Desponta o interesse pelo início das funções de governação (ministerial e afins) a propósito das actuais romarias mediáticas de auscultação, ditas de conhecimento do terreno, por parte de alguns dos governantes. Não são os primeiros que assim procedem, mas espero que sejam os últimos, pois tal procedimento só aumenta o coro das lamentações e o tamanho das promessas, abrindo espaço para uma, e na certa, avaliação negativa do desempenho face aos resultados e metas, ora empolados por declarações típicas de uma campanha eleitoral.
O fundamental: urge uma outra forma e profícua para o início de funções governativas. Mas antes, talvez a mudança comece pelos critérios de indicação de governantes. Por exemplo, para o actual elenco ter-se-á perguntado se cada governante reunia as qualidades requeridas para os desafios do sector em pauta? A base da pergunta e a resposta pressupõem existir um conhecimento prévio do sector, o que aniquila – para ser mais claro – com a necessidade de visitas de auscultação em início de mandato. Uma vez definido o perfil do cargo, segue a consulta aos potenciais candidatos, recaindo a escolha no que tiver dado mais garantias, tomando este, já empossado, o seu tempo e talento a analisar a papelada do sector. Depois, e do que lhe cabe fazer, enquanto instituição, vê o que existe e falta, e se existe, como reforçar, e se falta, que alternativas existem, articulando, obviamente, com outros e afins sectores do executivo. O exercício culmina com um relatório onde o governante descreve como pensa executar, e com sucesso, as suas funções durante o mandato.
Em seguida, e numa audiência solicitada ao Presidente da República (PR), apresenta e defende as suas ideias, obtendo deste a concordância e a promessa de que terá o seu total apoio. E caso assim não seja, a visita pode ser aproveitada para rogar-lhe que indique uma outra pessoa. Em caso de continuidade, e já com total conhecimento da profundidade do mar versus o calado requerido, efectua as visitas ao sector para partilhar como pensa levar o navio à bom porto. Em cada visita, dependendo da instituição, é importante que o governante se faça acompanhado do respectivo dossiê e de quadros com a devida sensibilidade, alargando o leque a outras pessoas de valia técnica e estratégica quer no activo ou na reforma quer públicos ou privados. fazer frente
No final das visitas, o governante elabora um plano/relatório definitivo de seguimento, incorporando as respectivas adaptações e apesenta-o em reunião do Conselho Coordenador (CC) que conte, fora o próprio sector, com outras instituições relevantes, entre públicas e privada. Depois do CC é que o governante começa de facto (e sem gravata) a sua função, assegurando assim alguma legitimidade, confiança e a mobilização dos que fazem parte e que também interagem no sector. Não sei o tempo para este exercício, mas acredito, e seria óptimo, que fosse em menos de seis meses e de intenso trabalho. Depois e na primeira visita do PR às províncias, este participaria em alguns eventos que testemunhassem avanços, como por exemplo, a assinatura de alguns acordos para a viabilização de determinados projectos, poupando ao PR, em tempos de início de governação, de uma segunda campanha eleitoral.
Dito o essencial, termino com o Secretario de Estado do Desporto (SED): se o que o SED tem feito - visitas de auscultação e anúncio de intenções – o faça por obrigação protocolar de início de governação não me resta mais nada que o perdoar e pedir que faça um trabalho de lobby e advocacia intragovernamental para que assim não seja no futuro. E se for por iniciativa própria, perdoo-o na mesma e peço que o SED pergunte ao timoneiro do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural como ele consegue fazer diferente. O recurso ao SED foi apenas para mediatizar a mensagem do texto, atendendo ao facto do SED, Gilberto Mendes, ser a mais antiga e popular figura pública de toda a máquina executiva e ao leme de um sector que se lida com multidões e emoções da pátria. Duvido que perca o lugar de SED por conta disso.
É comum ouvir de que Moçambique herdou um Estado atrasado e que a culpa fora o azar de o seu colonizador (Portugal) também sê-lo e assim ter obstruído o desenvolvimento. Nesta visão subjaz a ideia de alguma pena em não se ter explorado ainda mais o país e por mais tempo, porventura desde a chegada de Vasco da Gama, em 1498, e não apenas com a ocupação efectiva nos últimos 72 anos da colonização. Para esta visão, a alternativa que traria desenvolvimento é a de um colonizador rico/desenvolvido (Inglaterra). Assim não foi e ao que parece paira alguma mágoa em não ser a língua inglesa, a oficial de Moçambique.
Em 1975, o facto de Moçambique ter herdado um território com o seu potencial ainda por explorar é visto como fatalidade e não como a oportunidade que o país teve para afirmar, e de raiz, um rumo autóctone do seu desenvolvimento. Aliás, no discurso presidencial do passado dia 25 de Junho, a data da independência, os ganhos reivindicados soam trabalho porque o ponto de partida estava bem próximo de zero e o ponto menos próximo de zero não teve a devida continuidade, mesmo que em moldes diferentes, fora devastado. Ademais, a trabalheira de “Escangalhar o Aparelho do Estado Colonial”, caso este fosse o de um país desenvolvido, eventualmente, e nos tempos que correm, ainda seria uma árdua e soberana tarefa.
Do exposto, transcorridos 45 anos da independência nacional, depreende-se que a inferência de que o actual atraso de Moçambique é por culpa do atraso de Portugal é equivalente a de que o país seria uma forte e pujante economia caso Portugal, à época da colonização, tivesse o poderio da Inglaterra, ou este o colonizador, ficando a dúvida se a sorte de Moçambique seria bem diferente e melhor que a do grosso das independentes colónias inglesas, em particular as de África. Todavia, acredito que seja um lapso a leitura de que a colonização é boa desde que sob a égide de um colonizador rico/desenvolvido e de que na sua retirada, deixe desenvolvimento e não o atraso do colonizado. E também acredito, que já é tempo do atraso de Moçambique assumir uma outra paternidade.
PS: Em uma das suas visitas à Moçambique e antes de ocupar a presidência portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, falando da passagem afectuosa do seu pai por Moçambique, na qualidade de Governador-geral, fez um comentário que mereceu, na altura, um raspanete, salvo erro do “Bula-Bula” (a última página do Jornal Domingo). “O meu pai foi um colonialista bom”, cito o comentário de memória. “Como se o colonialismo fosse algo bom”, cito, e também de memória, o dito raspanete.
A “Política do Manípulo” é uma das formas de pressão que é utilizada entre nações, e não só, de modo a prevalecer os superiores interesses de quem a recorre. A Rússia é o exemplo paradigmático, aplicando-a com o contrato de fornecimento de gás no seu relacionamento tenso com a Ucrânia. Por cá, ela não é estranha e baste que se lembre da empresa EDM (Electricidade de Moçambique), sobretudo quando o assunto é a manutenção de equipamento, o de clientes com facturas atrasadas, e também, e é recente, em casos incomuns como foi o de um jovem que escalara (por amor?), na Matola, uma das torres de transporte de energia.
Do intróito está claro de que ficar “às escuras” e por força da “Política do Manípulo” é também uma forma de resolução de problemas. E se ainda sobra alguma dúvida, notadamente em relação a sua eficácia, reforço a aclaração com mais dois exemplos, sendo um desportivo e outro eleitoral. No desporto, e cito o basquetebol, quem não se lembra de algumas das suas noites memoráveis às custas do recurso ao manípulo do quadro eléctrico do Pavilhão do Maxaquene e, creio, em algum momento, o da EDM. Nas eleições, particularmente na contagem de votos, consta a ocorrência sincrónica do milagre da multiplicação, e de invejar à Jesus Cristo, com o corte cirúrgico no fornecimento de electricidade.
Contudo, o recurso à “Política do Manípulo”, embora pareça sólida, nem sempre é a solução acertada para os problemas. Assim é, e há mais de três meses, com a pandemia da Covid-19. Sucede que depois que fora accionada a posição “OFF” do manípulo, não se acautelara um conjunto de procedimentos – os ditos esforços nesse sentido -, que propiciassem uma resposta adequada e equilibrada aos problemas que determinaram o apagão, e de que só depois é que se accionaria a posição “ON”. Com o desespero à vista e havendo a necessidade de libertar alguma energia para certas áreas, o Presidente da República, no quadro da 3ª prorrogação do estado de emergência, accionou o manípulo geral, deixando alguns disjuntores na responsabilidade dos timoneiros das respectivas áreas. E aqui, em algumas das áreas, e de tanta escuridão, já ninguém sabe onde localizá-los ou de quem é a responsabilidade por accioná-los e nas condições que se acharem criadas.
Em suma, a fechar, fica o alerta de que trilhar pela “Política do Manípulo”, consciente ou não, nem sempre resulta e o seu recurso, mormente no processo de governação, fora caro, é para quem pode e não para quem quer. Por enquanto, a avaliar o acalorado debate sobre o regresso ou não às aulas, resta-me apenas apelar à calma que a procissão ainda vai no adro.
P.S: A propósito do recurso à “Política do Manípulo”: nos tempos do “Apartheid” na África do Sul e da “Guerra dos 16 anos” em Moçambique, enquanto a EDM emitia “Avisos de Corte” aos seus clientes devedores, a África do Sul fazia “Cortes de Aviso” no fornecimento de energia à Maputo. Tenho de memória esta situação e creio que mereceu, na altura, uma carta do leitor.
“O Moçambicano é laborioso e tem capacidade para assegurar para si e para os seus dependentes um conjunto de condições básicas mínimas para a sua subsistência e bem estar , o que lhe falta é a oportunidade para o realizar (RAP, 2004:7)”. A citação é uma fotografia histórica da normalidade de Moçambique. Uma normalidade caracterizada pela luta diária do cidadão, famílias, associações e de empresas, e pela dificuldade e/ou impossibilidade do Estado em prover “o acesso às condições que lhes permitam satisfazer as suas necessidades básicas e perspectivar o seu crescimento e desenvolvimento no mais breve período de tempo possível (RAP, 2004:25) ”. Estes trechos - do Relatório Anual da Pobreza (RAP/2004), coligido pelo Grupo G20, um fórum da sociedade civil moçambicana -, tomaram a minha memória/consciência por conta de uma outra fotografia: a da actual anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19.
Por acaso já teve a oportunidade de ver uma fotografia da nossa (a)normalidade? Depois do discurso do Presidente da República (PR), o da 3ª prorrogação do estado de emergência, encontrei uma, mas referente a realidade portuguesa. Foi numa leitura de uma crónica de João Miguel Tavares, Jornalista português, que à dada altura, e citando uma outra pessoa, dizia mais ou menos o seguinte: “Na reacção à epidemia, a única coisa bem-sucedida foi aquilo em que era preciso não trabalhar. Em tudo aquilo em que seria preciso trabalhar, falhou-se.” A partida, ocorreu-me que já vira uma fotografia semelhante, mas com alguma diferença e a retratar a Pérola do Índico. A diferença foi a falha em tudo: no que era preciso não trabalhar e no que seria preciso trabalhar. E esta é a fotografia responsável, conforme a justificativa presidencial, pela 3ª prorrogação do estado de emergência, pois, o país, no domínio do que era preciso não trabalhar, falhou como foi o caso da medida do confinamento. No que respeita ao que seria preciso trabalhar, o país também falhou, tomando de exemplo os sectores sociais (educação) e económicos (indústria, comércio e serviços), sobretudo no que tange a medidas que permitissem o seu funcionamento e com uma certa normalidade e em segurança.
Contudo, nem tudo está perdido. Existem sinais positivos que contrariam a onda e o exemplo vem do comércio informal vis-à-vis autoridades públicas, lê-se Município de Maputo. Os vendedores informais, e fazendo jus da qualidade laboriosa dos moçambicanos e dos imperativos de sobrevivência, não se confinaram perante os riscos da pandemia e pressionaram que a sua actividade não fosse encerrada. Por sua vez, e diante dos riscos e fazendo jus do seu papel de provedor das condições necessárias, o Município encetou uma ofensiva de organização dos mercados informais, adaptando-os aos ditames da pandemia cujo grosso das medidas não passa de pura urbanidade. No lugar de fechar, o Município optou por organizar os mercados informais para que a sua actividade decorresse em melhores condições sanitárias e em segurança. E este é um exemplo, nosso e local, de resposta aos problemas e desafios, tanto em relação aos dos tempos da dita anormalidade quanto, em parte, aos da suposta normalidade. Agora a pergunta: e nos restantes sectores? O da educação, por exemplo, fora continuar encerrado, não é possível algo de diferente e funcional?
Em reacção da decisão do PR, a do regresso faseado do ensino, algumas vozes já se levantaram contra, registando, a propósito, de que o contrário - pressionar o regresso às aulas -, nunca foi posto à mesa, fora, e para o ensino privado, a questão do pagamento ou não de propinas. O argumento do não regresso é o de que o país não está ainda preparado. Sobre isto, e com todo o respeito, pergunto se em algum momento o país já esteve preparado? E o que nos leva a cruzar os braços na educação e a levantá-los no comércio informal? Certamente que a resposta será a de que no comércio informal são adultos e na educação é diferente (ou indiferente?) porque são crianças, no caso dos subsistemas mais abaixo. O que é (in)diferente é o facto de não se estar a capitalizar a pandemia – que veio de repente e pelos vistos não partirá de repente e nem tão já –, no sentido de operar as mudanças e melhorarias que se impõem no sector da educação e afins ao seu funcionamento. Assim sinaliza ou acontece(u) com o comércio informal no Município de Maputo e um pouco por outras partes do país, o que me impele a defender de que a saída passe por se pensar em que termos e condições podem ser ponderadas e sempre reavaliadas o regresso às aulas, e de que é esta a pauta do debate e não, necessariamente, a do fecho definitivo do ano lectivo.
Neste contexto, o cruzar de braços, o que contraria com a laboriosa particularidade dos moçambicanos, cola com a nossa fotografia da (a)normalidade, a referente a 3ª prorrogação do estado de emergência, decorrente ou não da Covid-19, mas, porventura, também decorra de uma outra pandemia, a da apatia em pensar e fazer diferente. Felizmente, esta última, embora preocupante, o seu contágio é facultativo. Para terminar, quero acreditar de que os defensores do NÃO, quer o do regresso às aulas quer o do fim ou alívio de outras proibições e restrições, e em segurança, não estejam a pensar que o SIM, em particular o do regresso às aulas, só será possível com o fim da pandemia. E por acaso: quando é que será o fim da pandemia?
Dentro do espírito sugerido no texto passado (Por uma “Nova Pérola” no discurso de Nyusi), abaixo as palavras do que seria a última parte do discurso presidencial por ocasião do 45º aniversário da independência nacional. Assim, depois do que foi o foco do discurso – uma retrospectiva sobre os ganhos dos 45 anos, os principais problemas e desafios ultrapassados e dos ainda pendentes - o mesmo seguiria nos seguintes termos:
“Caros moçambicanos e moçambicanas
Tenho a plena consciência de que não terei sido a vossa escolha unânime. Tenho ainda a consciência de que a minha eleição para o cargo de Presidentes da República decorreu num processo eleitoral caracterizado por algumas zonas de penumbra, historicamente recorrentes e que, na sequência, corroí e reduz a confiança do povo em todo o edifício democrático do Estado moçambicano e na sua capacidade de solucionar os problemas do país. Não me orgulha e até inquieta-me ser rotulado de um presidente eleito em condições de desconfiança. E por sentir na pele essa condição, que não auguro para o meu sucessor, gostaria de que em conjunto empenhássemos esforços para credibilizar e estabilizar o nosso sistema eleitoral que, a meu ver, é uma condição essencial para o sucesso da nossa jovem democracia e do nosso futuro como um Estado próspero e de direito.
Tenho também a plena consciência de que não respondi cabalmente às vossas expectativas aquando do meu primeiro discurso de tomada de posse. Por extensão, reconheço que no meu 1º mandato não tive o engenho e o discernimento necessários e à altura dos problemas e desafios que se impunham ao país. Reconheço ainda que não me fiz acompanhar com o que de melhor o país dispõe em termos de quadros e talentos nacionais, na sua maioria, produtos dos ganhos do período pós-independência, anteriormente relatados, embora entenda de que as boas ideias não têm cores partidárias. No presente mandato, iniciado em Janeiro passado, eventualmente não tenha também correspondido na formação do elenco que me acompanha.
Não obstante, estou hoje, mais do que nunca, ciente de que urge mudar o curso da nossa História de governação. E diante de nós, o presente e o futuro, são as variáveis de tempo sobre as quais ainda podemos alterar o seu curso. O passado, apenas nos servirá de conselheiro. Assim, e agora, preocupa-me sobre o que devemos fazer para que o amanhã seja risonho para cada um de nós e para as próximas gerações. Os tempos que correm, certamente que não são dos melhores, mas os que se aproximam, e por conta do que será a nossa árdua e titânica entrega na luta diária, podem ser transformados em melhores. E se me escutam é sinal de que ainda existe uma réstia de força e esperança, e rogo, por isso, que não vacilemos perante as tempestades do percurso assim como o fizeram os moçambicanos e moçambicanas que resistiram e lutaram, de diferentes formas, até que a independência, a que hoje celebramos, fosse alcançada.
Meus compatriotas,
O tempo urge. E por hoje não tomarei mais do vosso precioso tempo que tanto escasseia quanto os bens e serviços de que necessitamos para a nossa sobrevivência. Todavia, gostaria de tomar a vossa atenção para expressar, do fundo do meu coração, as minhas sinceras desculpas por não ter, até então, contribuído o suficiente para que hoje celebrássemos a independência de um Estado que todos almejamos ou, no mínimo, que estivéssemos nessa direcção. E nesse sentido, o de criação de um Estado que espelhe o conjunto dos nossos sonhos, e na minha qualidade de Presidente da República convoco a todos os moçambicanos e moçambicanas, do Rovuma ao Maputo e na diáspora, a reflectirmos sobre o caminho que se deve seguir no futuro, e em particular, nos próximos cinco anos, de modo a celebrarmos, em 2025, o quinquagésimo aniversário da independência nacional em condições melhores e num quadro em que na diversidade, e de uma vez por todas, possamos caminhar em terra firme, em paz e em contínuo desenvolvimento.
Neste contexto, e partindo do princípio de que as boas ideias não têm cores partidárias, nomearei uma Comissão Nacional de Consensos com o objectivo de apresentar-me, em três meses, uma proposta que levarei ao vosso conhecimento e debate público e dele iniciarmos, ainda este ano, uma nova caminhada sob o manto do brilho do sol de Junho e pedra a pedra construindo o novo dia. Bem hajam e muito obrigado!”
Nestas palavras, ou no espírito delas, penso que o Presidente da República (PR) teria inaugurado uma nova era de governação democrática em Moçambique, lançando as bases do que denominara de “Nova Pérola” (do índico), a ideia de um outro e novo Moçambique, construído a partir de um pacto que decorre do resgaste e actualização de inúmeras e anteriores propostas de ideias e planos e com o diferencial de que desta vez o PR, em exercício, levá-lo-á avante. Assim não foi o discurso, mas nada está perdido, desde que o PR, em próximas comunicações à nação, assim o faça e ainda, no mandato, a sua materialização ou, no mínimo, as condições para tal, tendo, por exemplo, o combate à pandemia da Covid-19 e os seus efeitos bem como a celebração dos 50 anos da independência, em 2025, como factores adicionais de incentivo e mobilização da sociedade.
Concluindo, é sabido que fazer diferente e mudar o país dá muito trabalho e trabalho que não acaba, mas o contrário, se nada for feito e de extraordinário, o país inaugurará e caminhará num novo ciclo de 50 anos com os habituais fantasmas da culpa - quer os do passado colonial quer os dos anos do período posterior à independência -, arriscando, seguramente, que as próximas gerações não se orgulhem das que as precederam, incluindo a que trouxe, há quase meio século, a independência.
Amanhã, 25 de Junho de 2020, o Estado moçambicano completará 45 anos de independência. Na data o Presidente da República (PR) Filipe Jacinto Nyusi, o 4º do jovem Estado moçambicano, fará o seu habitual discurso de ocasião e desta vez num contexto agravado de problemas e de enormes desafios sociais, humanos, económicos e políticos, fora os de ordem mundial. O que dirá de novo o PR que não tenha dito até ao momento, sobretudo num ano, ainda a meio e a meio gás, em que ele e por várias vezes já se dirigiu à nação, entre outros, por conta da pandemia da Covid-19. Por acaso, o discurso de amanhã antecede a um outro a ser feito no âmbito do términus, a 29 de Junho, da segunda prorrogação do estado de emergência cujo seguimento começa a gerar alguma ansiedade na sociedade, mormente por força do aumento dos casos positivos de Covid-19 e da sua forma de contágio comunitária em algumas regiões do país.
A História prova de que é em tempos difíceis – e o país vive esses tempos – que brotam os grandes líderes que fazem a diferença, convocando, com o seu perfil e projecto político, a população para as mudanças requeridas e por melhores dias. Foi assim com Franklin Delano Roosevelt, 32º presidente dos Estados Unidos da América (EUA), diante da crise dos anos 20/30 do século XX. Nessa altura, concretamente em 1936, Roosevelt proferiu um discurso no dia 27 de Junho cuja dimensão e repercussão agradecem a transformação social e económica dos EUA. Nesse discurso e diante da crise enfrentada pelos EUA, Roosevelt, plenamente consciente da sua responsabilidade perante a história e o povo americano – que o confiara para um mandato extraordinário - não hesitara em iniciar uma nova política - o New Deal - na qual buscaria as soluções para combater a crise num percurso de avanços e recuos.
É este espírito e vontade que espero amanhã nas palavras de Filipe Nyusi e que elas no futuro também sejam recordadas como as que geraram mudanças e as condições adequadas para que Moçambique enfrentasse os problemas e os desafios de cada época e em que cada moçambicano usufruísse uma vida de acordo com padrões aceitáveis para a satisfação das suas aspirações. Dito e feito nesta perspectiva, acredito que o PR, no final do seu mandato, não recorrerá aos mesmos problemas e desafios como uma pauta de desculpas para que nada tivesse sido feito. Na verdade eles constituem uma oportunidade para que o PR deixe a sua marca de liderança e um rumo em que o país possa avançar em terra firme. E por mais que não os supere (os problemas e os desafios), em todo ou em parte, mas que ao menos fique a coragem, a necessária e em dose dupla, de os ter enfrentado de peito aberto, incluindo as resiliências de ordem partidária, de grupos de interesses ou de outra índole o que é normal num processo de mudanças.
Por outras palavras, esta é uma oportunidade para o PR fazer diferente, sobretudo num ano em que se celebra o centésimo aniversário natalício de Eduardo Mondlane, o arquitecto da unidade nacional. Uma outra oportunidade, e desta com um potencial de energia e entusiasmo como o de 25 de Junho de 1975, só em 2025 por ocasião da passagem do quinquagésimo aniversário da independência de Moçambique. Até lá, e já com uma outra liderança, ter-se-á perdido muito tempo e este tem o péssimo hábito de não favorecer quem esteja atrasado e por culpa própria. Em tempos que correm, e de crise, antecipar, é emancipar. Por enquanto, a fechar, vou aguardando expectante pelo discurso presidencial de amanhã, 25 de Junho de 2020, cujo enfoque e alcance político espero que resulte uma “Nova Pérola”, a de um outro e novo Moçambique.
Em um dos dias do final de semana vi, à hora do telejornal, no canal STV, passe a publicidade, um vídeo de uma intervenção (em Londres) de Eduardo Mondlane, o 1º Presidente da FRELIMO, dado como o arquitecto da unidade nacional. Na mesma notícia também passou excertos de uma entrevista de Mondlane. No mesmo dia e no programa “Pontos de Vistas”, do mesmo canal, um dos painelitas (Silvério Ronguane, académico e deputado da AR) falou de Mondlane para além do que se está habituado. Na sexta ou quinta passada, ainda no mesmo canal, o filósofo Severino Ngoenha, debruçara sobre um outro Mondlane. Deste académico, caiu no meu whtasapp, uma sua entrevista, creio que a parte escrita que passara na TV, na qual ele confessa o seu fascínio por um outro (escondido) Mondlane e que em breve irá apresentá-lo (em livro) aos moçambicanos. Dias antes , vira no Programa “Quinta à noite”, da televisão pública, a TVM, um outro académico , cujo nome não pude fixar, a referir que urge saber mais de Mondlane, em particular das suas lições e reflexões enquanto professor universitário nos Estados Unidos da América. Estes são alguns exemplos e que constituem uma lufada de ar fresco sobre as ideias de Eduardo Mondlane.
No meu último texto (Luther King falou, Mondlane ainda) voltara a reclamar da presença (da voz) de Mondlane em público, sobretudo, e não só, nos momentos de exaltação do seu papel na construção do Esatdo moçambicano. No final de semana, embora de raspão/timidamente, finalmente Mondlane apareceu. Foi algo, e por empréstimo da linguagem do futebol, como lança-lo para o jogo no período de compensação e assim, com o seu talento, mudar o rumo da partida no tempo regulamentar. Neste, e um pouco por toda a imprensa e depoimentos, o foco, para além do habitual sobre os ideias de unidade de Mondlane, a velha necessidade da sua divulgação. No dito período de compensação, fora o perfume da fala de Mondlane, registar, para o caso do presente texto, a mudança do título ( e do conteúdo) que passou de “Centenário de Mondlane - Um aniversário sem o aniversariante” para o “Olá Mondlane”. O “Olá” como a tradução da sensação do momento em que alguém, estando num elevador, que iniciara a subida e com a porta a fechar, ouve/vê Mondlane a passar, às pressas, pelo corredor. Um instante, curto e rápido, mas o suficiente para um “Olá Mondlane!”.
Espero que em próximas ocasiões, cada moçambicano depare com Eduardo Mondlane dentro do elevador e a caminho do seu encontro no futuro, pois, e tal como afirma o filósofo Severino Ngoenha, na entrevista retro mencionada, “Mondlane não esteve na primeira República, Mondlane não esteve em 1975 quando nos proclamamos Estado Socialista, mas Mondlane não esteve em 1992 quando assinamos os acordos de paz e nos encaminhamos para uma República Pluralista. Na senda daquilo que chamei a Terceira via, Mondlane não está atrás de nós, nos 50 anos da sua morte e no Centenário do seu nascimento, mas me parece alguém que está em frente de nós a nossa espera para que quando nós estivermos prontos como país, como povo e como nação vamos iniciar a intimar um diálogo necessário com ele, com seu pensamento e suas ideias”. Esse diálogo/futuro urge e, quiçá, a recente aparição pública de Mondlane, no seu centenário natalício, fique registado como o ponto de (re)partida.
PS1: PS2: O 25 de Junho, o dia da independência, está à porta. É normal nessa data as televisões e as rádios passarem a leitura da declaração de independência feita por Samora Machel, o 1º Presidente de Moçambique. Se não for nessa data, o da Independência, provavelmente em Setembro, o mês do início da luta armada, seria interessante que o áudio ou o vídeo, caso exista, da declaração do início da luta, que conduziu Moçambique à Independência, também fosse passada.
PS2: Na esteira da necessidade de ouvir Mondlane e em conversa com um amigo, a propósito da comparação que Severino Ngoenha, na dita entrevista, fizera de Mondlane com o Amílcar Cabral, o pai das independências de Cabo Verde e Guiné-Bissau, dando conta de que passa na cabeça dos moçambicanos a noção de que Amílcar Cabral tenha sido um grande intelectual e que Mondlane não fora. Para Ngoenha tal noção é impelida pelo facto de Cabo Verde e Guiné-Bissau realizaram, há mais de 30 anos, congressos a volta de Amílcar Cabral e que Moçambique, nesses anos, apenas fez o contrário com Mondlane, escondendo um grande intelectual. O meu amigo corroborou e enfatizou que até já ouvira discursos de Amílcar Cabral, incluindo os da passagem de ano, e de que de Mondlane nunca ouvira. Na sua comparação, o amigo ainda disse que se sentiu diminuto quando, numa das suas visitas a Cabo Verde, visitara a Sala-Museu sobre Amílcar Cabral que é um autêntico arquivo-vivo sobre a vida e obra de Amílcar Cabral. No final da conversa ficamos com a seguinte interrogação-proposta: E porque não um Sala-Museu sobre Eduardo Mondlane? A Universidade Eduardo Mondlane até que podia tomar a vanguarda nesse empreendimento.
Num texto recente (Eduardo Mondlane. Um arquitecto mudo e de costas para o povo?) reclamei, mais um vez, de que o 1º presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane (1920-1969), precisava de se dirigir ao povo moçambicano. Aliás, uma reclamação de há 6/7 anos quando fi-la num outro texto (Pai, Mondlane não fala?). Nos dois textos, fora a reclamação, sugiro que nos festejos por ocasião de celebrações de Mondlane, FRELIMO e da independência de Moçambique, para citar algumas, as instituições de direito, o Governo em particular, deviam brindar o povo moçambicano com a voz de Eduardo Mondlane, o arquitecto da unidade nacional, quer através de vídeos e áudios quer por via de escritos de entrevistas, discursos e de outras intervenções. No último texto ainda pedi ao partido FRELIMO que fizesse jus a uma das suas marcas: a valorização da tradição e dos bons costumes.
O Martin Luther King Jr. (1929-1968) foi um pastor protestante e um dos principais líderes afro-americanos de luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos da América (EUA). Com esta grande figura tenho o grato privilégio e o orgulho de partilhar a data de aniversário e tudo que é inerente a um capricorniano. Há dias fiquei ainda mais orgulhoso: vi e ouvi o meu homólogo aniversariante a responder a uma pergunta sobre as causas que possam explicar porque razão os afro-americanos enfrentam tanta dificuldade para poderem progredir nos EUA. Na verdade a pergunta foi dirigida a Fareed Rafiq Zakaria, escritor e jornalista norte-americano, no seu programa de TV “Fareed Zakaria GPS”, a propósito dos recentes ( e em curso) acontecimentos de foro racial nos EUA. Para responder Zakaria recorreu a um vídeo de uma entrevista dada por Luther King em 1967. No final do vídeo Zakaria disse que fazia de suas as palavras de Luther King.
Voltando a Mondlane: a data (20 de Junho) do seu centésimo aniversário está próxima e será celebrada num contexto em que a sua grande obra – a unidade nacional – vive tempos difíceis e carecendo de uma intervenção de vulto. Para o efeito nada melhor que a do próprio arquitecto. Aliás um procedimento que devia ser normal para trabalhos regulares de manutenção. Mas pelo o que tenho acompanhado na imprensa, até agora o arquitecto da unidade nacional ainda não foi chamado. Os trabalhos de manutenção da sua grandiosa obra está, e como sempre, à cargo de intermediários. Contudo, ainda não desisti. Irei aguardar até ao dia 20 de Junho. Quem sabe se até lá alguém de direito faça o mesmo que Fareed Zakaria.
Um destes dias de (iso)lamentos dei por mim e estava na colonial Major Araújo, a actual Rua de Bagamoyo. A propósito: sempre quis saber a racionalidade em terem levado o nome (Bagamoyo) de um centro de treinamento político-militar da FRELIMO, na Tanzânia, e outorgado a uma rua cuja actividade-mor, também mental, física e com um intento libertador, fora combatida nos primeiros anos da independência. Voltando. Não me lembro da hora mas a noite estava acolhedora e um pouco mais fria e vazia comparando-a, no mesmo período, com a da minha última visita no ano passado. Na verdade, a da minha expedição (inconclusiva) levado pela curiosidade de um misterioso “bigodinho”: a especialidade de uma esbelta trigueira que em tempos, em troca, depenara o bolso e o físico de um amigo. Aliás, na minha dita expedição, também fora uma vítima dessa especialidade.
O frio e o vazio da rua não me faziam mossa até que de rompante uma moça dera por mim e no lugar da pergunta sobre o que eu procurava, acenou com a mão um sumptuoso “Discovery” - o Vaivém americano de viagens espaciais. Agradeci a gentileza e acenei-a de que estava bem em terra firme até porque a minha estadia, por aquelas bandas, ainda era desconhecida. Pelo menos até ao momento em que entrei numa das casas de pasto. Aí compreendi porque estava na Major. Já no interior, observado todo o protocolo de higienização, recebi a minha bebida mais-querida e um invólucro com uma palhinha acoplada numa máscara. Em seguida sentei-me na primeira cadeira disponível e saquei do casaco um charuto cubano que um amigo oferecera-me para os dias de quarentena. Em pose aristocrática, a fumaça brotava de mim tal armadilha para atrair o que de melhor a noite, ainda fedelha, oferecia.
Para os padrões da nova normalidade a casa estava apinhada e não passava despercebida a presença jovial de um renovado e especial segmento do mercado composto por estudantes universitárias. Elas até que faziam questão de frisar esse “status”. “A culpa é do estado de emergência”. Foi o esclarecimento de um dos comparsas da noite, aludindo ao pagamento integral de propinas e de outros custos adicionais que não foram abrangidos pela suspensão das aulas no quadro das medidas para a contenção da Covid-19. O charuto e as universitárias lembraram-me o Fidel Castro, antigo presidente cubano, numa troca de palavras com um jornalista. Este, fazendo a radiografia das condições de vida em Cuba, concluiu “Que a situação em Cuba estava tão má que até as prostitutas são universitárias”. E o Fidel contradisse de que era o contrário, pois “A situação estava tão boa que até as prostitutas são universitárias”. Entre portas e para o caso em apreço, qual das opiniões encaixaria melhor? Valendo para quem acertar.
Já aconchegado soube que a falta de movimento na rua não passava de uma estratégia para desviar qualquer que fosse o mal-intencionado, incluindo o “Mahindra” da polícia que em tempos de estado de emergência granjeava amizades hostis. Quem me assegurou foi a moça do “Vaivém” que chegara de fininho para certificar se eu era um crente (de cliente) ou um “bufo”. Fiquei também a saber de que ela era uma espécie de “Oficial do Mahindra” cuja função, e única, era a de vigiar os passos do carro da polícia e de quem ambulasse por ali com propósitos não identificados. Daí o gesto do “Vaivém”. Por acaso a moça, vista de perto, não era tão merecedora da mocidade que lhe atribuíra, tanto que já exibia sinais de que a reforma estava à porta. Aproveitei, tipo ao acaso, e perguntei por uma esbelta trigueira. A musa da casa que os meus amigos, até hoje, não me perdoam – e alguns até condicionaram a retoma da amizade – supostamente por fazer segredo do misterioso “bigodinho”. Para eles não fazia sentido que eu não me lembrasse. E, de facto, tirando os sinais, à vista de todos na altura, de que fora uma vítima da esbelta trigueira.
“É dela que procuras?” A “Vaivém” nem esperou que eu a respondesse e logo, com visível inveja, fora a motivada pelo meu interesse, foi contando a da sorte que batera a porta da amiga. Confesso que também bateu-me uma pontinha de inveja. Não a da esbelta trigueira, mas a do forasteiro que a fez decolar. Nada que não fosse o habitual, por estas terras do índico, pois, há séculos, que é este o destino dos recursos desde os mais abundantes aos mais raros e debutantes. É a sina do bom hospedeiro. E nem o misterioso “bigodinho” escapara. Uma outra dose da mais-querida e mais um charuto. Enquanto acendia-o, já sem a pos(s)e do brilho, a “Vaivém”, que notara a minha tristura, chegou perto, tocou-me e disse-me que voltaria para fazer-me companhia algures. Estou ainda a espera dela. Deus queira que ao menos ela tenha ficado com os direitos do mítico e misterioso “bigodinho”.
Se as ruas pudessem votar seria bem interessante. Conheço uma rua da cidade de Maputo, que de tão oprimida, nem na oposição votaria. Essa rua, na verdade uma avenida, é a Ahmed Sékou Touré (o nome de um antigo presidente da Guiné-Conacry), a outrora e colonial Afonso de Albuquerque, o nome de um expansionista português que chegara a Governador/Vice-rei da índia portuguesa. Para quem é/foi morador ou com o local de trabalho nesta avenida não hesitaria em subscrever o presente texto, pois sabe quão a Ahmed Sékou Touré é oprimida por dentro e pelos seus pares vizinhos. Sigam-me.
A partida, as fronteiras da Av. Ahmed Sékou Touré - inicia na Av. Julius Nyerere, antigo presidente tanzaniano, e finda na Avenida da Tanzânia - significam que se está ainda em Nachingwea, o campo de treino militar da FRELIMO na Tanzânia. Logo, não se está independente na Av. Ahmed Sékou Touré. É a primeira opressão. A segunda situa-se no início da avenida e do lado esquerdo para quem dá costas à Nyerere (com todo o respeito). Trata-se de um edifício das finanças que, trocado em miúdos, é o símbolo de impostos (e quem gosta de os pagar?). Na mesma posição e do lado direito está localizada o Palácio dos Casamentos que é a terceira e sinistra (para alguns) opressão. Isto para citar, de memória, alguns exemplos.
A opressão, na Av. Ahmed Sékou Touré, não se circunscreve apenas ao local de nascimento. Existe uma outra, a que me interessa, tão presente, devastadora e sufocante em toda a sua extensão. Falo da opressão movida por duas avenidas paralelas e adjacentes. São a Eduardo Mondlane, 1º presidente da FRELIMO, e a 24 de Julho, o dia das nacionalizações. As avenidas, entre outras e ditas protocolares, por onde passa o poder, soltando ruidosas sirenes que de tanto vociferarem, dos dois lados da avenida, e vezes sem conta em simultâneo, até ameaçam, à milhas, a saúde dos tímpanos dos patronos da rua quer os do presidente guinéu, no sossego do seu túmulo, lá para as bandas de Conacry, a capital da Guiné do mesmo nome, quer os do Governador e Vice-rei da índia portuguesa que anda, suponho, perdido pelas ruas de Lisboa, a capital, por conta do desaparecimento do seu túmulo no Terramoto de Lisboa de 1755.
Dos quatro presidentes de Moçambique, o único que até agora vi a passar pela oprimida Ahmed Sékou Touré, e no exercício das suas funções, foi Armando Guebuza, o “Enfant terrible” de Samora Machel, que cortara, no sentido Este-Oeste, uma boa parte da avenida e creio, terá parado, para uma inauguração ou visita, algures próximo ao Jardim dos “Mandgermans”, o oficial Jardim da Liberdade. Em conversa com um amigo, que também vira e ligara para mim, enquanto o “momento histórico”, a passagem da comitiva presidencial pela Av. Ahmed Sékou Touré, acontecia, comentamos, na altura, de que só ele, o Guebuza, entre os três presidentes até então, compreendia a dimensão da opressão habitada na Av. Ahmed Sékou Touré. Isto porque, na era colonial, na sua trajectória nacionalista, Guebuza “vivera” numa das suas esquinas, concretamente na da funesta, e de má memória, “Vila Algarve”, uma antiga prisão da polícia política portuguesa (PIDE), hoje um edifício em ruínas.
Lembrei-me da Ahmed Sékou Touré, como uma rua oprimida, a reboque do protesto da comunidade afro-americana contra a opressão de que são vitimas, em particular da polícia estado-unidense. Na esteira do exemplo, discordando apenas do recurso à violência, sugiro aos oprimidos da Av. Ahmed Sékou Touré, os antigos e os actuais, que se organizem e movam uma acção pacífica de protesto contra o Estado. No mínimo, um abaixo-assinado e um processo judicial em que se exija o pagamento de uma choruda indeminização, entre outros, por danos na audição e com efeitos nefastos na visão.
Por ora, enquanto decorrem os preparativos organizacionais para o protesto, até que se podia colocar, junto ao murete do Palácio dos Casamentos, uma lápide inscrita “ Rua Oprimida”. É uma ideia e não sei até que ponto seria consensual na futura Associação “Rua Oprimida”. Espero, a fechar, que os da Av. Ahmed Sékou Touré, os de ontem e os de hoje, não levem a sério, e nem a brincar, o escrito neste texto.
PS: Prometera, em finais de Maio, de que só voltaria a publicar no início de Julho. A ideia era a de mostrar ao PR o meu comprometimento em ficar em casa, fisicamente e virtualmente. Ainda não cumpri, sobretudo a nível virtual. Já publiquei um texto. Agora o segundo. Um exemplo de que está difícil cumprir com as medidas do estado de emergência. Não me parece que o facto de ter sido uma das vítimas da “Rua Oprimida” (tipo já não ouço e mal enxergo) seja uma desculpa plausível.