M´saho é essa grande festa dos chopes, organizada anualmente para esconjurar os espíritos que têm trazido ventos infaustos por aqui. O próprio mwenje, árvore de onde se vai extrair a madeira para produção da timbila, está sendo varrido por poeiras invisíveis que se instalaram em mãos humanas para destruir. De ano para ano a sensação que nos fica é de que o remoinho provocado pelo toque e dança e canto desta tribo do sul de Moçambique está a desvanecer. E para agravar o cenário sombrio, veio a COVID-19 impedir a realização – que teria sido em Agosto – do festival cujo palco entra em consonância com as Lagoas de Quissico.
Warethwa! (Cuidado!). Na verdade quando a xipalapala retumba, é preciso ter-se cuidado com o que vem das mãos e do corpo inteiro dos chopes. Da alma deles. Inabalável. Revolta. Insaciável. Quer dizer, Quissico - o vilarejo eleito - ressurge. Engrandece-se. Embevece. E é projectado para o mundo inteiro, de onde depois traz as pessoas do planeta para este lugar insignificante na sua geografia. Todos querem estar aqui para se embebedarem com a loucura da timbila. Delirarem com as diabruras esvoaçantes da mathchatchulani, que vai parecer uma gazela dançando livre nas savanas, nas manhãs, agradecendo à Deus pelo sol que raia com esplendor no crepúsculo..
Mas hoje em dia eu não sei se o M´saho ainda tem verve. Não sei se esta festa continua a resguardar o unguento dos tempos para amassajar as almas sedentas da secular música vertiginosa dos chopes. Não sei! Tenho as minhas dúvidas. Parece ser urgente e inadiável que se tenha em grande consideração o facto de estarmos perante um Património Cultural da Humanidade. Não que não haja esse respeito, mas a sensação que tenho é de que está-se a fazer pouco, começando pelo palco que acolhe as orquestras. Ou seja, para quem chega antes de começar o M´saho, e antes de chegarem as pessoas da assistência, regra geral o que se vê são pequenos sinais como dísticos apelativos com pouca chama em termos de imagem. E pior do que isso, olhando-se para o palco, a pergunta que vai surgir imediatamente será: é aqui onde vamos assistir às loucuras dos chopes? Na verdade o palco instalado não é de forma alguma digno de receber uma manifestação de tão elevado porte cultural.
É aqui provavelmente onde começa, ou se agudiza a contrariedade. Talvez a decepção. Os executantes são acolhidos naquilo que tende mais para um alpendre carrancudo, do que propriamente para um palco. Quem construiu aquilo provavelmente não tem sensibilidade sobre o que é um festival desta dimensão, sobre a grandeza da timbila no mundo. Não só temos na obra os irritantes pilares múltiplos, como também o tecto atarracado, sufocando os artistas e aqueles que estão sentados nas bancadas.
Em conversa oportuna com Filimone Meigos (director do ISARC) e Rufas Maculuve, músico e professor de música na mesma instituição, eles também indignaram-se com o palco que deve ser repensado urgentemente para os próximos festivais. O lugar tem um tesouro invejável que são as Lagoas de Quissico, esplendorosas, algo que não pode passar despercebido durante o evento. As Lagoas de Quissico devem fazer parte do Festival. E fazer com que aquela paisagem seja pertença do M´saho, passa necessariamente por repensar o palco.
É imperioso e urgente levar as coisas mais a sério, porque aqueles que vão à Quissico pelas alturas do M´saho, querem ver a beleza em si estampada em todo o lado. Os estrangeiros em particular, vão para ali porque já ouviram falar desta manifestação cultural e sabem que é Património Cultural da Humanidade. Sabem que a festa da timbila é elevada, então os organizadores precisam de corresponder à todas as expectativas, tornando o festival num importante eixo que deve passar também pela capacidade de fazer a comunicação e imagem. O Marketing. E espreitar aquilo que se faz noutros eventos pelo mundo fora, porque o M´saho tem dimesão mundial. E em tendo uma dimensão universal, é preciso fazer algo que justifique isso.
Uma boa parte das celebrações do meu aniversário não estive presente. O motivo é simples: foram celebrações-surpresa, incluindo a ausência do aniversariante. Todavia, com ou sem a minha presença ( o aniversariante), a festa ou o corte de bolo acontecia. Lembro-me disto a propósito da celebração dos 30 anos do multipartidarismo em Moçambique cuja arena principal, o aniversariante-mor, o Parlamento, que há 30 anos aprovou a constituição democrática e a posterior os subsequentes actos afins, esteve ausente ou não teve a presença merecida quer nas celebrações promovidas por terceiros quer, e não me consta, em iniciativas por si organizadas. A condução da celebração aparentou mais do Governo em parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSC) e algum destaque presencial, tipo “pendura”, do Conselho Constitucional.
Contei a um amigo esta constatação. Este não me pareceu surpreendido e até disse que não esperava tanto, pois o Parlamento foi sempre o parente frágil/pobre da nova ordem democrática saída da constituição de 1990. Ele defende, e eu concordo, que o Parlamento, a nossa Assembleia da República, não ocupa o espaço que merece no xadrez político e de desenvolvimento de Moçambique. Para o dito amigo e cito: “O que seria um espaço para o confronto de ideias/propostas, o nosso Parlamento não passa de um local de conforto para o Governo e de local de aulas promovidas pela sociedade civil”. Para ele, e a justificar a condução da celebração dos 30 anos por parte do Governo e OSC, tal explica-se porque “são os beneficiários históricos da fragilidade do Parlamento, pois facilita a aprovação da agenda do Governo e cria oportunidades para as OSC desenvolverem os seus projectos de capacitação”. Na senda, e em jeito de conclusão, soou o alarme: a ausência do Parlamento é extensiva aos 30 anos (na verdade, em termos efectivos, são 25 anos, contados a partir de 1995, o ano do início do funcionamento do Parlamento multipartidário).
E na sequência conclusiva, e desta, para fechar, voltando às celebrações do meu aniversário: a minha ausência nunca fora motivo para cancelamento ou adiamento da celebração. No mesmo diapasão: será que cola celebrar a democracia/o multipartidarismo sem o Parlamento? No mínimo, é par(a)lamentar!
Sempre ouvi que em Moçambique existem corruptos e corruptores; que a corrupção é um cancro que abala todo sistema; que existem altos quadros do Estado detidos e com a imagem linchada em todos cantos do mundo. Que Moçambique é um dos líderes supremos do Grupo Dez (G10), a tropa dos mais corruptos do mundo, a tropa com blindados de corrupção.
Facto é que num belo dia quando Joaquim Antero exercia o cargo de assessor de direcção, numa organização vocacionada ao ensino-aprendizagem, recebeu uma ilustre visita de três inspectores da Autoridade Tributária (AT). Na auditoria simulada, pelos inspectores da AT, milhões de meticais voaram. Mas antes houve um baile de ameaças. Ameaças de detenções e juras de que a empresa e mais de 170 trabalhadores seriam evacuados para as ruas com as mãos cheias de nada; disseram ainda que o patronato iria ser enclausurado por fuga ao fisco, branqueamento de capitais/lavagem de dinheiro e outros crimes económicos.
Naqueles dias, a instituição viveu no meio de uma ginástica de cariz olímpico, onde a matrona da instituição passou os dias chorando e com o medo de ser detida e ver um investimento de uma vida desmoronar por razões obscuras. Embora a tal auditoria tivesse sido rotineira e antes do tempo estipulado legalmente, a mesma acabou por se tornar num meio de demonstração de como se arranca dinheiro de instituições sem se deixar pistas.
Foram dias tenebrosos. Em cada reunião choviam ideias e pensamentos sinistros. Tudo foi colocado na mesa. A ideia dos inspectores era encaixar 10 milhões de meticais numa tacada. Mas a coisa não foi tão fácil assim. O assessor, Joaquim Antero teve que mostrar as suas habilidades. Entrou a Lei das intimidações. Surgiu a ideia de levar o caso ao Ministro Maleiane.
Afinal, estava-se perante um saque agressivo. Os inspectores accionaram outras frentes e descobriu-se que era uma encomenda de um "chefe grande" da casa dos impostos. As ideias de Antero ditaram que a empresa não aceitasse, de imediato, a sanha vampírica dos inspectores. Dada a não cedência da parte intimidada, os chefões acabaram por reduzir o valor para a metade dos 10 milhões de meticais planificados no golpe, em pleno período festivo de 2016 - Dezembro. Pensou-se em levar o caso às autoridades judiciais, mas o advogado da instituição explicou que devido às irregularidades detectadas pelos auditores, a coisa estaria feia para a instituição.
Na guerra das ameaças e alastramento dos dias, a tensão subiu e os homens foram cedendo, até que o valor chegou a casa de um milhão de meticais em dinheiro vivo. Era uma mega-operação de saque e de sabotagem de uma empresária que durante anos lutou duramente para fazer crescer o seu negócio e formar gerações de meninos e meninas de diferentes cantos da Matola, Boane e cidade de Maputo - a quem apelidava-os de "campeões". O golpe tinha um faro interno. Membros da casa é que queriam "as verdinhas", mas devido à dureza de alguns, a mola toda acabou ficando com os inspectores da AT.
No dia do saque, o homem enviado para levar o valor, chegou num horário laboral nobre e de muita pressão - 15 horas, faltando 30 minutos para o encerramento dos escritórios. Sem papas na língua e num tom agressivo. O homem trazia documentos na mão, entre eles, um auto de notificação ou denúncia caso houvesse algumas reticências naquela hora. Pendurados na parede. Não houve saída, passou-se o cheque e foi-se ao banco sacar aquele dinheiro TODO que engordou as contas dos já bem abastados funcionários da AT e as irregularidades foram retiradas, mas empresa passou a pagar uma taxa mensal de um imposto (ou pagamento de o quê), na altura nem eles conseguiram explicar... Mas o facto é que mensalmente 150 mil meticais eram depositados numa conta bancária supostamente gerida pela "casa dos impostos"...Veja só como a máfia mama nas tetas das empresas e do Estado…!
A história é real e foi escrita com base num episódio que aconteceu a quatro anos numa instituição de ensino privado na Matola. Texto escrito no âmbito do dia internacional de combate a corrupção, celebrado anualmente à 09 de Dezembro.
Sou morador do bairro Liberdade 3, num canto chamado Fonte Azul, carregado de longa histótória que inclui um campo de futebol denominado Bángwè. É tranquilo como toda a cidade, e ao amanhecer ainda podemos ouvir o chilrear dos pássaros que povoam as árvores, sem medo das pessoas que não as espantam. É uma maravilha que entretanto vai degenerar quando chega a vez dos aparelhos sonoros, acionados pelos donos que deviam conhecer e cumprir com as regras impostas às pessoas que vivem numa comunidade.
A postura camarária determina que da mesma forma que não se deve poluir o ambiente com lixo, também não se deve poluir esse mesmo ambiente com qualquer que seja o som. Mas esta última obrigatoridade é literalmente ignorada por boa parte dos munícipes, que exibem, sempre que lhes aprouver, a potência da sua aparelhagem sem se importarem com os vizinhos. Que estarão sujeitos ao barulho violento.
O pior é que esses senhores que violam sistematicamente um dos nossos direitos humanos que é o sossego e a tranquilidade e a paz, acham-se autorizados a fazer o que bem entendem porque segundo eles próprios, “eu estou na minha casa”. Aliás, nem às estruturas do bairro respeitam, e estes responsáveis, cansados de lhes chamar a atenção, acabam resignando-se de forma incompreensível, pois existem mecanismos para se combater esta anarquia, e um desses recursos é a Polícia Camarária que, na incapacidade de colocar ordem, pode solicitar a intervenção da Polícia de Protecção.
É um verdadeiro caos em todos os bairros da periferia. Aos fins-de-semana não nos deixam dormir. Eu pessoalmente não me canso de ligar ao Comando da Polícia Camarária quando a festa começa. Em determinados momentos eles vêm e resolvem o problema, mas na semana seguinte recomeça, como uma doença degenerativa. Volto a ligar e por vezes não há carro disponível, “está no Tofo a fazer trabalho”. Noutras vezes ainda, dizem para aguardar que “havemos de ir aí”, mas amanhece sem terem vindo, e nós sem termos dormido.
Já alertamos ao presidente do Município usando as redes sociais sobre este mal que nos flagela todos os dias. O que não sabemos é se ele captou esse nosso clamor porque o que está acontecer é na verdade algo muito sério, que precisa de uma intervenção bastante séria e urgente. É uma questão de vontade por parte de quem de direito porque é possível cortar este desmando de uma vez por todas, para trazer a tranquilidade aos munícipes que depositaram o seu voto para que o edil nos dirija e nos proteja.
Uma das estratégias de luta seria reunir primeiro todos os secretários de bairro e seus colaboradores, nomeadamente chefes de quarteirão e chefes de 10 (dez) casas, os agentes da Polícia Camarária e o vereador da área, onde o presidente do Município daria orientações claras de como partir-se para o desmantelamento da poluição sonora. Não é difícil havendo vontade. Esse encontro deve ter cobertura dos órgãos de informação. O edil tem que ter uma intervenção vigorosa, avisando a todos os prevaricadores que a partir daquele momento, seriam sancionados se não cumprirem com o preceituado.
Ainda neste combate a poluição sonora no município de Inhambane, podia-se colocar publicamente por via dos órgãos de informação , nas redes sociais e nas sedes dos bairros, os números de telefone do comando da Polícia Camarária. Às estruturas de bairro deve ser exigida intervenção para salvaguardar o bem estar da comunidade. Outro aspecto ainda, aos que não respeitarem a esta ordem e continuarem a poluir o ambiente, serão confiscadas as aparelhagens e aplicadas.
O presidente do muncípio deve informar à população que é dever de todos denunciar este tipo de comportamentos. É uma questão de vontade e de responsabilidade por arte da edilidade e das estruturas de bairro. De resto o sossego é um dos direitos humanos que nos assiste a todos.
Havia uma onda de invasão, com espuma de realidade, no estabelecimento penitenciário do distrito de Mocímboa da Praia. Horas antes do assalto dos terroristas a Vila municipal, ungidos e motivados por um instinto estranho, um grupo de 14 guardas penitenciários decidiu entrar em acção. Naquele dia, 11 de Agosto de 2020, os bravos guardas penitenciários fintaram com inteligência e sagacidade, o plano dos terroristas que era de libertar cerca de 89 reclusos, entre eles, quase metade eram terroristas detidos pelas autoridades policiais e militares em diferentes contextos.
Na madrugada da terça-feira, os 14 guardas penitenciários tiveram uma ideia, retirar todos os reclusos e levarem-nos para Pemba. A vila fervia em todos lados, rebentava de medo. As tropas governamentais estavam apreensivas. Com parcos recursos financeiros, os 14 guardas alugaram uma embarcação à vela e retiraram todos os reclusos, levaram-nos ao barco e começou a longa viagem a Pemba; remaram até Miéze, onde situa-se o Estabelecimento Provincial de Máxima Segurança de Cabo Delgado.
A saga dos guardas com um bando de prisioneiros tinha vários riscos, foram quatro dias rasgando os lençóis das águas com a pequena jangada. Enquanto, a vila era assaltada e os terroristas faziam tentativas de chegar aos calabouços para soltar seus homens, os mesmos já tinham sido afastados pela jangada. O plano havia sido vencido. Os 14 bravos guardas penitenciários conseguiram vencer o mal.
Contra todos os riscos de segurança e morte devido ao cansaço, fome, vómitos e náuseas, os 89 reclusos chegaram e foram levados para Miéze. Ninguém perdeu a vida e nenhum prisioneiro arrancou as algemas durante a fuga pelas águas.
Semanas depois, o grupo recebia a informação de que haveria promoções e premiações relacionadas com o acto heróico protagonizado por eles. Na cerimónia, altamente publicitada e presenciada, contou com a presença da Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos (MJACR), Helena Kida, que anunciou que os terroristas tentaram assaltar alguns estabelecimentos penitenciários, mas não conseguiram.
Escreva-se isso; os 14 bravos guardas penitenciários ficaram quatro dias no alto-mar, com mantimentos reduzidos, sem nenhuma migalha de comida para alimentarem os 89 reclusos e a eles próprios; estavam numa embarcação à vela e usavam os seus próprios recursos. Na cerimónia, com a presença da ministra, esses guardas ficaram frustrados; ou seja, quando esperavam serem as estrelas, os verdadeiros donos do acto heróico, afinal haviam outros "compatriotas" que tinham abocanhado o seu feito. Esses compatriotas apresentaram-se como os autores legítimos da "mega-operação", elevando o número para 24, com uma história similar a dos 14 bravos e valentes guardas penitenciários que não se "intimidaram e nem se acovardaram", como disse a Ministra Kida na cerimónia ocorrida em Novembro em Miéze.
Após assistirem e verem o que estava a passar, tendo inclusive alguns sido deixados para trás, a situação criou desconforto, dor e a percepção de injustiça por parte dos integrantes do grupo dos 14 guardas penitenciários que impediram o assalto do estabelecimento penitenciário de Mocímboa da Praia
Os guardas de Mocímboa hoje desempenham as suas funções, mas com uma dor tatuada no peito, embora continuem engajados nos seus postos, uma vez que Mocímboa da Praia é o símbolo da cólera que o terrorismo trouxe para Cabo Delgado; estando desde Agosto em mãos dos misantropos que extinguiram a luz da esperança e de um futuro risonho de milhares de crianças, mulheres e adultos. Os 14 bravos, valentes e patriotas guardas penitenciários esperam que um dia, a justiça laboral e engajada seja reposta; isso para o bem da pátria.
*Texto escrito tendo como base relatos colhidos nos guardas penitenciários injustiçados pelo sistema que os deveria valorizar e acarinhar pela coragem e entrega ao país e a profissão.