A frase do título é atribuída a Pelé, antigo e renomado futebolista brasileiro e mundial. Faz tempo que a tomei de empréstimo para olhar a política. A mesma filosofia para uma outra frase e pertencente ao ex-Presidente americano, George Bush (filho) que a transcrevo de memória: “Um dos maiores fascínios como presidente foi a tomada de decisões e para tal, dos meus assessores, procurava saber se a decisão era legal e se era ética”. E eu acrescentaria, na assessoria, se a decisão seria aplicável, obviamente, com o devido contexto observado. E por falar em contexto, referir que estas frases levam-me ao avança e recua no que toca às decisões sobre as medidas do Estado de Emergência em Moçambique.
Por outras palavras, em miúdos, a combinação da jogada de Pelé e Bush resulta que a bola é a decisão (política), o passe é a comunicação da decisão e a recepção do passe, a sua aplicação. E nessa linha, penso que já se foram os tempos em que a qualidade da liderança mundial marcava a diferença. Os tempos em que - tal como como Pelé, no trato da bola, espalhava magia por todo o campo até ao golo – os líderes tomavam decisões depois do devido enquadramento (legal), ajustamento (ético) e garantias (aplicabilidade) de sucesso (resultados/golo). Em regra: a qualidade iniciava na partida, contagiava o caminho e alojava na chegada. Porém, a excepção não é descartada.
Em contramão, a actual geração de líderes não possui a necessária habilidade para enfrentar os problemas e os desafios que se impõem de momento. E o resultado disso – quanto ao processo de tomada de decisão, sua comunicação e a respectiva aplicação - é bem visível no estado de incerteza em que se encontra a humanidade, sobretudo com a acção da COVID-19. O mesmo para o futebol: Já não se encontra um “10” que se compare aos níveis da performance do Pelé.
Entre portas, na Pérola do Índico, um dos indicadores da deterioração da qualidade de liderança foi o recente decreto/regulamento de medidas atinentes ao Estado de Emergência (EM), que mal fora aprovado e entrara em vigor foi logo alterado. Aliás, sobre o EM, já alguém, por coincidência também EM (Elísio Macamo, académico) escrevera da trapalhada linguística na respectiva justificativa/preâmbulo no texto da lei/decreto presidencial.
Contudo, nem tudo está perdido. Vi excertos de uma entrevista televisiva do Ministro da Saúde e pareceu-me com pleno domínio da comunicação. O mesmo para a da Justiça e o vice, passando pelo pessoal da saúde que presta informes regulares sobre o estágio da pandemia em Moçambique. Entretanto, embora haja sinais de uma certa qualidade de passe/comunicação, subsiste um défice em relação a qualidade da bola/decisão que é passada, deixando dúvidas e a ponto de dificultar/atrapalhar a recepção/aplicação da bola/decisão pelos destinatários. A menos que se confie que os destinatários, quiçá de tão exímios, façam a sua parte/diferença.
Neste contexto, ainda que sem uma adequada bola (decisão/medida), mas com um bom passe (comunicação) e com uma notável ajuda dos destinatários (aplicação) é possível que o país faça bonito nos resultados, sobretudo os do combate à COVID-19. Aliás, Pelé não costurava bolas, mas fazia passes de extrema qualidade e também os recebia com a mesma ou com uma outra, distinta e superior, qualidade.
De três ou mais amigos recebi - no meu WhatsApp - a comunicação do falecimento de Elias Mabjaia (1954-2020), simplesmente Mabjaia ou Capitão Mabjaia, o temível defesa central locomotiva (Ferroviário de Maputo) dos anos oitenta, em particular. Retribui a uma das mensagens com a seguinte: “…aí vai…atenção…o remat…CORTA Mabjaia!”. De certeza que este excerto lembra um relato dos jogos de futebol das tardes de domingo na Machava (Estádio) e que até podia ter sido extraído do arquivo da Rádio Moçambique.
Essas tardes de domingo quer na Machava quer em casa, tinham o sabor dos cortes de Mabjaia e, alguns deles, na leva, o adversário. Nesta matéria - fica a bola ou ambos - a dupla com o Zabo, outro e saudoso central locomotiva - não deixava os adversários sossegados. Fora os cortes, o potente remate na marcação de livres, e à boa distância, era também a sua marca. E um dos remates, em 1981, ainda roça-me no ouvido – então infantil - o som de golo da gritaria do relatador. Foi o golo de empate (1-1), nos últimos minutos do jogo contra o Têxtil de Punguè, numa das tardes (e triste) de domingo e desta vez, no caldeirão do Chiveve, cidade Beira.
Desse jogo, a memória de que o Ferroviário devia ter ganho para assegurar o título de campeão, mas o mesmo acabou ficando com o Têxtil de Punguè. Entretanto, no ano seguinte, Mabjaia e companhia, treinados ainda por Mário Coluna, uma lenda mundial do futebol, levaram o título – o primeiro na história locomotiva do período pós-independência - para a sede do clube, na baixa da cidade de Maputo, enchendo de júbilo os seus adeptos, e destes, inclui o autor destas linhas.
Há poucos meses, vi o Mabjaia à porta (e saída em seguida) de uma unidade hoteleira e com ares de alguma aflição. Ainda sem entender o que se passara, aproximei-me do porteiro - bem jovem para a função – e perguntei-o se conhecia o senhor que saíra à pouco e o que ele queria. A resposta foi a de que não o conhecia e de que ele pedira para usar os sanitários. Em seguida, perguntei-o se conhecia o jogador Piqué do Barcelona. De forma categórica, não só, respondeu de que sim como também enumerou uma lista de outros bons e famosos defesas de gabarito mundial. No final, disse-lhe: “Acabas de impedir a entrada de um dos jogadores dessa lista, ainda que não o tenhas citado, porque, acredito, não o conheces”. E porque entendera que ele não engolira, recomendei-lhe que perguntasse ao “barman” – bem mais velho - quem era o Capitão Mabjaia.
Por coincidência, nessa mesma unidade hoteleira, vira pela última vez e pouco antes da sua morte, uma outra lenda locomotiva e nacional. Falo de Joaquim João, o também capitão e conhecido por JJ, que fora, por alguns anos, a par de Mabjaia, a dupla de centrais da defesa locomotiva. Entrelinhas e desses avistamentos, o recado: rezo para que não volte a ver ou a cruzar, na unidade hoteleira que me refiro, com nenhuma outra velha-glória do nosso futebol ou de outra modalidade. E caso aconteça, nesse dia, serei o jovem porteiro.
Com a partida de Mabjaia, a História desportiva moçambicana fica a dever - e ainda em dívida com Zabo, Joaquim João, Mário Coluna e outros tantos e grandes desportistas nacionais - as páginas doiradas do seu livro. Às famílias Mabjaia e Locomotiva, as sinceras e sentidas condolências. Saravá, Capitão Mabjaia!
O debate sobre a “Unidade Nacional” em Moçambique fora inacabado, e talvez por isso, é um assunto espinhoso, pois agita muitas sensibilidades e algumas delas altamente inflamáveis. À distância, e sem que vá à fundo, entendo a “Unidade Nacional” como o sentimento de pertença à uma nacionalidade e para o caso, a moçambicana. A realização do campeonato nacional de futebol, vulgo “Moçambola” (sobretudo nos moldes clássicos de todos contra todos), é apontado – e até nos círculos do poder - como uma das vias da consolidação da “Unidade Nacional” e desse entendimento são mobilizados fundos e mundos para assegurar a sua periódica concretização anual.
Confesso que nunca engoli que o “Moçambola” fosse (merecesse) assim tanto. E porque gosto de Basquetebol (até podia ser uma outra modalidade), sempre exigi o mesmo tratamento. A resposta é de que este desporto não movimenta massas (muita gente). Aliás, nenhuma outra modalidade desportiva no país movimenta massas como o futebol e talvez por isso, a justificação do reiterado carinho do Estado ao “Moçambola” e em detrimento das outras actividades desportivas que movimentam menos massa e assim, e já agora, com menor ou nulo potencial para contribuírem para a “Unidade Nacional”.
Neste contexto e com o impacto da pandemia COVID-19, a não realização do “Moçambola” não será uma ameaça para a “Unidade Nacional”? Por força ou não da COVID-19 a sua não realização não constitui nenhuma ameaça, pois julgo que o “Moçambola” não é e nunca foi um factor de “Unidade Nacional”. Para mim, e para citar um de tantos de índole desportivo, um exemplo de factor de unidade nacional – o sentimento de pertença a uma nacionalidade (moçambicana) – foi o gerado pela Lurdes Mutola quando conquistou a medalha olímpica de atletismo, que é, a propósito, uma modalidade que não movimenta massas no país.
Como ameaça, a COVID-19 é apenas para o “Moçambola” e não para a “Unidade Nacional”, pois, fora o uso quotidiano da máscara e outros, a COVID-19 deixará como legado da sua passagem o facto de ter desmascarado a utopia de que o “Moçambola” é um factor de “Unidade Nacional” e daí a luz verde para o assalto aos parcos recursos das empresas e do Estado. Ademais, e a ser uma ameaça, provavelmente fosse contra um outro tipo de unidade e para o caso em questão (futebol), a passional.
E a fechar, nem tanto a ver, e pelo que se consta dos meandros da bola e com uma certa naturalidade e tradição, não fica bem que o Estado insista em drenar recursos em algo conotado, entre outros, com a alta corrupção, tráfico de influências, sonegação de impostos, falsificação de documentos, lavajem de dinheiro, pancadaria, racismo e o tribalismo. Isto sim: talvez atente contra a “Unidade Nacional” e como prevenção, rezo que não falte muita água e sabão, um outro legado da COVID-19 para o “Moçambola” e não só.
O jornalista Marcelo Mosse escreveu, recentemente, algo parecido com a falta de prontidão e desorganização na resposta à emergência que a COVID-19 impõe ao país. Será que era expectável o contrário? Infelizmente, e dói ter que afirmar, uma das marcas “Made in Mozambique” e parte do ADN da Pérola do Índico é a “Última Hora”. Ou seja: deixar tudo para o fim.
E nessa linha, e à hora da refeição, um moçambicano que se preze, deixa o melhor pedaço de carne para o fim. Na escola, o trabalho de investigação é entregue no último dia e até em casos de prorrogação do prazo. Na vida adulta não se difere tanto, conforme os casos - a título de exemplo - da ida ao médico e ao posto de recenseamento eleitoral e ainda no momento de pagamentos às finanças e do manifesto automóvel. Contudo, uma excepção e de ouro: o pagamento de “comissões” (os famosos 10%) que é - sem prejuízo para o infractor - efectuado de forma antecipada.
Neste diapasão, e deveras preocupante, temo, em relação à pandemia COVID-19, que se esteja a confiar em estratégias que fazem também parte do ADN da Pérola do Índico. Uma delas e dos idos tempos infanto-juvenil é o jogo “às escondidas” em que o último escondido, desde que não tivesse sido apanhado, goza de plenos poderes para salvar os apanhados assim que tocasse o ponto da contagem de partida para o esconderijo. A outra estratégia, e das lides do futebol, é o recurso a uma “arma secreta”, que é um jogador que entra nos derradeiros momentos do jogo como a solução final para a vitória.
Dito isto, seria expectável o contrário? Ou não estarão os acontecimentos a desenrolar dentro do quadro lógico do Modus Operandi da “Última Hora” e num cenário - para agravar - em que se desconhece o último dia da acção da fulminante COVID-19. É caso para dizer que os contornos patológicos da dupla pandemia, a COVID-19 e a “Última Hora”, constituam matéria de estudo para a nossa academia, a menos que esta seja uma outra e circunscrita pandemia.
Não restam dúvidas (e nem dívidas) de que a sensação dos dias que correm, e dos que se avizinham, é de tempos de reconciliação em plena guerra. Uma guerra (mundial) que é movida pela pandemia COVID-19, cujo combate (na verdade uma fuga para o exílio) passa por ficar em casa, local, até bem pouco tempo, desconhecido para a maioria de nós, incluindo o leitor. Imagino (e não se assuste) que ainda não se tenha dado conta de que não passas de um mísero (e abastecido/luxuoso) refugiado de guerra, deitado em casa, à sombra do seu sofá.
Em casa - e na qualidade de um deslocado/refugiado - começa o primeiro acto de reconciliação. O segundo é o de reconciliação com o ambiente e o terceiro com a cidade. Sobre o primeiro acto, nas redes sociais, pululam exemplos, e alguns caricatos, como o do marido que se admira ao certificar de que a esposa, afinal, é muito boa pessoa (uma homenagem à simpatia). Em relação ao segundo acto, a imprensa reporta a melhoria da qualidade do ar que se respira, por conta do impacto da redução significativa do uso de meios de transportes motorizados. E do terceiro acto, a reconciliação com a cidade (de Maputo), é visível, por estes dias e com a ajuda do seu edil, que ela exibe, embora com alguma tristeza e incertezas à mistura, boa parte do esplendor da sua visão: "Cidade bela, limpa, segura, empreendedora e próspera".
À janela do seu exílio, conjecturo que o leitor, aliás refugiado, esteja às voltas por não poder usufruir em pleno os resultados da reconciliação. Nem o da reconciliação com a família, pois a ameaça mortífera da COVID-19 não o deixa sossegado, apertando o cerco quer pelos meios de comunicação social quer, e à espreita, por qualquer falha do dispositivo de segurança por si montado.
E por estar exilado em casa, contra a sua vontade, espero, a fechar, que não se aproveite do facto e solicite, à boa maneira moçambicana, o estatuto de refugiado para poder reivindicar fundos – em forma de subsídio ou de outra modalidade – que estejam, porventura, na carteira de projectos dos 700 milhões de dólares americanos que as autoridades do país pediram aos doadores. Do pedido e às pressas, mesmo a fechar, depreende-se que a política de mão estendida é imune ao COVID-19, mas, de certeza, uma outra e necessária reconciliação - para reflexão - em tempos de guerra.
O título é a propósito da “Carta aberta ao Senhor COVID-19” que a escrevi na semana passada. Pelos vistos, o Sr. COVID-19, o Vidinho, como o trato na carta, é igualzinho a uma riquíssima característica da Pérola do Índico, quiçá a do leitor: detém o péssimo hábito de não ouvir instruções ou o conselho de outros. E com o Vidinho entre nós, sem convite, o que está à mão, como prevenção - fora a lavagem - é permanecer imóvel no seu imóvel. Algo que não se está a levar a sério por estas bandas da varanda do Índico.
E por falar em banda, vêem-me à memória a malta de infância da zona e das brincadeiras ou jogos desse tempo. E uma vez que o Vidinho é natural da China, quis a coincidência que a prevenção – ficar no seu imóvel – lembrasse uma das brincadeiras de infância cuja origem é chinesa, que o obriga a ficar imóvel. Estou a falar do jogo “um, dois, três, macaquinho chinês”. Quem não se lembre – e pelo que se assisti, está todo o mundo com uma catedrática amnésia - que “google”.
Contudo, em respeito a urgência sanitária nacional e mundial, vai - à título de puxão de orelha - um trecho dos benefícios desse jogo infantil: “(O jogo) trabalha de forma divertida o conceito de respeitar as regras e da importância de as cumprir”. Certamente, uma boa e recomendável brincadeira didáctica para os tempos difíceis que correm e que se seguem
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Em caso de movimento contrário, não sobrará uma outra alternativa se não o outro jogo infantil - cuja origem possa ser portuguesa, fincando o pé no tom - de nome “Lá vai o alho”. Neste jogo, um grupo de meninos - denominados burros – fica em fila e curvados com a cabeça em direcção a uma parede ou árvore. O outro grupo, e um de cada vez, em corrida, pulam e aterram, o mais distante possível, nas costas de um dos curvados. A corrida e o salto são acompanhados pelo grito de guerra “Lá vai o alho”. E o que acontece no desenrolar do jogo?
Depois do salto de todos, o grupo curvado (o país) terá que suportar – às guerrinhas como na tourada - o peso do outro grupo, o de cima ( o Vidinho). Por um lado, o país a tentar sacudir o Vidinho e este, por outro lado, envidando esforços para se manter firme. A briga termina depois que se conte até 10, na verdade, 10 fatais segundos. Perde o jogo quem não cumpre as regras ou quando a equipe curvada, o país/os burros, não consiga aguentar a equipa de cima, os que (as)saltam/o Vidinho, e vice-versa.
A minha memória (e trágica), sobre as vezes em que tomei parte do “Lá vai o alho”, assevera que os curvados nem sempre respeitam as regras e muito menos aguentam o peso dos que saltam e se acomodam nas suas costas. Das raras vezes em que foi o contrário - aguentar o peso - os curvados mal se aguentavam para a troca de posição. E assim, fica o recado: Fique em casa ou “Lá vai o Vidinho”!
P(r)ezado Vidinho,
Antes demais as minhas sinceras desculpas pela intimidade e ousadia em aproximá-lo. Embora não me conheças, eu, infelizmente, conheço-te. Tenho acompanhado as tuas peripécias mortíferas pelo mundo fora. Aqui fala Moçambique. Um dos países que ainda não localizaste. Acredito que não seja nenhuma avaria do seu aparelho de localização ou que eu não conste no seu mapa. Ou ainda, porque ando em quarentena – nos anexos da humanidade - desde o meu nascimento. Estou consciente que andas pelo pátio do quintal. E sei de que tarde ou cedo estarei na tua tela. Aliás, quem sabe, enquanto escrevo estas linhas, a porta bata e me abatas. Mas antes, oiça o que tenho para dizer-te, seu patife! (não me leva a mal)
Olha Vidinho,
Espero que aterres em missão de paz. Uma missão não igual à anteriores que já desfrutei no passado. Desta vez, que seja mesmo de paz, efectiva e definitiva. Tenho esperança que assim seja, pois das tuas andanças pelo mundo deu para notar que não lhe falta seriedade – embora fulminosa – em trabalho. Ainda espero que não confundas um país hospitaleiro com um país hospedeiro. Sobretudo, que não uses e abuses da minha hospitalidade – como tantos o fizeram e o fazem - para hostilizar-me e, no final, deixar-me mais hospitalizado do que me encontro desde a tenra idade.
Vidinho,
A tosse, as febres, as dores musculares e de cabeça que anunciam a tua chegada não me são estranhas. Elas são minhas companheiras há mais de 40 anos. Destes sintomas, temo que a tosse, curiosamente a mesma tosse do SOS da minha sobrevivência, que de tão audível e com stereo, denuncie o meu endereço, um local que o mundo relegara-me e com alguma responsabilidade minha pelo meio e desde o início.
Vidinho,
De tanto hospitalizado, desenvolvi alguma resiliência ao conselho alheio e ao que se passa fora dos meus aposentos. Tenho uma forte e repelente tendência em não perceber os perigos que me rodeiam e assim agir com antecedência. Talvez padeça do Síndroma de Estocolmo: amo os que me sugam e detonam.
Vidinho,
A minha vidinha, nestes quarenta e poucos anos de quarentena, depende do pessoal do pátio e da casa grande. Boa parte dos últimos, não gostaram de certas coisitas que fiz quando deixaram-me sair para uns raios de sol no pátio. Desde então, de joelho, passei a viver deitado. Agora, e a partir dos quadradinhos do leito hospitalar, apenas vejo uma linha longínqua da esperança dos números do norte. Até lá, e nestas condições – e por minha grande culpa - não tenho peito para enfrentá-lo, logo que bateres a minha porta. Pior agora, em que o pátio e a casa grande não vão bem por conta da sua visita. Imagina a mesma visita a quem depende deles? Não venhas, “Please”!
P(r)ezado Vidinho
A terminar - adoentado e deitado nesta vasta cama do índico - encarecidamente, aqui e em todo o lado: “Peço Distras!”. Caso contrário, espero que da tua visita não tenham que inscrever na minha lápide: “Moçambique (1975-2020). Deletado por COVID-19”
Pioras para ti, seu patife!
com sinceridade
Pérola do Índico
Dei-me a pensar, a propósito da briga da última sexta-feira 13, entre o Município de Maputo e os vendedores informais, no que se tenha falhado para que a causa da briga – a pobreza – já não fosse parte da agenda do país. Desse penoso exercício, e sem grande recuo temporal, conclui que a falha foi ou começa, em 2003, com a criação e funcionamento do Observatório da Pobreza (OP), mais tarde Observatório de Desenvolvimento (OD), um espaço tripartido de escrutínio sobre a pobreza em que convergiam (ou ainda convergem) os três mosquiteiros: o Governo, os Parceiros de Cooperação e a Sociedade Civil. Do escrutínio, reza a história, era suposto que fossem desferidos duros golpes contra a pobreza.
Entendo, a partida, que houve falhas na escolha da ferramenta de combate, tanto a original (Observatório da Pobreza) como a rectificada (Observatório de Desenvolvimento). Na original, a pobreza se confundia com a nobreza, tal era o respeito, a ponto de se temer em tocá-la e tão-somente, a satisfação em observá-la. De tanta observação, acaba desabrochando numa paixão dos mosquiteiros pela pureza da pobreza. Desse momento, a observação passa para o (des) envolvimento (entre as partes). E daí, os infindáveis afectos: beijos, abraços e outras coisitas mais.
Hoje, depois de mais de uma década e meia de intenso namoro e pelos resultados, a pobreza foi quem – aparentemente - desferiu os tais duros golpes, a ponto de não existir espaço algum na cidade em que ela não esteja presente. Porque isto incomoda, creio, urge um “Pai, afaste de mim este cálice”. Como o fazer e sem magoar a relação, eis a questão.
E aqui, a terminar, volta a briga municipal da passada sexta-feira 13: pelos vistos, a briga ainda promete e cheira à uma terceira via de observatórios. Desta vez, e com a experiência dos dois anteriores, e ao que parece, não se está diante de um observatório igual, mas sim, de um crematório. Apenas fica por esclarecer, se será o da pobreza ou o de desenvolvimento. Às tantas, em 2003, por aqui devia ter sido o caminho.
Há oito de Março de 1977, no Pavilhão do Maxaquene, o Presidente Samora Machel reuniu com alunos que deveriam prosseguir com seus estudos, na 10ª e 11ª classes, e comunicou-lhes que a partir daquele momento já não tinham mais sonhos. De que em diante: “Não é aquilo que eu quero, não é aquilo que tu queres, é aquilo que nós queremos, aquilo que o povo quer”. E o dito povo, reunido dias antes, no seu III Congresso, realizado em Fevereiro de 1977, decidira que devia sacrificar o sonho destes jovens em prol dos desafios que o país enfrentava na altura. Da data, do discurso presidencial e do percurso dos jovens de então, nasceu a geração “8 de Março”.
Sobre os feitos e defeitos da decisão e da própria geração “8 de Março” muito já foi dito e escrito. De tudo apenas não se compreende uma coisa: por que carga de água a geração “8 de Março” não tomou o PODER? (não confundir tomar o Poder com servir o Poder).
No debate sobre o acesso e controle do Poder no seio do partido dominante, e não só, esta geração não é tida e nem achada e bem que poderia ser uma das alas ou grupo influente. Aliás, a sua participação e influência poderia abarcar outros quadrantes de intervenção pública nacional. Neste Domingo e por ocasião da celebração da passagem do 43º aniversário do encontro de 77, é expectável que os “oitomarcistas” tenham aproveitado para, entre outros, responderem a pergunta, sobretudo e agora que a reforma e as cobranças da consciência, batem-lhes a porta, e esta, para alguns, já se encontra escancarada.
Numa recente discussão com amigos e a propósito da pergunta, ficou patente que a geração “8 de Março” teve (porventura continua a ter) todas as condições para conquistar/exercer/controlar o PODER. Fora o denominador comum de terem sido “vítimas” do 8 de Março, os “oitomarcistas” são, na sua maioria, urbanos, com estudos, vasta experiência profissional e de governação e com uma profunda inserção em todos os sectores-chave de actividades a nível de todo o país, incluindo do partido dominante. Assim sendo, não se compreende que em matéria de Poder, a geração “8 de Março”, não tenha feito melhor que a anterior geração, a geração “25 de Setembro”. Esta , maioritariamente rural, sem estudos, sem experiência profissional e muito menos inserida em sectores-chave da máquina colonial, conquistou o Poder, exerceu-o e controla-o até aos dias que correm. Desta geração, fora a vénia, é importante que se tire dela as devidas lições em matéria de manutenção e expansão do Poder.
Numa comunicação do anterior Presidente da República (PR), Armando Guebuza, por ocasião da passagem do 27º aniversário do 8 de Março e diante de representantes da respectiva geração, disse: “Aproveito esta oportunidade para vos lançar um desafio para que se unam e se organizem (…) para transmitir às gerações mais novas a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os processos políticos e históricos do nosso país, para neles buscarem referências, exemplos e inspiração, …”. Neste trecho, o então PR faltou afirmar: “Que a geração 8 de Março transmita às gerações mais novas a necessidade e a forma de conquista e manutenção do poder de acordo com os padrões de cada época”. O PR não o tendo tido, é compreensível. Porém, é incompreensível que os destinatários da comunicação nada tenham feito para que tal fosse um dos legados a transmitir.
Nas celebrações dos 38 anos do “8 de Março”, em 2015, um representante da associação com o mesmo nome, intervindo numa sessão de auscultação à convite do actual Presidente da República, Filipe Nyuse, disse: “De nada vale dizer constantemente que nos meus tempos, nos meus tempos, quando daí em diante nos alheamos de tudo o que ocorre à nossa volta” (Jornal Noticias, 18/03/15). E uma das alheações - e bem à volta dos “oitomarcistas”- foi a de terem deixado o Poder passar.
Infelizmente, e por terem deixado o Poder passar, a história não absolverá a geração “8 de Março”. Dela, apenas o registo da prontidão na resposta ao chamamento da pátria, e a podridão na resposta ao chamamento da cidadania.
Em Moçambique, uma estrada em péssimas condições elimina a vida de um veículo e salvaguarda a dos seus ocupantes. Por sua vez, uma em boas condições e por conta de acidentes, elimina a vida de ambos, a do veículo e a dos ocupantes. Neste contexto, não sei se faz algum sentido (atenção o próximo Orçamento de Estado) pedir que o Governo melhore as condições de transitabilidade das estradas. Alinhar nessa diapasão não será o mesmo que o Governo defender a eutanásia (morte assistida) ou, no mínimo, que esteja em curso, um projecto oculto e selectivo de eliminação de certas franjas da sociedade.
O intróito vem a propósito da elevada sinistralidade nas estradas moçambicanas, em particular na N4, aqui citada apenas por razões de proximidade. Igualmente, o intróito vem a reboque do recente debate parlamentar na antiga metrópole, Portugal, referente a despenalização ou não da eutanásia.
Tenho dito, em privado, que graças a manifesta incapacidade do Governo em melhorar a qualidade das estradas que o nível de sinistralidade não é maior e a população moçambicana não é inferior aos actuais 28 milhões. A tal incapacidade ainda concorre para desestimular a compra de automóvel, contribuindo assim para um ambiente são quanto a poluição atmosférica. De per si, isto já seria o suficiente - barata e ao alcance dos moçambicanos – para se apostar como uma fórmula/estratégia rumo ao desenvolvimento sustentável. As Nações Unidas agradeceriam imenso por este contributo imensurável do país ao mundo.
Mas, infelizmente, fora melhor denominação, esse não é o entendimento. Do debate nacional sobre a sinistralidade, emergem várias soluções que recaem sobre a (i) fiscalização, a (ii) infra-estrutura e o (iii) comportamento humano. A primeira, porque à troco de alguma cifra o regulador deixa passar o infractor (automobilista). A segunda, porque a melhoria não previra um separador físico entre os dois sentidos. A terceira, porque o automobilista se fez à estrada embriagado e o peão sem respeitar as regras ou os pontos de travessia.
Dito isto, pergunto: haverá algum interesse para que assim continue? No mínimo e pelo resultado (elevada sinistralidade), a contínua insistência governamental na melhoria das estradas nacionais alimentam severas desconfianças em relação aos reais interesses do Governo. Em tese, e perante os factos, o Governo aposta os parcos recursos dos contribuintes na criação de condições para o luto das famílias dos próprios contribuintes. Um assunto para perguntar: ajudar o outro a morrer, não será um crime?
Pelos vistos não é crime. E aqui entra o debate sobre a eutanásia em Portugal. Dele, retive o essencial - através da seguinte frase: “O suicídio não é um crime em nenhum país. Parece-me um pouco ridículo que seja crime ajudar alguém a fazer uma coisa que não é crime.” (Philip Haig Nitschke, activista pela morte assistida ao jornal português expresso do dia 20 de Fevereiro corrente). Neste sentido, e extrapolando para a realidade moçambicana, quem se faz à estrada ao volante e embriagado ou que não cumpra as regras de travessia é um suicida. E o suicídio em Moçambique também não é crime, tanto para quem o cometa e por arrasto, para quem o ajude nessa empreitada trágica.
Todavia, e perante a insistência governamental em aprovar e executar anualmente um Orçamento de Estado que aposte e priorize a melhoria das estadas, não me admira que um dia, os defensores dos direitos humanos processem o Estado por reiterada tentativa de genocídio.