Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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ME Mabunda

ME Mabunda

Definitivamente, a COVID-19 veio para nos matar de verdade e tornar-nos também vivos mortos, matar-nos enquanto vivos! É que, enquanto seres vivos, temos no nosso interior um mundo. Um mundo que vive verdadeiramente dentro de nós. E esse mundo é composto de tudo que vemos no mundo exterior à nossa volta: paisagens, objectos, pessoas, cenários, cenas, eventos, factos… um milhão de coisas. É um facto que temos dois mundos: um, o nosso ‘eu’ interior, nas nossas cabeças; o outro, o verdadeiro, o tangível, à nossa volta!

 

Como nos sentimos quando perdemos a memória de um simples objecto, pessoa, evento, cenas e cenários; quando não nos lembramos de seja o que for? Um grande vazio dentro de nós! E o que acontece quando perdemos, ou nos é roubado, aquele nosso objecto de estimação? Um simples chapéu, um relógio… para não falar do nosso telefone celular… que acontece? Quase morremos, ficamos… down, deeply down! Por fim, o que acontece quando nos morre uma pessoa querida, um familiar, um amigo, ou uma simples pessoa conhecida? Morre uma parte de nós também!

 

Quando morre uma parte do nosso mundo, interno ou externo, somos nós que morremos! É o que a COVID-19 está a fazer: matar-nos verdadeiramente, ou matar uma parte de nós.

 

Morreu o João Augusto Matola. Foi-se mais um amigo! Foi-se mais uma parte do nosso mundo, interior e exterior. Mais do que uma desolação, mais do que estarmos deeply down, é uma parte de nós que morreu.

 

 

Já se disse muito sobre o João Matola, da faceta profissional ou de vida privada: grande profissional, formador, editor, que gostava de puxar pelos colegas, educador, formador, etc. E os seus colegas directos na Rádio Moçambique o disseram com mais e melhor propriedade. E nada do que disseram é questionável. Porém, mais uma ou duas coisas sobre este homem alegre não fazem mal. Amigo de todos, como um seu colega da Delegação de Nampula melhor o disse. Um homem de coração muito aberto, que não sabia fazer maldade a outrem. Um João Matola de energias positivas, como dizemos hoje, alegre. Um homem de riso exuberante, fácil e contagiante; conversador, piadeiro. Boa pessoa. Era sempre prazeroso estar com ele!

 

João Matola faz parte da minha turma na Escola de Jornalismo em 1987, a primeira que inaugurou o ciclo de cursos médios de jornalismo naquele estabelecimento de ensino. Da nossa turma, faziam parte o Adolfo Semente (ex-DM), falecido, Deus o tenha, Marcelino Silva (RM), João de Brito Langa (RM), Simião Pongwana (TVM), o Simão Anguilaze (TVM), o escritor Nelson Saúte, o Leonardo Júnior Sabela (ex-Notícias), o Vasco da Gama (AIM), o Marcelo Machava (DM), o Rui Machango (ex-Notícias), entre outros.

 

No ano e meio em que frequentámos a Escola de Jornalismo, a turma foi quase que uma família, tendo como “pai” o Fernando Couto, pai de Mia Couto, e “mãe”, a esposa daquele! Tratavam-nos, verdadeiramente, como filhos. Tudo fizeram para que fôssemos bons profissionais, mas, antes disso, para que fôssemos grandes humanos. Não me lembro de ter havido querelas de registo durante este tempo todo. O velho poeta Fernando Couto, já falecido, Deus o tenha, estava sempre conosco, ou com quem estivesse na Escola. Conversava, contava histórias e estórias, ria-se (leia-se brincava) connosco.

 

O Matola, como o tratávamos, sobressaía pela sua simplicidade, lidava com todos. Como dizia aquele seu colega da RM, era amigo de todos. Ria com todos, conversava com todos, contava piadas para com todos. Irradiava a sua energia para todos os colegas. Numa palavra: era um grande humano para todos os seus colegas! Mas também jogava futebol. Era um bom jogador de futebol. Muitas vezes, nos fins-de-semana e feriados, íamos jogar ali na ex-Escola Secundária da Maxaquene (agora Universidade São Tomás). Bom centro campista e com boa capacidade de drible e boa visão de jogo! Gostava de jogar com ele, não contra ele...

 

Quando terminamos a formação, fomos colocados em diferentes órgãos de informação. Ele foi para a Rádio Moçambique; pouco tempo depois, foi estudar em Portugal. Mas a irmandade, amizade e o companheirismo, gerados, criados e patrocinados pelo casal Couto na Escola de Jornalismo permaneceram até hoje. Nem o ter ido estudar em terras lusas fez dele um vaidoso! Ficava zangado quando alguém dos seus ex-colegas fosse a Nampula, onde ele foi delegado da RM, e voltasse sem o procurar! Queixava-se nos outros ex-colegas quando os encontrasse!...

 

Vezes sem conta, eu e ele encontrávamo-nos, confraternizávamos, batíamos copos, papos e copos, fazíamos tudo! Mesmo quando terminou a sua casa, há bons anos atrás, fez questão de me fazer saber. Não fomos “phahlar” a casa, mas brindamos no restaurante do Clube de Ténis, ali no jardim Tunduru, tarde adentro!

 

Vá em paz, Irmão, Amigo e Companheiro. Repouse em paz e até sempre! A sua memória ficará para sempre em nós!

 

(ME Mabunda)

terça-feira, 27 julho 2021 14:19

Abdicamos de nós próprios!

No xangana - perdoe-se-me eventual sectarismo -, há um verbo que reza ku titsika! Ku titsika quer dizer ‘deixar-se’; ‘negligenciar-se’, ‘destratar-se’, ‘abdicar de si próprio’, ‘viver de qualquer maneira’. É mais do que um verbo. É uma noção. Uma pessoa que se “tsikou” é aquela que deixou de viver a vida, deixou de ter planos e projectos de vida, de curtir; que se balda e, mesmo, deixou de se vestir como deve ser, de pentear, fazer barba, tomar banho, cortar ou limpar as unhas; deixou de viver, ainda que vivendo! Muitos sinais alarmantes vêm de todos os lados da nossa sociedade, de que nós próprios, como indivíduos, mas também como instituições, algumas das quais basilares para uma sociedade fluorescente que pretendemos, nos tsikamos! 

 

Ao que parece, nos abdicamos de nós mesmos como indivíduos e do nosso querido Moçambique, a Pérola do Índico. Desistimos completamente; eximimo-nos de o construir com valores e princípios sólidos aceitáveis; de o erguer com pilares éticos e morais firmes! Exoneramo-nos da responsabilidade sobre nós mesmos e sobre o país! Não estou a falar do governo e suas responsabilidades, nem de quaisquer outras autoridades... Falo de nós, como indivíduos membros desta sociedade. 

 

Apartamo-nos de nós próprios como seres racionais. Semana passada, a televisão expôs ao mundo um jovem, na cidade de Nampula, a produzir documentos diversos falsos. Com os seus computadores e softwares, fabricava uma multitude de documentos. Todos eles falsos, obviamente! Produzia desde papel timbrado de diversas instituições, relatórios de inspecções de veículos, facturas e recibos diversos e, cúmulo dos cúmulos, certificados de habilitações literárias e diplomas!... 

 

No material exibido na televisão, estava um diploma de uma instituição superior, que o jovem produzia! Com mil e trezentos, mil e quinhentos… ali se tinha o documento, já se tinha as habilitações almejadas e a licenciatura, ou a viatura inspeccionada! O jovem e o caso de Nampula não são os únicos nesta nossa terra. Em todo o lado, falsifica-se tudo mais alguma coisa… menos o BI e passaporte agora, mas num passado recente esses documentos também se falsificavam a granel. Como todos ouvimos, certamente incrédulos, no INATTER, agora INATRO, produziam-se e vendiam-se cartas de condução… falsas. 

 

Falsas?... não; aquelas eram autênticas, eram produzidas pela instituição certa e pelas mãos certas… só que eram atribuídas a pessoas erradas, não habilitadas para conduzir veículos automóveis. Portanto, eram autênticas, mas ilegítimas. Não temos a indicação de a quantas pessoas desabilitadas foram vendidas as cartas de condução, nem de há quanto tempo aqueles 16 funcionários desenvolviam aquela bolada, mas seria ingenuidade demais acreditarmos que aquela absurdidade ocorria fazia pouco tempo, ou que aqueles delinquentes estavam a começar a praticar aquele ilícito! Igualmente, ouvimos da rádio e lemos em jornais que, algures em Cabo Delgado e no Niassa, perto de duzentos professores foram expulsos porque se apurou que tinham sido admitidos irregularmente!… Muitos deles tinham certificados falsos, entre outras falcatruas. 

 

A Direcção Provincial de Educação e Desenvolvimento Humano em Cabo Delgado desencadeou uma campanha de confirmação dos certificados apresentados pelos candidatos já seleccionados e de outros já efectivos e encontrou que um monte de certificados ou diplomas apresentados para a contratação não eram autênticos. Eram, portanto, falsas! Muito provavelmente produzidos por aquele jovem de Nampula! Ou eventualmente de um outro em… Pemba, Lichinga, ou Maputo! Só podemos rir, para não chorarmos! Até onde chegamos. 

 

Não consigo entrar na cabeça daquele jovem na casa dos 30 anos que resolveu montar em sua casa uma indústria de falsificação de documentos. E não são quaisquer documentos: certificados de inspecção de veículos, certificados de habilitações literárias e… diplomas! Tal como os vendedores das cartas de condução, não temos a indicação de quantas pessoas terão adquirido, a mil ou mil e quinhentos, cada documento. Dir-se-á que o mundo está cheio de coisas más. Certo. Mas o que anda na cabeça daquele concidadão que, no lugar de se ir sentar no banco de escola, aprender, estudar, adquirir conhecimento, prefere comprar um certificado, um diploma; aquele moçambicano que, ao invés de levar o carro ao mecânico e pô-lo como deve ser, prefere comprar certificado de inspecção! Hi titsikile mesmo! Que sociedade pretendemos? 

 

Uma sociedade em que ninguém vai à escola, só compra certificado de habilitações e ou diploma? Como podemos crescer, progredir, desenvolver o nosso país sem educação? Com diplomas comprados numa dependência? Com certificados de habilitações literárias fabricados? Queremos ser uma sociedade em que, para conduzir uma viatura, ninguém vai à escola de condução; em que as viaturas não vão à inspecção, mas têm o certificado de inspecção em dia… aliás, já somos essa sociedade: as notícias e os números de e sobre acidentes nas nossas estradas não mentem! Semanalmente temos fatalidades aos montes. 

 

No entanto, isto não é tudo! Não podemos enumerar tudo sobre o nosso infortúnio colectivo. Mas, mais um apenas! A nossa PGR, a própria PGR, deu o braço a torcer! Abdicou dela própria! O comunicado que há dias emitiu não é nada mais nada menos do que um atirar de toalha ao chão. Sente-se assustada, amedrontada e… consequentemente, abdica das suas funções! - ainda que não o diga directamente. Se a PGR, com o mandato outorgado constitucionalmente, não tem a verticalidade de perseguir e encontrar chamadas, SMS e ameaças anónimas… deixa-se assustar e o manifesta publicamente… e nós, cidadãos ordinários? Definitivamente, eximimo-nos de uma sociedade sã e fluorescente! Hi ti tsikile! Não é o governo que nos vai inculcar valores de ética, de moral, de probidade. Nós, como indivíduos, onde estamos? Não é o governo que nos deve proibir de comprar diplomas ou de levar os carros à inspecção. Este faz a sua parte. E nós? 

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