encontrou na deficiência todas as razões para interagir com o grande público leitor.

 

As facetas mais fascinantes da vida são, quiçá, as mais simples de serem descritas. As outras, mais complexas, obedecem e sugerem roteiros distintos. Temos de conformar a dor e o sofrimento, para reencontrar o caminho do alívio e da tranquilidade. Porém, a vida, este dom divino que desfrutamos na plenitude ou em partes, nos ensina fundamentos e lições diversas. Revelar estas facetas pode ser uma experiência fenomenal ou traumática. Mas, ignorar as diferentes dimensões da vida parece ser inconsequente. Então, reencontre nesta narrativa a revelação da inquietude e do amor, do sofrimento e da paz, a retoma pelos modelos de superação, reinvenção das memórias e a alucinante vontade de estabelecer uma comunicação horizontal.

 

A autora deste livro, nesta primeiríssima viagem descritiva, não cuida apenas de uma filha com problemas, trata de várias dezenas de crianças e jovens. Ao assim proceder, ela não só repõe a esperança aos familiares, mas, também, devolve um sorriso às crianças, jovens e até adultos com deficiência. Nesta relação, fica escancarada a certeza de que o amanhã se escreve com as cores do arco-íris de hoje. A autora converte-se numa espécie de Madre Teresa de Calcutá, que vence as emoções e empenha-se no essencial. Uma mulher de causas, recriando ou ressignificando os caminhos da indiferença e da negação da felicidade e do futuro.

 

As famílias moçambicanas mais carentes enfrentam, em diferentes em períodos históricos, a questão moral e ética de como lidar, incluir e apoiar, com mais perspicácia, com ou sem recursos, as pessoas com deficiência. Essa tarefa torna-se, cada vez, mais premente com o avançar da idade destas crianças e adolescentes. Em causa esta a tipologia e a demografia deste grupo populacional. A situação está longe de fácil, compreensível e aceitável. Em jogo estão cuidados primários, alimentares, apoio psicológico e moral. Em causa está a vida e a qualidade de vida que tem de ser providenciada. Enfim, a vivência nos limites da capacidade emotiva, física e emocional. Porém, estas famílias não vergam e nem viram, nunca, a cara a luta. Cada dia tem sido um dia, e em cada sorriso infantil rebuscam das cores invisíveis dos raios solares, a energia e foco para levarem a bom porto a sua missão.

 

Ao longo da obra, entendemos o sentido primário e ético de vocação; o sentido superior de missão; a face da virtude. Pela história de Luana, essa jovem menina que agora beijou os seus dez aninhos de vida, reencontram-se estes conceitos associados a crença e a fé. Este escrito, ainda que force a leitura com os olhos embaciados, leva-nos de volta ao sentido de chamamento. Benilde e seu grupo de colegas e profissionais, aqui superiormente narrados, repõe uma espécie de despertar, refazendo o convite para ampliar o valor intrínseco de sua vida, abandonando a inércia ou a zona de conforto, abraçando, deste modo, essa causa que faz dela e delas, verdadeiramente, pessoas especiais. Ao cuidar de crianças e jovens com deficiência, elas próprias se transformam em pessoas especiais, perseguindo novos sonhos, objectivos e, na maior parte dos casos, transformando-os em realidade.

 

A deficiência perpassa a estabilidade familiar e emocional, colocando-se num plano da inserção dos portadores de deficiência, ao nível societário na estabilidade e no próprio desenvolvimento de Moçambique. Existem evidências de que pessoas com deficiência experimentam os piores resultados socioeconómicos e pobreza, se comparadas com as pessoas não deficientes e mais independentes. Todavia, apesar da magnitude desta situação, carecemos tanto de consciência, como de informação científica das reais causas ou consequências da deficiência. Não existem consensos sobre definições, nem credíveis informações, que permitam comparar, com exactidão, a incidência, distribuição e tendências da deficiência. São escassos os documentos com análises comprovadas, sobre como lidar com a deficiência e, sobretudo, sobre as respostas para abordar as necessidades das pessoas com deficiência.

 

Historicamente, as pessoas com deficiência têm, em sua maioria, sido atendidas através de soluções segregacionistas, tais como instituições de abrigo e escolas especiais. As pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação económica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação as pessoas sem deficiência. Naturalmente, isto acontece pelo facto de as pessoas com deficiência enfrentarem barreiras no acesso a serviços que muitos de nós consideram garantidos, como saúde, educação, emprego, transporte e informação. Tais dificuldades são exacerbadas nas comunidades mais pobres.

 

O relatório Mundial sobre a deficiência múltipla, de 2012, dava conta de que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo convivia com alguma forma de deficiência, dentre os quais cerca de 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis. A previsão era de que, nos próximos anos, a deficiência seria uma preocupação ainda maior, porque a sua incidência tem aumentado exponencialmente. Este aumento tem a ver com o aumento global de pessoas expostas ao risco de deficiência crónica, tal como as diabetes, doenças cardiovasculares, canceres e distúrbios mentais. A saúde humana também tem sido afectada por factores ambientais, tais como água potável e saneamento do meio, nutrição, pobreza, condições de trabalho, clima, ou até acesso a atendimento de saúde. Mas, a desigualdade tem sido das principais causas dos problemas de saúde e, por conseguinte, da deficiência.

 

Em Moçambique, estas razões encaixam na sua plenitude. Porém, existem, ainda, as causas sobrenaturais ou espirituais. Não admira que um país que continua tendo mais de metade da sua população recorrendo a tratamento fora de unidades hospitalares, socorra-se a espiritualidade para explicar o fenómeno da deficiência. Assim, a explicação mais lógica tem sido o fenómeno da reencarnação dos espíritos. Os defuntos das famílias nem sempre são tratados com a devida dignidade e, assim, eles regressam à terra para se instalarem em determinadas pessoas. Esta crença explica uma relação difícil e complexa entre as famílias e seus filhos com deficiência.

 

Existem casos de filhos com deficiência que são retirados da família para serem enviados para o campo ou para as periferias, longe do núcleo central da família. Famílias que exerçam lideranças tradicionais convivem mal com o fenómeno deficiência e imputam as culpas às suas esposas por estas ocorrências. A autora foi acusada de ter cometido adultério. Esta é uma explicação comum e despropositada, não tem nenhuma prova nem racional científico.

 

Benilde Mourana quis partilhar a narrativa da sua trajectória e desmistifica e desconstrói factos complexos da deficiência, conferindo um carácter de humanismo, simplicidade e uma bênção divina. Deus, como ente superior, determina o caminho de cada ser e sabe qual o papel que cada um de nós precisa de seguir e desempenhar na terra. Com mestria de quem quer transmitir e escrever a meio de tantos outros afazeres, ela sugere que são estas crianças e jovens que fazem e convertem a todos nós como pessoas especiais.

 

Na sua descrição sobre Luana, sua filha de quem teve uma gravidez normal, e que embora não estivesse disposta a seguir com a gravidez, ela revela que a mesma não aparentava nenhuma complicação até ao nascimento. Seguiu as recomendações médicas e fez as consultas pré-natais com a devida regularidade. Só descobriu e tomou consciência da gravidade do problema da sua Luana, depois de ter visitado diferentes médicos no país e na África do Sul e em Portugal. Portanto, um caso de doenças raras, mas, que mudou de alguma forma a sua rotina e o modo como lida com a situação. Por isso, estas páginas pincelam essa angústia, mas, e sobretudo, a certeza de que o mundo foi feito para todos e, cada um a seu tempo, seguirá trazendo felicidade ou infelicidade para os que acreditam e para os menos crentes.

 

Esta narrativa nos transporta para outras facetas e para a essência de uma trajectória que faz questão de não esconder ao mundo. Fá-lo com orgulho e com uma capacidade de escrever e expurgar a dor. Exorcizar os fantasmas e colocar a divindade no centro do destino e da criação humana. Porém, tem sido claro que a maioria das pessoas com deficiência no mundo, tem extrema dificuldade até mesmo para sobreviver a cada dia, quanto mais para ter uma vida produtiva e de realização pessoal. Enquanto, algumas poucas pessoas, pelo mundo, tem a sorte de ter apoios e recursos para viver uma vida que vale a pena, a autora não tem perspectiva de que o seu pequeno espaço possa beneficiar de meios eficazes para levar a bom termo o seu trabalho. Mas, ela encontra algo bem mais significativo e importante: a superação, o apoio dos amigos e uma legião de pessoas que abraçam a causa da cidadania.

 

Embora a autora reconheça que, nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência ganhou novos contornos e atenção, a sua obra não tem o efeito de chamada de atenção, mas o de educar e transpor o papel das barreiras físicas e sociais vis-à-vis a deficiência. Para a autora, as pessoas são vistas como deficientes pela sociedade, porém muito para lá destas incapacidades, esta uma vida, um sorriso e o amor incondicional que eles oferecem a todos sem excepção. Portanto ela apela a uma abordagem conceptual mais equilibrada, que deveria dar mais ênfase ao enquadramento social, dos que propriamente ao estado físico.

 

A autora tem o mérito de explicar, de forma simples, que a deficiência afecta seja a criança recém-nascida com uma condição congénita, tal como paralisia cerebral, como também afectaria vítimas de acidentes, de guerra, pessoas que sofrem de artrite ou alguém que passa por algum infortúnio, que sofra de demência, de entre muitas outras causas. Um enxoval em cadeira de rodas como sugere o título. Quando terminar esta leitura entenderá que os problemas de saúde podem ser visíveis ou invisíveis, temporários ou de longo prazo, estáticos, episódicos ou em degeneração, dolorosos ou inconsequentes. No final estas crianças, como a sua Luana, natalina, e as dezenas de Luanas, que estão sob seus cuidados nem sequer se consideram pessoas com deficiência ou enfermas, são os seres que nos fazem especiais. (X)