Director: Marcelo Mosse

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Caro Dr. Carlos Martins

 

Bastonário da Ordem dos Advogados

 

Saúdo em primeiro lugar as posições adoptadas pela Ordem dos advogados de Moçambique face ao processo eleitoral em curso no nosso país. Saúdo a vossa independência face ao poder político e a defesa da constituição da República e do Estado de Direito. É raro, mas muito promissor, a existência de uma instituição profissional que se distancia da narrativa política e se pauta apenas no respeito e cumprimento da lei.

 

Solicito que voltem a público para que, com o peso da vossa instituição, contribuam para a normalização da vida do nosso país. Melhor do que ninguém vocês sabem que o Estado de Direito não depende apenas do rigor da contagem dos votos, mas do respeito pelas leis vigentes e pela Constituição da República. E as leis do nosso país salvaguardam o direito à greve e à manifestação.  Mas definem também os deveres e as regras para o exercício desses direitos. É assim no nosso país. É assim em todos os países democráticos. Estas normas servem para proteger as pessoas e a vida pública. Por essa razão, os organizadores das manifestações e as autoridades policiais devem assegurar em conjunto o direito à manifestação sem que estes eventos sejam aproveitados por oportunistas que desvirtuam os propósitos das mesmas. As manifestações devem também garantir o livre acesso das vias públicas para as pessoas e os bens poderem circular. Se uns têm o direito a se manifestar, outros têm o direito a manter o seu dia-a-dia. Por muito que os manifestantes clamem “que o país é deles”, isso não anula o respeito pelos outros que parecem ser demitidos do seu direito de também pertencerem a Moçambique. Ajudem a esclarecer que, pelo simples facto de se anunciarem “pacíficas” as manifestações não se tornam imediatamente legais. Por mais que sejam justas as greves precisam de serem organizadas de acordo com o que está estabelecido pela lei.

 

Peço-vos que, com a mesma coragem e isenção com que vieram a público condenar as irregularidades eleitorais, compareçam agora e com urgência para ajudar a informar sobre as regras que a lei define. Sendo cumpridas, elas podem prevenir a ocorrência de excessos quer dos manifestantes quer das forças da lei e evitar vítimas humanas e prejuízos materiais elevados.

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Foi tornado público, a 14 de Outubro último, que os vencedores do Prémio Nobel de Ciências Económicas de 2024 são Daron Acemoglu (turco), James Robinson e Simon Johnson (britânicos), por terem estudado como as instituições são formadas e afectam a prosperidade das nações, explicando o motivo por que alguns países são ricos e outros pobres, colocando ênfase nas diferenças persistentes nas instituições sociais. Precisamente um mês depois do anúncio, é publicado este artigo que tem em vista, também, ser um mecanismo de promover a literacia económica.

 

A obra inovadora desses três economistas esteve orientada para compreender a relação entre a organização socioeconómica e a prosperidade, relevando como a criação de instituições influencia a criação de riqueza. Propus-me a reflectir sobre este assunto para mostrar a pertinência e acuidade do prémio e apontar as razões da escolha dos laureados para 2024, fazendo uma breve retrospectiva dos desenvolvimento nos últimos 26 anos nesta área de estudo, sem procurar, contudo, esgotar a temática.

 

Este artigo apresenta, sinteticamente, o contributo assinalável e peculiar de Amartya Sen, interpela as prováveis inter-relações entre a pobreza e desigualdades sociais com a prosperidade das nações, faz a resenha do pensamento académico dos economistas laureados em 2024 e termina indagando se Moçambique pode aprender algo com a obra desses reputados especialistas, que não têm dúvidas em afirmar que os países fracassam economicamente devido às instituições extractivas, que mantêm os países subdesenvolvidos na pobreza e impedindo-os de enveredar pela via do crescimento económico inclusivo e sustentável.

 

Essa realidade acontece em África, América Latina, Ásia e Médio Oriente, em países muito diferentes entre si, mas tendo como denominador comum possuírem instituições extractivas, que têm na sua base elites que concebem instituições económicas para se enriquecerem e perpetuarem o seu poder à custa da grande maioria dos cidadãos. Esta temática permite tirar ilações sobre a problemática desenvolvimentista moçambicana, que não tem logrado alcançar resultados mais notórios e consistentes nas estratégias de desenvolvimento económico e de combate à pobreza e às desigualdades sociais.

 

O Prémio Nobel e a sua relevância

 

O Prémio Nobel é um leque de seis prémios internacionais de são conferidos anualmente, por instituições suecas e norueguesas, como forma de reconhecer pessoas ou instituições que realizaram pesquisas, descobertas ou contribuições notáveis e de destaque para a humanidade.

 

Os Prémios surgem em homenagem  a Alfred Bernhard Nobel (químico, engenheiro, cientista, inventor, empresário e filantropo sueco), tendo sido estabelecido em 1895, e foram concedidos a partir de 1901, nas áreas de Química, Literatura, Paz, Física e Medicina. Em 1968, o Banco Central da Suécia estabeleceu o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel, também conhecido como Prémio Nobel de Economia. Nobel é mais conhecido por ter deixado sua fortuna para estabelecer o prémio e por ter sido o inventor da dinamite, embora tenha várias outras contribuições importantes para a ciência, tendo registado 355 patentes.

 

Várias instituições concedem o Prémio, com destaque para a Academia Real das Ciências da Suécia (Física, Química  e Ciências Económicas), Assembleia do Nobel do Instituto Kalolinska (Medicina), Academia Sueca (Literatura) e o Comité Norueguês do Nobel (Paz). Exceptuando o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia de entrega é realizada em Oslo (na Noruega), todos os restantes são entregues em Estocolmo (na Suécia). Uma particularidade do Prémio Nobel da Paz é que pode ser atribuído à instituições, enquanto os restantes são atribuídos a indivíduos / cientista / pesquisadores / autores.

 

A relevância do prémio em cada área decorre não apenas da ampla reputação que a marca Nobel e do prestígio das instituições envolvidas, mas a um complexo, exigente e faseado processo de selecção, conduzido por peritos e especialistas nas distintas áreas, e tendo em conta um amplo processo de consultas e auscultação. Os vencedores dos prémios recebem medalhas, diplomas e um valor monetário, e os premiados passam a deter um prestígio e reputação global em cada área, tornando-se praticamente autoridades reconhecidas mundialmente em cada um desses seis domínios.

 

“O Economista Errado Venceu!”

 

Quando em 1998, foi anunciado publicamente que o vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas foi atribuído ao pesquisador, professor, economista, filósofo e escritor indiano Amartya Kumar Sen, não faltaram opiniões a defender que “o economista errado venceu”, porque o laureado passou o seu percurso profissional e a sua pesquisa a tratar de temáticas como pobreza, fome, liberdade  e aspectos filosóficos relacionados com a justiça social. Naquela altura, foi encarado com algumas reticências que um economista-filósofo, portanto “alguém fora do espartilho convencional da economia havia vencido”. De lá para cá, muita coisa mudou na forma como se encaram os fenómenos económicos, em decorrência de novas e arrojadas perspectivas, da exigência crescente de uma visão multidimensional, aspectos que vieram enriquecer e ampliar a visão da ciência económica e a abrir novas fronteiras de conhecimento, análise e reflexão.

 

Mas afinal qual foi a trajectória e o valor da obra de Amartya Sen? Ele foi professor de importantes universidades nos EUA e Reino Unido (Oxford, Harvard, Cambridge, Berkeley, Stanford, Cornell e MIT), foi o primeiro Presidente da Associação Económica Americana que não nasceu nos EUA e foi um dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido sob os auspícios do PNUD, junto com o paquistanês Mahbub ul Haq.

 

Ele é mundialmente famoso pela sua extensa obra académica, em particular os livros “Desenvolvimento Como Liberdade”, “Pobreza e Fome”, “Escolha Colectiva e Estado Social” e “A Ideia de Justiça”. O Prof. A. Sen teve contribuições basilares para a teoria da escolha social e para a economia do bem-estar, e os seus trabalhos para o combate à pobreza foram, de tal forma inovadores, que é o primeiro a compreender a pobreza como privação das capacidades e não apenas como falta de renda.

 

Na óptica de Sen, a teoria tradicional do desenvolvimento considera como temas chave que influenciam o crescimento económico a industrialização, a acumulação de capital, a mobilização da mão-de-obra, o planeamento e o papel activo do Estado. Esses factores são obviamente importantes para o desenvolvimento económico, mas essa teoria apresenta certas limitações, dentre elas o facto de não perceber que o crescimento económico é apenas um meio para atingir outros objectivos e que a importância está nos benefícios gerados nesse processo de crescimento económico.

 

O trabalho académico de Amartya Sen lançou uma nova luz sobre muitos problemas sociais, como a pobreza, a fome, o subdesenvolvimento, as desigualdades e o liberalismo político, defendendo o conceito de desenvolvimento além do PIB, trazendo para o debate económico a componente social, e propondo que as sociedades devem orientar suas atitudes políticas e económicas por meio de uma moral e ética que respeite todos os indivíduos.

 

A abordagem de Sen está calibrada para entender a realidade económica em países subdesenvolvidos, e ele evidencia a necessidade de buscar um equilíbrio entre Estado, mercado, instituições políticas e sociais, defendendo o “caminho do meio”, entre o livre mercado e a intervenção estatal, e enfatiza que é preciso lidar com a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado e a gravidade dos problemas de desigualdade, e com os problemas de equidade, graves privações e pobreza.  Para muitos países pobres, defende Sen, a política fiscal implementada pelo Estado deve estar voltada para o combate à desigualdade, entendendo o desenvolvimento não apenas como o acúmulo de renda e riqueza, mas como um processo de ampliação das liberdades e capacidades das pessoas.

 

Na verdade, “não foi o economista errado que venceu”! Amartya Sen foi o economista que deu um contributo vital para abrir várias das portas para a análise e compreensão da pobreza em países pobres, discutiu e  ainda apresentou possíveis caminhos para que os pobres pudessem fugir da armadilha da pobreza com dignidade e com base no seu trabalho.

 

Há relação entre pobreza, desigualdades sociais e a prosperidade das nações?

 

Depois do reconhecimento internacional do Prof. Amartya Sen, em virtude de ter sido laureado com o Prémio Nobel de Economia, as temáticas da pobreza e desigualdades sociais passaram a fazer parte natural da agenda económica, tendo esse facto permitido que economistas como o escocês Angus Deaton fosse vencedor do prémio em 2015, pelo seu estudo sobre o consumo, a pobreza e o bem estar, e Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, fossem vencedores do prémio em 2019, pelos seus estudos sobre a redução da pobreza no mundo. 

 

Importa fazer um breve desvio do Prémio Nobel de Economia, e abordar a contribuição determinante do Professor Bengali, Muhammad Yunus, e do Grameen Bank, laureados com o Prémio Nobel da Paz, cuja cerimónia realizou-se a 10 de Novembro de 2006, em Oslo, pelos seus esforços em prol do desenvolvimento económico e social do Bangladesh, a partir das bases, mediante a criação de programas económicos inovadores como o microcrédito, que ajudaram a tirar milhões de pessoas da pobreza.

 

Em seus dois livros, “O Banqueiro dos Pobres” (2006) e “Criar um Mundo sem Pobreza: A empresa social e o futuro do capitalismo” (2008), Muhammad Yunus, um economista que com uma temática económica inovativa, como é o microcrédito, venceu o Prémio Nobel da Paz, e que podemos a seguir sintetizar a sua visão: (i) os pobres estão presos em uma armadilha da pobreza porque lhes falta acesso ao crédito; (ii) a pobreza não é um estado natural nem uma fatalidade; (iii) o crédito é um direito humano, já que se tornou indispensável para atender às necessidades humanas; (iv) os pobres são dignos de crédito, contrariamente à crença popular que os considera como sendo “de alto risco” e, portanto, não são bancáveis; (v) considerando que todo o mundo é um empreendedor potencial, o microcrédito surge como um mecanismo de as pessoas ajudarem a si mesmas; (vi) proporcionar aos pobres economicamente activos acesso ao crédito e à tecnologia de informação poderá contribuir para eles estarem dotados de ferramentas para eliminarem a sua pobreza com dignidade, e; (vii) a paz duradoira não pode ser atingida a menos que grandes grupos da população encontrem formas de sair da pobreza.

 

A atribuição do prémio Nobel da Paz ao Prof. M. Yunus e ao Grameen Bank foi para transmitir um sinal forte de que o acesso ao crédito pela a população de baixa renda, em particular as mulheres, está directamente vinculado à possibilidade de combater a pobreza, e que existindo muita população mundial a viver abaixo da linha de pobreza, e paz e a estabilidade estará sempre em perigo e ameaçada.     

 

Outra contribuição de relevo tiveram os Professores Banerjee e Duflo para a compreensão da multidimensionalidade da pobreza, e que os nossos preconceitos e “os óculos que usamos para enxergar e analisar a pobreza” ofuscam a nossa visão e assim tornam mais complexa a acção de conceber e implementar estratégias compreensivas para o seu combate. 

 

Abhijit Banerjee & Esther Duflo escreveram dois livros interessantes, nomeadamente “Good Economics for Hard Times” (2019) e “Poor Economics: A radical rethinking of the way of fight global poverty” (2020), que questionam uma visão da economia que normalizou problemas de vulto, como pobreza, desigualdades e desemprego. Eles consideram que um certo tipo de economia apoiou os enormes benefícios concedidos aos ricos e a redução dos programas de ajuda social, vendeu a ideia de que o Estado é impotente e corrupto, de que os pobres são preguiçosos, e preparou o caminho para o impasse actual de explosão da desigualdade, defendendo que o comércio é bom para todos, que o crescimento económico rápido pode estar em todo o lado, e que é apenas necessário trabalhar e tentar com afinco e suportar todos os esforços necessários.

 

Os autores referidos anteriormente criticam essa abordagem da economia que não tomou em conta que a globalização não beneficia a todos, não se apercebeu da explosão da desigualdade em todo o mundo, fez vista grossa ao facto do sistema capitalista estar a gerar crises económicas que empurram as populações para a pobreza, propicia a fragmentação social e o questionamento do próprio Estado. Essa visão da economia não tratou devidamente dos efeitos dos eventos climáticos extremos, dos desafios da transição energética, da problemática demográfica e epidemiológica, bem como da efectiva gestão das tensões geoestratégicas.

 

Banerjee & Duflo (2020) sublinham que grande parte das políticas de combate à pobreza falhou ao longo do tempo devido a uma incapacidade para compreender a própria pobreza. Com muita frequência, a economia dos pobres é confundida com uma pobre economia. Os pobres não são menos racionais do que os outros, bem pelo contrário. Precisamente por terem tão pouco, verificamos muitas vezes que são muito mais cuidadosos com as suas escolhas, tendo que ser economistas sofisticados para sobreviverem. Isso implica a possibilidade de aproveitar ao máximo os seus talentos e que para assegurar o futuro da sua família é exigido muito mais habilidade, força de vontade e empenho dos pobres.

 

Os dois laureados com o Prémio Nobel da Economia 2019 reconhecem que não há soluções miraculosas para acabar com a pobreza em muitos países, mas há cinco lições a levar em consideração, nomeadamente: (a) os pobres tem frequentemente falta de informações críticas e acreditam em coisas que não são verdadeiras; (b) os pobres são responsabilizados por demasiados aspectos das suas vidas; (c) Há boas razões para alguns mercados estarem a falhar aos pobres, ou para os pobres neles enfrentarem preços desfavoráveis; (d) os países pobres não estão condenados ao fracasso por serem pobres, ou por terem tido uma história infeliz, e; (e) as expectativas acerca daquilo que as pessoas são capazes ou não de fazer acabam, com demasiada frequência, por se tornarem em profecias que se cumprem a si mesmo.

 

Autores como como Jeffrey Sachs, com a sua obra “The End of Poverty” (2005), Paul Collier, no seu livro “Os Milhões da Pobreza”, Ha-Joon Chang, com o livro “Kicking Away the Ladder” (2002), Ruchir Sharma, que escreveu “Os Milagres Económicos do Futuro” (2013), entre outros economistas de renome internacional, tem dedicado atenção especial a estudar a pobreza, como combatê-la, de que forma se pode promover o crescimento económico inclusivo e, portanto, pró-pobres, e como gerar riqueza e prosperidade.

 

Vou terminar esta secção com a síntese do pensamento do economista francês Thomas Piketty, na sua obra “O Capital do Século XXI” (2013), em que o autor analisou a dinâmica da repartição dos rendimentos e da riqueza nos países desenvolvidos desde o século XVIII, e constatou que a repartição das riquezas constitui um problema político de tal magnitude que até está a por em causa a estabilidade das sociedades democráticas contemporâneas. Os resultados da pesquisa de Piketty puseram em causa a “Curva de Kuznets”, estabelecida na década de 1950, que apontava que o desenvolvimento económico era mecanicamente acompanhado pelo declínio das desigualdades de rendimento, advogando que o sistema capitalista e a abordagem do mercado livre, além de gerar periodicamente crises, se não for devidamente regulado, gera desigualdades sociais e espaciais crescentes, que afectam os pilares fundamentais para a estabilidade das Nações.

 

O que os autores referidos enfatizam é que desenvolvimento deve resultar da convergência de variáveis económicas e sociais, sem perder de vista as dimensões políticas, ambientais, territoriais e institucionais. Onde há crescimento económico rápido e robusto, mas esse crescimento convive amigavelmente com a pobreza, fome, desigualdades sociais e desemprego, as condições para a crise e instabilidade estarão sempre a espreita, e a paz pode sempre ser fragilizada e atacada.

 

O que advogam os laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024?

 

Daron Acemoglu & James Robinson, autores de “Porque Falham as Nações: As origens do poder, da prosperidade e da riqueza” (2013) mostram que embora as instituições económicas sejam cruciais para determinar a pobreza ou a prosperidade de um país, são a política e as instituições políticas a determinar as instituições económicas que um país tem, ou seja, as instituições políticas e económicas interagem para gerar pobreza ou prosperidade e como as diferentes partes do mundo acabaram por ter conjuntos tão diferentes de instituições como, por exemplo, os EUA e o México, o Botswana e a Serra Leoa ou a Coreia do Sul e a Coreia do Norte.

 

Nos países ricos, as pessoas são mais saudáveis, vivem mais anos e possuem um grau de instrução muito mais elevado, têm acesso à melhores serviços públicos, e diversas opções de vida como habitação, alimentação, transporte, cultura e recreação. A Revolução Industrial que emergiu em meados do século XVIII, na Inglaterra, e depois se disseminou pela Europa Ocidental, EUA, Canadá, tendo-se expandido pela Austrália, Japão, Nova Zelândia, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, entre outros países mais tarde, fez com que os cidadãos desses países usufruíssem de uma vida muito diferente e melhor que a de outros habitantes do resto do planeta, porque as instituições, tanto políticas como económicas, estabeleceram os incentivos às empresas, aos indivíduos e aos políticos.

 

Os autores defendem que “países como a Grã-Bretanha e os EUA tornaram-se ricos porque os seus cidadãos derrubaram as elites que controlavam o poder e criaram uma sociedade em que os direitos políticos eram mais amplamente distribuídos, em que o governo era responsabilizado e tinha de responder perante os cidadãos, e onde a maioria das pessoas podia aproveitar as oportunidades económicas” (Acemoglu & Robinson, 2013:14).

 

As instituições económicas estabelecem os incentivos para as pessoas se instruírem, pouparem, e investirem, para inovarem e adoptarem novas tecnologias, e é o processo político que determina o tipo de instituições políticas que determinam como esse processo funciona, incluindo para assegurar a estabilidade e a continuidade. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, ou seja, são as instituições económicas que permitem criar facilmente empresas, sem ter-se de vencer barreiras insuperáveis, e também viabilizar o financiamento dos seus projectos.

 

Na obra, os dois economistas que foram muito influenciados por Adam Smith e Douglass North, questionam os argumentos que apontam que o destino económico de uma nação depende da geografia, clima, história, cultura ou religião. Recorrendo a conhecimentos de economia, história e ciência política, Acemoglu & Robinson mostram que são as instituições económicas e políticas inclusivas que geram riqueza, prosperidade e estabilidade, enquanto que as instituições económicas e políticas extractivas ficam presas na armadilha da pobreza, miséria, instabilidade e subdesenvolvimento.

 

Outra obra de Acemoglu & Robinson, cujo título é “O Equilíbrio do Poder: Estados, sociedades e o futuro da liberdade” (2020), enfatiza que para a liberdade surgir e se desenvolver, tanto o Estado como a sociedade têm de ser fortes. É preciso um Estado forte para conter a violência, impor as leis e fornecer os serviços públicos fundamentais para que as pessoas possam fazer as suas escolhas, sendo também preciso uma sociedade forte e mobilizada para conter e acorrentar o Estado forte, supervisionando o Estado para que este promova a liberdade das pessoas, em vez de a esmagar. A liberdade, advogam os autores, precisa de uma sociedade mobilizada que participe na política, proteste quando é necessário e, quando pode, expulse pelo voto os governos no poder.

 

Apertado entre o medo e a repressão forjados pelos Estados despóticos e a violência e a anarquia que surgem na sua ausência, existe um estreito corredor para a liberdade, e é nesse corredor que o Estado e a sociedade se equilibram entre si. Há uma constante e quotidiana luta entre esses dois actores, e essa tensão permanente trás benefícios, pois o Estado e a sociedade não só competem, mas também cooperam. O que torna isso um corredor, e não uma porta, é que alcançar a liberdade é um processo, porque o Estado e as suas elites têm de aprender a viver com as grilhetas que a sociedade lhe impõe e os diferentes segmentos da sociedade têm de aprender a trabalhar em conjunto, apesar das suas diferenças. A liberdade depende quase sempre da mobilização da sociedade e da sua capacidade para alcançar um equilíbrio de poder com o Estado e as suas elites.

 

Num livro recente de Daron Acemoglu & Simon Johnson, intitulado “Poder e Progresso: A nossa luta milenar pela tecnologia e prosperidade” (2024), os especialistas referem que o progresso nunca é automático, e que o progresso actual voltou a servir para enriquecer um pequeno grupo de empreendedores e investidores, ao passo que a maioria das pessoas está a ser desapossada e pouco ganha. Hoje, grande parte da população mundial está melhor do que os seus pais e avós porque os cidadãos se organizaram, contestaram as escolhas das elites quanto à tecnologia e às condições laborais e impuseram formas mais equitativas de partilhar os lucros obtidos com os desenvolvimentos técnicos, podendo usar as inovações para solucionar problemas reais, para ajudar as pessoas, mas não é esse o rumo que hoje seguimos.

 

Uma visão nova e mais inclusiva da tecnologia só pode emergir se a base do poder social se alterar, confrontando as ideias convencionais e a opinião dominante, afastando o rumo da tecnologia do controlo de uma elite fechada. Ao longo da história, a evolução tecnológica tem sido considerada o principal motor da prosperidade. Porém, a tecnologia é moldada pelos interesses, desejos e convicções dos poderosos, gerando riqueza, respeito social, domínio cultural e uma influência política acrescida para os que já detém esse poder.

 

A tecnologia está a a influenciar tudo, todos e em todo o lugar do mundo, automatizando empregos, acentuando as desigualdades e criando ferramentas de vigilância e desinformação que, em última instância, ameaçam a liberdade e a democracia. Os autores demonstram que o rumo da tecnologia não é uma força da natureza que escape ao controlo humano, e que ela pode ser direcionada para promover o bem comum e não apenas a prosperidade para uma minoria. Actualmente, algumas das pessoas mais ricas do mundo estão ligadas à empresas de tecnologia, e ela está conectada com o acesso e manutenção do poder, à economia e ao sistema financeiro, ao controlo social, aos conflitos e guerras, à educação e saúde, e à todas as áreas da vida económica, social e política. A tecnologia é demasiado importante, segundo Acemoglu & Simon (2024), para ficar entregue aos multimilionários, exigindo uma participação abrangente no processo de tomada de decisões e que se pode e deve recuperar o controlo.

 

Os três vencedores do Prémio Nobel de Economia 2024 têm tido preocupações de pesquisa focadas no poder, prosperidade, riqueza, pobreza, sociedade, Estado, instituições, inclusão, democracia, autocracia, liberdade e tecnologia. Como esses elementos vão ser combinados e articulados para poderem influenciar positivamente o desenvolvimento económico das nações? De que forma se pode garantir que as políticas e as instituições estejam focadas em promover o bem-estar na maioria da população das nações? Hoje sabemos que a geração de riqueza e prosperidade dependem de políticas e instituições que favorecem o desenvolvimento económico, sem contudo perder de vista a necessidade de combater a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e espaciais e promover empregos. Como engendrar círculos virtuosos de desenvolvimento? Esse enigma persiste e não acredito que existe os que tenham uma “varinha mágica” …    

 

Moçambique pode aprender algo?

 

O empreendedorismo é a alma do desenvolvimento económico, e o que faz com que nos países subdesenvolvidos como o nosso exista um número significativo de pobres não é a ausência de energia empreendedora a nível pessoal, mas a insuficiência e carência de tecnologias produtivas e organizações sociais evoluídas, especialmente a empresa moderna e as instituições de suporte ao desenvolvimento de negócios. Nos países ricos e industrializados, os empreendedores como Bill Gates, Mark Zuckenberg, Elon Musk, Warren Buffet, Jeff Bezos, Bernard Arnault, Larry Ellison, Steve Balmer, Larry Page, Steve Jobs, Paul Allen, Sergey Brin, entre outros, tornaram-se no que são porque operaram num ambiente económico nivelado, em que um conjunto de instituições colectivas favoreceram a sua emergência e desenvolvimento. Há um mérito pessoal em cada um deles, seja feita justiça, mas a envolvente político-institucional, económica e social favoreceu e fez desabrochar os seus talentos, diferentemente do que acontece nos países pobres.

 

Com instituições económicas e políticas apropriadas, que possam influenciar e moldar o comportamento e os incentivos na vida real dos indivíduos / empreendedores, o êxito e sucesso empresarial  é uma meta que pode estar ao alcance de muito mais cidadãos que enveredam pela aventura empreendedora. O talento individual é importante, a todos os níveis da sociedade, mas necessita de um quadro institucional que o transforme numa força positiva, como a seguir enumero alguns elementos fundamentais: (i) um sistema educativo que prepare engenheiros, gestores e trabalhadores qualificados, que fazem funcionar as empresas; (ii) a infraestrutura científica que lhes permita adquirir conhecimento e também experiência; (iii) as leis que regulam as actividades das empresas e outras leis comerciais que lhes possibilitem construir empresas lucrativas; (iv) o sistema financeiro que lhes permita mobilizar capital à um custo comportável; (v) as leis de patentes e direitos de autor que protejam as suas invenções, e; (vi) um mercado facilmente acessível para os bens e produtos poderem ser livremente transaccionados, com custos controlados.

 

O Estado terá de edificar instituições económicas que permitam criar facilmente empresas, sem terem de vencer barreiras insuperáveis como a corrupção e a ineficácia administrativa, que possa viabilizar o financiamento para os projectos de negócio dos empreendedores, de ter um mercado laboral que facilite a contratação de pessoal qualificado e motivado, e que os empreendedores acreditem que os seus projectos podem ser concretizados em decorrência do seu mérito, e não com base no compadrio, nepotismo, cleptocracia ou outros interesses de grupos ou assentes em afinidades políticas, étnicas, religiosas, raciais, sociais, regionais ou de outra natureza. A eficiência alocativa dos recursos, a sustentabilidade, a viabilidade económica e social, a meritocracia, a transparência, o impacto e a contribuição para o bem comum, devem ditar as escolhas.

 

A confiança nas instituições, o primado da lei, a segurança dos direitos de propriedade, e o facto de as instituições políticas assegurarem a estabilidade e a continuidade é vital para que “as regras do jogo não possam ser alteradas de forma arbitrária ou em benefício dos mais poderosos, influentes e dos donos da bola”. Tal como Ha-Joon Chang, na obra “23 Coisas que Nunca lhe Contam sobre a Economia” (2014), Acemoglu & Robinson (2013) também rejeita o “mito do empreendedor individual talentoso e heróico”, defendendo que é vital erguer instituições que permitam que os empreendedores possam florescer, afirmar-se e ser o motor da economia. Moçambique precisa de instituições económicas e empresas fortes que estejam apostadas em viabilizar projectos de negócios que tragam novos bens e serviços ao mercado, que criem empregos e possam gerar renda para as famílias.

 

Para que o crescimento económico tenha probabilidade de se transformar em desenvolvimento, é importante que além da renda, a população seja adequadamente educada, seja saudável e bem alimentada, e se os cidadãos se sentirem suficientemente seguros e confiantes para investir nos seus filhos e lhes permitir que deixem as suas casas para encontrar novos empregos na cidade. Se deixar-se que a miséria, frustração, crispação e ansiedade possam emergir e afirmar-se, e que a raiva, a violência e o desespero levem a melhor, o bem-estar e o desenvolvimento humano serão apenas utopias. Uma política económica e social que resulte, que impeça as pessoas de se revoltarem por sentirem que não tem nada a perder, poderá ser um passo crucial para preservar o encontro do país com as condições de arranque para o desenvolvimento sustentável.

 

A experiência transformativa do microcrédito, embandeirada por Muhammad Yunus e o Grameen Bank, quando popularizada, permite que pequenos empréstimos possam ser feitos com base em garantias solidárias, a beneficiários sem acesso ao crédito formal, particularmente para fomentar o empreendedorismo entre as mulheres e os jovens. Este mecanismo tem o potencial de inserir no circuito económico e produtivo uma parte significativa de indivíduos e famílias, que podem combater a pobreza com o seu próprio esforço, engenho humano e dignidade. Para países com elevados índices de pobreza, desigualdades sociais e desemprego, como Moçambique, a massificação do microcrédito, a capacitação profissional, o adequado enquadramento das micro e Pequenas e Médias Empresas (PME´s) e a disseminação de serviços de apoio ao desenvolvimento de negócios, podem ser medidas poderosas para reduzir a pobreza e despoletar o crescimento económico inclusivo nas zonas rurais e nas zonas urbanas. 

 

Amartya Sen, na sua obra “Desenvolvimento Como Liberdade” (1999) enfatiza que a liberdade deve ser encarada como o fim básico e como o meio mais eficaz para a sustentabilidade da vida económica e para o combate à pobreza e à insegurança, sustentando que o desenvolvimento económico é, por natureza, um processo de alargamento das liberdades substantivas que as pessoas usufruem. Quer A. Sen, quer D. Acemoglu, J. Robinson e S. Johnson, encaram o desenvolvimento como um processo de remoção dos vários tipos de restrições que deixam às pessoas poucas oportunidades para exercerem a sua acção racional em alguns domínios, a saber: (i) acesso à renda, ao emprego e aos mercados; (ii) os benefícios políticos relacionados com a democracia, transparência, participação, prestação de contas e o primado da lei; (iii) oportunidades sociais de educação, saúde, habitação e protecção social, e; (iv) usufruto de serviços essenciais e infraestruturas como energia, água, estradas, transportes e comunicações, cultura, desporto, recreação. Esses elementos não só se reforçam mutuamente quando estão em interacção, como também contribuem para a eliminação das principais fontes de vulnerabilidade. O suporte conceptual e teórico desses autores pode ser vital para Moçambique encarar que os pobres devem estar, necessariamente, na centralidade das estratégias de desenvolvimento para os próximos 25 anos.

 

A pobreza, fome, desigualdades sociais e o desemprego não são fenómenos naturais, não são uma desgraça de Deus, nem são fatalidades, pelo contrário, resultam de processos de desenvolvimento concretos e de limitações no que concerne à políticas, instituições, capital humano e capacidade de implementação. As mesmas políticas e instituições que permitiram que esses fenómenos surgissem e bloqueassem o desenvolvimento da nação, não serão elas mesmas a removerem esses problemas. Um outro tipo de políticas, instituições de economia e da sociedade devem ser concebidas e medidas implementadas, e elas devem estar calibradas para ampliar crescentemente das liberdades e as oportunidades que as pessoas usufruem, na perspectiva do desenvolvimento pleno do seu potencial humano. A prioridade cimeira de Moçambique é, inspirando-nos nos laureados com o Prémio Nobel de Ciências Económicas 2024, fortalecer as instituições políticas e económicas inclusivas. 

quinta-feira, 14 novembro 2024 07:58

VM7: Ressabiado ou revolucionário desconcertado?

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Quando se der o epílogo de 2024 o nome de Venâncio Mondlane ou VM7 como ele gosta de ser tratado, deverá reunir consensos como a figura política do ano que vai encerrar no mês que se segue.

 

Sem margem para dúvidas, VM7 é um fenómeno meteórico que será sempre lembrado por ter desafiado o status quo através de lives que provocaram tosses à economia do país afectando-a com assomos de paralisação momentânea do país, e que levaram a soberba arrogância do poder a contrapor com apagões de internet e com o uso indiscriminado da força com balas verdadeiras e do gás lacrimogéneo fora do prazo.

 

Num ano frenético e atípico, VM7 deu lições de cidadania activa que baste na política nacional. Defendeu com unhas e dentes os seus direitos enquanto membro da Renamo; bateu-se com galhardia para a reposição dos mesmos, e, quando se apercebeu que a lei e a justiça não eram suficientes para demover a liderança do partido que reclama a “paternidade da Democracia” a aceitar as suas, legítimas, pretensões de levar a Perdiz à Ponta Vermelha, bateu com as portas que Afonso Dhlakama lhe abriu e foi à procura de uma nova.

 

Aberta a porta da candidatura independente para o mais apetecível cargo do estado moçambicano, VM7 continuou a sua jornada a solo a que atrelou a pálida Coligação para Aliança Democrática (CAD) na sua cruzada e no seu portfólio político, mas porque os seus rugidos faziam eco na sociedade, esse sonho foi desfeito por obra de doutores da lei na mesa da (dís)paridade nacional que chumbaram a coligação com alegações com cheiro e sabor a perseguição política movidas pela dupla de amantes FRENAMO.

 

Refeito desse revés, VM7 olhou para as cores do mapa dos partidos existentes e se fez em núpcias com o Partido Optimista para Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS) e foi às eleições num processo ensombrado desde a fase do recenseamento eleitoral (qual mal parido à nascença).

 

Com os criminosos eleitorais em ação, VM7 não quis esperar pelos anúncios das contagens prenhes de discrepância da famigerada Comissão Nacional de Eleições (CNE) e saiu para as ruas hasteando um discurso de vitória, facto que exacerbou as tensões na já tensa e nervosa esfera pública.

 

A declaração do VM7 fez ranger as estruturas do edifício do esterco e, do degredo das neblinas do poder e com os dentes crocodilados de raiva, foram acionados os marginais do regime que dispararam 25 vezes as mortes de Elvino Dias e Paulo Guambe.

 

Aí o caldo entornou e até hoje o impasse dorme connosco numa relação extraconjugal e estamos na montra do concerto das nações pelos piores motivos. Somos descritos como uma nação em crise pós-eleitoral onde a violência desproporcional do estado impera e é míster e morre-se por se exigir a reposição da verdade.

 

VM7 teve que se resguardar porque o arcebispo e os acólitos deste poder que pretende ir até às últimas consequências quer, supostamente, apagá-lo, pela ousadia de os ter desafiado no cume do planalto que já não emanam as causas justas e puras dos versos da libertação.

 

E agora?

 

O que é que o candidato presidencial da oposição VM7 vai fazer a seguir?

 

Mais tarde ou mais cedo, aos solavancos ou de forma permanente, o quotidiano, rasgado pelas convulsões políticas terá que regressar lentamente à normalidade em Moçambique. Após os protestos que Venâncio Mondlane orquestrou na semana passada por causa da contestação dos resultados eleitorais, embora admita que ainda não terminou a sua luta (manifestações pacíficas), anunciou uma “quarta fase” mais dura e radical das manifestações.

 

Até à data, os protestos provocaram o encerramento de empresas, o esvaziamento de escolas. Os mercados estão desertos e os funcionários públicos não se deslocam aos edifícios dos seus ministérios. O presente “Chamado” de VM7, que na quarta-feira iniciou com a paralisação prevista para durar três dias, tem impactos económicos que já começam a ser sentidos, conforme nos dizem agentes ligados à economia, com as estimativas de perdas financeiras que podem ultrapassar os 300 milhões de dólares, cerca de 18,4 mil milhões de meticais. As receitas fiscais serão, sem dúvida, afectadas.

 

Quem anda pela cidade de Maputo, já andou pelos mercados, pelos centros comerciais, verifica que a cidade depende muito da economia sul-africana. Então vamos ter muitas famílias em dificuldade, e os mais pobres a rangerem de aflição.

 

O Centro de Integridade Pública (CIP) estima que Moçambique perdeu 24,5 mil milhões de meticais (360 milhões de euros) em dez dias de paralisações de contestação dos resultados eleitorais.

 

“A perda total estimada para a economia em dez dias de manifestação é de 24,5 mil milhões de meticais, o que representa 2% do PIB [Produto Interno Bruto] total estimado para 2024”, lê-se num artigo do CIP.

 

Ao ampliar nas suas lives a indignação sobre o cardápio do que se tornou parte da Frelimo e dos seus membros, VM7 parece estar ressabiado, o que rouba o discernimento do revolucionário que muitos esperam, mas se não mudar o foco da sua acção, tal como Moisés, corre o risco de ver a terra prometida e não entrar.

quarta-feira, 13 novembro 2024 10:25

O talento das profundezas do mar e dos remoinhos

As ondas possuem uma propriedade conhecidíssima, transportam energia, sem necessariamente, transportar matéria. Na sua propagação as ondas cantam a história da Humanidade, os sonhos de um povo, os gritos dos escravos e a fantasia das sereias. O mar se veste a rigor e comunica. Explica aos insulares o sentido da musicalidade, e aos continentais, que toda a vida terrestre depende do mar. As ondas, vaidosas, fazem a comunicação mais eficiente e nítida que conhecemos. A vida é uma onda.

 

Gimo Abdul Remane Mendes, de seu nome extenso, curiosamente, a meio de um nome islamizado, manteve o Mendes. Ele é um profundo conhecedor do mar, seus segredos e alma, e dos ciclos das ondas como ninguém. Entende as lições das marés baixas, os perigos das altas e o silêncio de marés mortas. Nasceu escutando e decifrando os sons das pristinas praias de Mossuril, vila adjacente ao litoral que, em tempos de cordialidade, bate de frente com a majestosa Ilha de Moçambique, essa antiga capital e berço de tantos mistérios e ritmos que enfeitiçam.

 

A cidade de Nampula, capital e Rainha do Norte, esse ponto de entroncamento para onde convergem todos os eixos sociais, culturais e económicos, na realidade da sobrevivência, celebrou mais um aniversário.  Mês de Agosto. O maior presente que a cidade e província, hoje, tão descaracterizada, ainda, poderiam oferecer, com originalidade, aos naturais e visitantes, são as suas vibrantes vozes e talento musical do litoral e do interior. Artistas que simbolizam a prova maior da miscigenação que repescou o mais nobre de dezenas de povos e culturas. Mas, Nampula não produziu nem centenas, e, muito menos, milhares de vozes de ponta. Foram só dezenas que, com algum privilégio, atingiram patamares nacionais, continentais ou até mundiais. Os que lograram atingir esses pódios, fizeram-no, à perfeição, com marcas que flutuam sob o anonimato dos ventos, no fervor das geografias e dos ciclos lunares que beijam as ondas.

 

Gimo Remane esse iconoclasta e dono de uma voz arrebatadora que, cantando na sua língua original, Emakhuwa, se autorizou a ser perseguido por uma sonoridade secular, a viajar com a serenidade e calmaria do tufo requintado, enfim, prendeu-se a uma entoação que balança e requebra as cinturas, sempre com o rigor e vigor de uma voz que não teme os ventos. Ele se converteu-se, por mérito próprio, num dos maiores, quem sabe, no mais bem-sucedido artista da província, além-fronteiras, com distinções e premiações bem-sucedidas. Ele quis ser original e pagou bem o preço de ser erudito. Com a banda original que ajudou a estruturar e criar, tão original quanto icónica, o Remoinho, Eyuphuro, cantaram e encantaram Nampula, Moçambique e o mundo. Vivíamos os primeiros anos do sonho da libertada e da identidade cultural, da independência, quando, ainda, deslumbrados viajávamos no comboio azul da revolução entre o Setembro da vitória, e o Junho da explosão.

 

Nampula celebra sua festa de elevação a cidade a 22 de Agosto.  Gimo abraço o mundo a 23 de Agosto de 1955. Mês e época dos ventos das monções, e de todos os recomeços. Seu Pai Abdul Remane António Mendes, enfermeiro, na época com o título oficial de auxiliar de enfermagem, era o alquimista que cuidava da saúde de uma população discreta e constituída por pescadores e camponeses, que acreditavam em outras formas e poderes para tratar de suas mazelas. A espiritualidade e o misticismo de outros poderes divinos.

 

Sua Mãe, Lina Abdulremane, filha de Tove Jensen Mendes, um sul-africano que também andou por Mossuril, e que teve influência na educação da sua mãe. Ela era de profissão mais liberal e que cuidava da família, e dos assuntos mais domésticos, era de uma linhagem das lideranças locais reforçada pelo lobby que tinham junto do governo colonial. Ela foi a primeira responsável por incutir, no seu filho, o gosto pela música e pela educação cultural que ele preservou até à actualidade.

 

Convenhamos, Gimo Remane, nasce, então, numa época e com uma família mediana e com as condições bem mais que suficientes para ter uma vida digna e regrada. O primeiro infortúnio na sua vida regista-se com a partida prematura de seu Pai, Abdul Remane António Mendes. Gimo tinha (2) dois anos. Este vazio foi sentido pela família com pela vila de Mossuril. Gimo, com lamenta, não tem a oportunidade, nem a menor possibilidade de conviver com seu Pai e, muito menos, desfruta das inúmeras histórias que este tinha para contar. Esta ausência nunca foi substituída e a família se ressentiu dessa perda. Para compensar,  viveu dos fascinantes episódios  contados pela  sua Mãe e pelo avô Mendes, das brincadeiras dos amigos e da sabedoria  de um povo que nunca abandona as crianças. Esta época difícil molda sua personalidade e sua postura.

 

Mossuril cresce e prospera como vila, com mercados vigorosos de peixe, oleaginosas e verduras, e como ponto de transição, quase obrigatório, para quem se deslocasse de carro para uma das praias mais concorridas da região norte, a praia das Chocas-mar. Na sua infância foi tratado como Gimo Onsiriri, na prática, Gimo de Mossuril, que era já uma forma de o acarinharem e enaltecer aquele espírito de guerreiro. Os nomes que recebemos se transfiguram e moldam personalidades. Respeitado por ser filho de uma família bem estabelecida e de prestígio tem o apoio de todos, mas quer viver a sua própria epopeia. Viveu e fez a sua infância no bairro Onrira.

 

Ainda, na infância da idade, ele foi herdando as inúmeras e indiscritíveis influências de uma cultural afro-árabe e mestiçada, de povos e mercadores visitantes que, com alguma regularidade, ali exerciam o comércio com os locais. Eram mercadores oriundos de Omã, Índia, em particular Gujarati, Indonésia e Malásia e depois, naturalmente, Portugal que ainda trouxe os goeses e chineses de Macau. Alguns já com residência na região, outros produtos de novas gerações. Mas, chegam, igualmente, de Zanzibar, da Tanzânia e Quénia. Pela Ilha, Mossuril, Lumbo e Angoche saíram, com muita mágoa e dor, milhares de almas moçambicanas que levaram o seu DNA para o mundo. Os escravos. Um cruzamento que espalhou as matrizes culturais deste povo que, fez da sua cultura, uma das mais ricas que Moçambique ostente e se orgulha.

 

Mossuril era, então, esse paraíso de pura beleza e encanto, um observatório privilegiado para o mar, e em dias serenos, para a própria Ilha de Moçambique e as restantes bem nas proximidades. Mas a vila ganhava vida como porto de chegada de pequenas embarcações, com origem no própria Ilha e outros pontos, como Angoche e Nacala, que ali descarregavam o produto da sua pescaria, do transporte de mercadoria e de passageiros. 

 

As águas de Mossuril tipicamente cristalinas, atreladas a um céu azul-celeste de tirar o fôlego aos privilegiados, era mais que um cartão-postal, mas um delírio criado por Deus. Foi nestas praias e paraíso tropical que Gimo Onsiriri brincou com seus amigos, jogou futebol de praia, viu os grupos culturais de Tufo, aprendeu a arte de pescar, viu Mestres fabricarem embarcações Dhow, e começou a entender que tinha um mundo a seus pés. Maturava sua idade e preparava seu futuro.

 

Apaixonado pelos grupos culturais locais, ele seguia, com regularidade, as mulheres e os grupos de dança de Tufo, esta espécie de Taarab em Zanzibar, e prestava redobrada atenção sobre o sequencialmente dos ritmos dos tambores. Esta era uma escola natural de preservação cultural, mas um marco indelével de transição de conhecimento geracional. Foi nestas praias de Mossuril que, entre um mergulho e outro na praia, ele começa a libertar sua voz, primeiro para si mesmo, sempre na imitação, depois, para a sua província, seu país e seu mundo. Sua voz de muito instinto, e, alguma rouquidão, parecia seguir essa ondulação, umas vezes se confundido com a voz dos próprios ventos, outras vezes, embalado pelo ritmo daqueles tambores. Cantar era preciso e viver não era preciso. Vivia no limite e aprendia tudo.

 

Gimo pode não ter tocado viola de lata, como a maioria dos músicos que tocam em áreas suburbanas, todavia, educou seu ouvido para os sons agudos do ritmo Tufo. Viola de lata foi sempre instrumento obrigatória. Os trovadores improvisam seus versos ao som destas violas. Na realidade, todo este litoral sobrevive de Nigungo e Nsope, para além de Tufo, como a base essencial. Estas danças e, amiúde, os grupos que se criam fazem uso e recurso desta acústica de batuques e tambores e, ainda, dos estridentes instrumentos metálicos. Também, usam um apito, que produzindo sons mais graves, parece destoarem, porem, são os marcadores da cadência dos e da execução dos próprios passos de dança. Depois, tudo se complementa com a sensualidade. Existe um erotismo marcante na dança Tufo que se complementa com a educação tradicional ou os ritos de iniciação tão comuns da sociedade matrilinear e de todo o norte do país.

 

A Mãe Lina Abdulremane toma consciência de que Mossuril, apesar do seu potencial, seria demasiado pequena para os sonhos do seu filho. Era necessário conhecer a cidade e os segredos do colonizador. Conhecer a iluminação e aprender novas línguas. Decide enviá-lo para a Ilha de Moçambique. A Ilha o recebe cordialmente para que ele pudesse beneficiar da magia. Na Ilha dá continuidade aos seus estudos e, posteriormente, para a prática cultural que se impregnara em seus sentidos e sentimentos. Aprende a tocar viola durante uma semana, na casa de um familiar onde esteve hospedado. Depois foi talento natural e o seu ouvido.

 

Os grupos de Tufo prosperavam e pipocavam em todas as esquinas. Competiam pelos prémios nos concursos da municipalidade.  Um dos mais famosos foi o grupo Estrela Vermelha. Perdura até aos dias de hoje. Novas roupagens, mas a mesma sensualidade. Gimo conheceu o grupo e viu suas aparições públicas. Convenhamos, aqui reside o berço da sua criatividade e musicalidade. A Ilha de tantas histórias e poemas, músicos e velejadores.

 

Se a Ilha de tantas histórias e segredos que lhe abre as portas, de par em par, para o início de uma marcante carreira musical, melhor cultural, foi a cidade de Nampula que o levou para a capital e para os extremos do mundo. Entre a escola, quase única que a Ilha disponha, na cidade de cimento, e a música popular e dos grupos de Macuti, ele arruma tempo para o desporto, para a praia e para a sua religião. Pode não ser devoto, mas é um crente com fé e faz jus aos ensinamentos espirituais. Vive com familiares e aprendem outras lições de vida, de bem-estar e convívio fraterno entre as pessoas. Contempla hortas a fio aquela ponte que parece não ter fim. Obrigatório para os ilhéus frequentaram a praia. Naquelas praias o tempo se deita para contemplar a obra feita por Deus, a generosa mãe natureza.

 

Mas a Ilha para além de ter o poder de convidar Deus e o tempo para repousaram, ela própria vive num sono interminável. Tudo se faz tão devagar, que parece que todos vivem e convivem parados. Sem pressa e sem velocidades. Pouco ou quase nada acontece com os nativos. As iniciativas, mais ousadas, se originam da perspicácia e sensatez de alguns dos seus filhos que vivem no exterior. Não admira, pois, que todos tentem viver imigrantes. Sonham com Nampula.

 

O mundo além-mar. Terra firme e onde tudo acontece e o mercado gira. Limitado pelos estudos na Ilha, ele migra para a grande capital. Nampula. Sente esse pulsar de uma cidade que tem de tudo um pouco. Escolas de níveis mais elevados, mercados complexos, ferrovias e representantes de tantos outros distritos. A rádio pode ser captada com nitidez e a piscina do Ferroviário vira o sonho da meninice. Nampula era então o centro ideológico e dos vestígios de uma época de glória.  Um novo mundo, ortodoxo, algumas vezes, desregrado noutras.

 

Em Nampula Gimo não tem tanto contacto com os grupos culturais dispersos, muito pelo contrário, convive de muito perto com o som metálico e vibrante das violas e guitarras eléctricas, das diferentes bandas musicais que proliferam, um pouco por toda a cidade. Na época, José Júlio Patinho, uma espécie de trovador, fazia as delícias das grandes massas. Cantava em português e em Emakhuwa. A Rádio Moçambique, à procura de uma programação mais em linha com a revolução, na época, era única e procurava fazer parte do projecto de unidade nacional. Se subdividia entre tocar os hinos gloriosos da revolução, o substrato da epopeia libertadora, reproduzir alguma música pop internacional, com destaque para a brasileira, Soul e funk americano, que ganhava força. Procurava música dos vinhos como Tanzânia e África do sul. Mas, a moda recaia em Roberto Carlos e Erasmo Carlos. 

 

A música local não perdia espaço, porém, eram poucos os que o conseguiam gravar e fazer furor. Foi a oportunidade para os ouvintes do Norte, numa rádio quase sem potência de difusão e em versão analógica, abriu as brechas para outros músicos moçambicanos como Fany Pfumo, Alexandre Langa, Pedro Ben, Wazimbo e Salimo Muhammad, nosso Simeão que Deus decidiu chamar para os shows no palco superior.

 

Mas, Nampula tinha as suas bandas e desfilavam em diferentes palcos e casas de pasto. Os dois Jaimitos, incluindo Jaimito Matapa, ainda estudantes, já revistavam o cancioneiro angolano e imitavam Rui Mingas e o famoso Duo Ouro Negro e o Djambo da marrabenta. Copiavam Roberto Carlos. Esta era uma nova forma de olhar para a música, já com instrumentos mais modernos e com amplificação sonora. Gimo Remane se associa a Salvador Maurício e sai em busca do seu espaço. Leva na bagagem seu repertório e acha que outros ritmos como djarimane, namahandga, e o masepua, poderiam fazer furor. Esta veia cultural o distingue dos músicos da cidade. A simplifica e vai às raízes cultivar seu talento.

 

Salvador Maurício era um etnomusicólogo e se dividia entre a música e uma posição no funcionalismo público da nova e revista máquina administrativa. Tinha a vantagem de estar próximo dos círculos do poder. Gimo Remane equacionou, muito bem, que essa seria uma oportunidade de ouro para se associar a Salvador Maurício, bem conhecido na praça, e, assim, propor essa mistura de sons entre a sua base musical, Tufo, Nsope e Nigungo e musicar esse substrato com instrumentos de percussão modernos, gerando então esse swing africano mais moderno e nem por isso sem raiz cultural. Propôs, então, que o seu repertório tivesse como substrato a língua emakhuwa, apenas, numa época em que a língua local ainda tinha limitações, mas, nem por isso, auditório garantido.

 

Na realidade, apesar de a língua portuguesa ser conhecida, nunca serviu como factor comunicativo para a grande maioria das pessoas. Cantar em emakhuwa era por demais vantajoso e expressava a força de uma ideologia cultural subjugada. Os músicos do sul do País, igualmente, faziam essa opção.

 

Não admira, por conseguinte, que esta proposta tenha sido ousada no começo, todavia, muito bem aceite por largos sectores da população que congregava um número significativo de chumbo, Maconde e outros. Essa obsessão pela língua materna pode ter gerado alguma incompreensão. Não obstante, persistiu e com o seu parceiro de ocasião, Salvador Maurício, seguiu em frente e formou a sua primeira banda, o Eyuphuro e gravaram as suas primeiras músicas. No começo, até para os jovens de Nampula, esta era uma banda da Ilha de Moçambique e não da cidade. Depois, pelo sucesso, passou a ser a grande banda de Nampula.

 

Já decidido e pronto para mostrar seu potencial Gimo Remane, nome pelo qual melhor o identifica, compõe a sua primeira música de sucesso, a famosa Amuara a N’Raki, traduzido como a esposa do Senhor Raqui. Uma senhora que se aproveitava da ausência do esposo para pintar a cara de Mussiro e sair para a rua. Letra simples, mas que tocou os corações de todos. Virou sucesso e teve uma aceitação tremenda. A meio de tantos géneros musicais aquela proposta musical vincava e marcava o seu pedaço e espaço. Decorria o ano de 1981 e iniciava uma carreira sem precedentes e arrasadora.

 

No mesmo ano Gimo Remane sente que poderia explorar outros limites em outras geografias. Numa aventura e achando que tudo seria fácil viaja para o Maputo. Tenta a sua sorte junto da RM e da EME de Eduardo Mondlane Júnior, o grande promotor musical da época, com equipamentos de ponta e que era responsável pela promoção de um vasto conjunto de jovens músicos. Moçambique começava a passar por um período de carências. Faltava de tudo num pouco. Era o preço de se ter optado por políticas comunistas, e por se ter ajudado o Zimbabwe na sua luta de libertação. No Maputo tem colosso para enfrentar e um naipe de bandas que não abriam os espaços de forma facilitada.

 

A RM era sempre quem mais ajudava a divulgar e passava o sucesso do norte de Gimo Remane como esse cartão de visitas inquestionável e indubitável.  Não se consegue firmar e regressa a sua cidade de Nampula. Por alguma razão, nem sempre bem compreendida, entra, igualmente, em rota de colisão com Salvador Maurício. Mas, nessa altura já tem outros integrantes de peso para a sua banda Eyuphuro. Esse remoinho capta Omar Issa, um talentoso guitarrista de enorme tarimba e com muita criatividade, que havia tocado em outras bandas de Nampula, e era dos mais serenos e ponderados e exímio conciliador. A experiência de Omar Issa, já falecido, e a criatividade de Gimo Remane assentam como uma luva. Era o ponto certo e o catalisador de uma nova e auspicia realização. Para gáudio dos seguidores, Nampula ganhava uma bandas que tinha estrelas e reputação.

 

Não tardou, por conseguinte, que esse remoinho tivesse efeitos demolidores. Gimo Remane, eventualmente, continuava fazendo essa incessante busca por novos talentos. Surgiram Mussa Abdala, Chico Ventura e Belarmino Monteiro. Estes dois já na eternidade. Nesta safra, surge Zena Bacar e Aida Humberto. Zena com a voz mais sensual, que não precisou de um segundo convite para provar seus dotes. Se firmou como a voz feminina do Eyuphuro e autêntica estrela nacional. Cantava deslaça, qual diva, e isso ajudou a popularizar o seu talento. A aposta se manteve em maquetizar ritmos do litoral e buscar temas sociais relevantes. Nampula ganhava, quiçá a sua melhor banda dos tempos modernos, um veículo promotor da cultura local, e o remoinho que parecia não ter fim. Saíram de um espaço de conforto e conquistaram o mundo.

 

As carências trouxeram as organizações não-governamentais e outros expatriados para todo o país. Nampula não foi excepção. Recebeu vários, de entre russos e vietnamitas, escandinavos e holandeses. A cidade tem algo que atrai estrangeiros. Deve ser a forma liberal de estar e viver. Entretanto, para Gimo Mendes e sua banda Eyuphuro sobreviver de música virou tarefa árdua e quase impossível. Os patrocínios sumiram, o Estado descapitalizado era a solução, e só mesmo os shows geravam alguma limitada receita. Nem os direitos de propriedade eram respeitados. Era música do povo e todos poderiam usufruir.

 

Gimo Remane se apaixona na época por uma jovem que, mais tarde, virou sua esposa. Charlotte original da Dinamarca. A esposa cedo entendeu que deveria apoiar a veia criadora do esposo. Redobram as suas responsabilidades na continuidade do Eyuphuro. Fazem algumas campanhas para angariar apoios.  Era a forma que a esposa Charlotte encontrava para ajudar o Homem de seu coração e o grande amor de sua vida.  Ajudava de forma directa, primeiro, seu namorado, e depois esposo, a financiar o grupo e minimizar as limitações financeiras graves. Na sua rede de contactos permitiu que o grupo chegasse aos festivais de Verão na Europa e, mais tarde ao tão desejado World Music project, de quem o Eyuphuro foi um dos grandes representantes de Moçambique, a semelhança dos Ghorwane.

 

O mundo clamava por novos sons e estas propostas de Moçambique agradaram a equipa de Peter Gabriel. Eyuphuro ganhava nova vida e embarcava para um rumo que parceria ser de arco-íris e sem final a vista.

 

O World Music era nada mais e nada menos que a música de origem e circulação não ocidental. Eram as canções das minorias, de outras latitudes, dentro desse mundo musical tão complexo e dominado pelo pop, rock and roll e a musical country.

 

Nos shows na Europa o Eyuphuro ganha notoriedade e visibilidade.  Tocavam os corações pela ligeireza de suas canções, seus trajes religiosos e uma Zena que encantava com sua voz de ouro. Começam com shows arrebatadores na Escandinávia e logo chegam ao coração da Europa. Gravam seu primeiro disco entre 1989 e 1991 nos estúdios de gravação Mama Mosambik, ainda hoje temos como um dos trabalhos musicais mais tecnicamente irrepreensíveis. Esta possibilidade abre espaço para eles incorporem outros sons da província, tais como o djarimane, namahandga, e o masepua. Estes ritmos são requintados com outro dinamismo harmónico como são os casos do swing africano e esse híbrido latino e árabe.

 

Para a Europa era um outro pop vestido de outras harmonia e sonoridade. Peter Gabriel que foi o vocalista do Genesis e enveredou por uma carreira a solo, tendo-se afirmou como um dos mais carismáticos artistas da época, aproveita este potencial da música africana e como produtor de vídeos ajuda a divulgar a música do Eyuphuro e o remoinho é reconhecido em toda a Europa.

 

Na primeira digressão para a Europa eles permanecem cerca de seis meses em tournée. Visitam a Holanda, Dinamarca, Bélgica e Suécia. Foram gravados dois álbuns, nessa longa digressão e as dinâmicas do grupo, sem reservas, passou a ser entre Moçambique, que pouco tinha para oferecer, financeiramente, e o ocidente de onde vinham o grosso de receitas da banda. Gimo Remane recorda esse momento e fala do apoio imensurável da sua esposa, que não sendo das lides musicais, procurou formas de patrocinar a banda no começo. Charlotte tem, por conseguinte, o seu mérito na afirmação da identidade do Eyuphuro, e nas apostas ousadas que foram efectuadas noutros continentes. Aliás, os primeiros instrumentos que a banda usou foram produto da generosidade de amigos e de alguns expatriados da esposa de Gimo Remane. Gimo recorda, também, que tudo isto permitiu que criasse diversas composições, porém, muitas delas ficaram por gravar.

 

Gimo Remane era o baluarte do grupo. Fazia os arranjos e compunha. Mas era, igualmente, o produtor, pois, ele próprio, assoberbado, cuidava de organizar as digressões e a venda dos álbuns. Eyuphuro já era uma grande certeza no panorama musical nacional e isso exigia robustez, coordenação e musculatura financeira mais ajustada.  A economia de guerra e o início de um processo de democratização do país criaram, ainda, mais problemas de sustentabilidade do grupo. A existência do público crescia intra e extra muros. Mas, existia algo mais profundo e grave. A pirataria musical. Todos os seus CDs apareceram no mercado negro. Internamente, pouco ou quase nada conseguiam lucrar, porque num mercado musical desregrado e instável nunca tiraram proveitos. Então, a base de sustento eram sempre as digressões e os proveitos dos discos vendidos além-fronteiras.

 

Em 1992, Gimo Mendes opta pelo mais difícil na sua vida e carreira musical. Vai viver com a esposa Charlotte para a Dinamarca, na cidade de Aarhus, na costa este da península de Jutlândia. Esta a segunda mais importante cidade da Dinamarca. Desde, então, aqui se radicou e trabalha.  Trinta e três (33) anos de uma residência condicionada pelo amor e matrimónio, e que ditaram a prolongada ausência das lides musicais moçambicanas. O cenário musical moçambicano passou a dispor de Gimo Romane esporadicamente.  A sua banda Eyuphuro, qual remoinho que perdia a força, foi sobrevivendo de esporádicos convites, até desaparecer do cenário musical de forma física. Assim são os remoinhos, concentram sua máxima forma no epicentro e depois, só a cauda faz os últimos estragos, até que enfraquece para que novos remoinhos possam surgir. Esses sons das profundezas do mar se enfraqueceram de forma irremediável. Zena Bacar continuou cantando no Maputo, emprestada à diferentes grupos e actuações quase oficiais; o resto da banda se desfez para a tristeza da cidade e província de Nampula. Eyuphuro virou memória, mas seu inigualável repertório musical perdura para sempre.

 

Na Dinamarca Gimo Remane estudou música a nível superior e criou um estúdio próprio. Recorre aos amigos e estudantes para a produção de suas músicas, além de realizar concertos um pouco pela Dinamarca e outros países. O melhor, ainda, tem sido o facto de ter começado a leccionar em algumas escolas de música no continente africano. Pai de dois filhos, ele os influencia para a música igualmente. Todos os filhos de peixe sabem nadar e os naturais de Mossuril entendem de música.

 

Nas poucas conversas que temos mantido, ele fala da Artist Take Action, uma associação de carácter cultural e humanitário que, de entre outros, procura congregar diferentes sensibilidades culturais e liberais para estimular esta ligação com a cultura e o seu Moçambique que não sai do Horizonte. Consegue apoios para aparições em Moçambique, porém, sente que essa forma esporádica de dar corpo a sua criatividade musical é insuficiente e ineficaz. Mas, dá os passos certos, sem nunca querer exagerar e dar um passo maior que a perna.

 

Gimo já saiu de Nampula como um Rastafarian. Manteve essa tradição até aos dias que correm. Convicto e com fé de gigante. Rastafarianismo por vezes tido como uma designação ofensiva, longe de nos querer injuriar, equivale, então, a essa religião judaico-cristã com origens afrocêntricas. Está convencionado que surgiu na Jamaica, na década de 1930, entre negros descendentes de africanos escravizados. A sua legião está espalhada um pouco por todo o mundo e Gimo, de forma consciente, mantém os traços de uma longa juventude da qual ele não quer se excluir.

 

A sua produção continua profícua. Mais se assemelha a um imperativo de consciência. Recebo músicas que ele produz e que, certamente, deve estar preparando um novo álbum. O último álbum que lançou em Moçambique, data já de 2014 ou 2015, e se designava raízes da minha terra. Uma crítica ao que tem sido vinculado no ocidente sobre o continente africano, colocando como local de guerras, epidemias e fome.

 

Mas, igualmente, surgiu como um tributo à Nelson Mandela. Pode ser que o álbum não tenha feito tanto furor, num momento em que o país experimenta novos cordões, época de modernidade, ritmos como Pandza e Amapiano, com exuberante influência sul-africana, para não mencionar os sons dançantes de Angola. Mas, diga-se, de passagem e em abono de verdade, que o novo naipe de músicos, mais jovens e com recursos tecnologia, oferecem linguagem ajustada à juventude, comunicam melhor, fascinam as mentes com repetições e batidas repetidas. Cada época transporta suas as aspirações. Gimo ainda teria muito para oferecer ao seu país.

 

Na sua longa estadia na Europa, Gimo Mendes continua ganhando prémios e diferentes menções honrosas. Já foi outorgado e laureado como melhor artista africano do ano na Dinamarca, no longínquo 2009. Antes, fora distinguido com o prémio Danish World Music, em 2007. Mais recentemente gravou o CD Melo, que significa amanhã, em Emakhuwa. Ele próprio define esta nova obra como pertencendo aos espaços e épocas onde os seres humanos se reencontram, as ideias florescem, e se recriam na intersecção e na compreensão. Assim se criam os laços de fraternidade e comunhão. Esta atmosfera de que a vida carece, para que, sejamos todos parte desta humanidade sem distinções de raça, credo e traços culturais.

 

Nas diversas entrevistas e blogs onde se podem ler entrevistas que o artista, amiúde, providencia, sem dúvidas, vale recordar sua apreciação sobre o estágio actual da música. Na sua opinião, grande parte dessa música espelha uma certa apatia da nova vaga de músicos em investigar ou mesmo recriar o património rítmico moçambicano. “Não tenho nada contra ninguém que compra um computador e programar os sons que o japonês fez para começar a cantar. Aliás, muitos nem cantam, só falam com uma certa musicalidade. O que não aprecio é isso estar a passar como identidade musical moçambicana, porque não é”. Assim desabafa Gimo Remane ao mesmo tempo que faz um apelo para que a nova geração preste mais atenção às suas raízes culturais. Na prática, Gimo Remane vive com algum descrédito sobre a evolução da criação cultural mais aturada. A tecnologia, aqui e em toda a parte, começa a colocar essa pesquisa etnológica e cultural, como parte de uma história distante.

 

Quando as estrelas reluzirem e o crepúsculo se der por vencido, porque o arco-íris intercala as tardes e noites, deslumbrarão as emoções deste povo saudoso e inconformado, que não pretende esquecer as suas estrelas que ecoaram pelos vários cantos desde mundo. Gimo Remane é um deles e devemos essa gratidão pelo que fez pela música local, mas, o que continua fazendo na formação de jovens na Europa e, de certa forma, noutros quadrantes. Enquanto, não chega aos 70, cuja cerimónia será realizada aqui na pátria que o viu nascer, a sua carreira musical será, eternamente, feita de encontros e desencontros, porem, com as esperanças e certezas de que, o seu talento, perdurara para todo o sempre. (X)

quarta-feira, 13 novembro 2024 09:28

O amor em estado de vaporização

Viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa – Elis Regina

 

Veio-me à memória, não propriamente a Elis Regina, meu farol também, mas a sua desconcertante música, “Como os nossos pais”, de onde ceifei esses dois versos profundos: viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa.

 

Estava eu sentado sòzinho na varanda, escutando o silêncio debruado pela música dos pássaros, a contrastar com as feridas vivas que se avolumam dentro de nós. E senti a chuva vestida de poesia chovendo dentro de mim: viver é melhor que sonhar/o amor é uma coisa boa.

 

Mas se de um lado a poesia e a música vencem, evocando o amor, do outro lado esse mesmo amor apelado e cantado, entra e estado de vaporização. Sublima-se aos poucos, como as hienas que nos comem vivos. É isso que eu sinto aqui sentado a escutar a música da natureza, ou melhor, a música do silêncio. Sinto também que o tempo de amar está escasseando, está fugindo. E percebo absolutamente que estou para além das minhas lucubrações, não estou a sonhar.

 

Até as crianças, que não páram de vir à minha casa arrancar mangas dependuradas na copa das minhas duas mangueiras, já perceberam que o amor está-se diluindo. Vejo isso na expressão dos seus rostos precoces e na maneira como elas falam. Algumas delas, prestando bem a atenção, não procuram a fruta por prazer de saborea-la, mas por fome. Vê-se nos lábios gretados, nas camisas rotas de parte destes passarinhos humanos. Então, deixo-as tirar as mangas como elas querem, sem limites. E não chamo a este gesto uma devastação, mas sim, uma necessidade urgente. Inadiável.

 

Onde existe o amor tem harpas. E na vida destas crianças não há harpas. Elas não sabem o que é o amor, nunca ninguém lhes deu. Mesmo assim, e isso dói muito, cantam comigo canções de paródia na nossa praia que fica aqui perto, a dois passaos. Cercam-me. Desabrocham a sua aparente alegria no palco de areia, pois dentro delas há um vazio. Físico e espiritual, e sentimental. Sim: o rosto é um pouco a janela da alma, e a alma destas crianças oscila em tonturas. O  corpo está desprovido de energia, e onde não há energia não há luz.

 

Se houvesse o amor! Se houvesse, estas crianças não iriam sofrer. Mas a própria Gal já o diz, e eu não me cando de repetir: eles venceram/e o sinal está fechado para nós/que somos jovens.

 

É isso: os barcos de cabotagem  já não chegam aqui, passam de longe com todos os bombos que eram para as nossas crianças. Nunca tomaram leite estes petizes, vejo isso nos seus rostos. Vejo a fome na forma como devoram as mangas, que serão, com certeza, a primeira refeição do dia, e já passa das 12.00 horas.

 

Como dói! Então o silêncio que me rodeia não faz sentido. Seria, este sossego, o meu retiro de inspiração e paz, mas quando olho para estas crianças, assim como elas (sobre)vivem, destroça-se todo o meu ser.

Hamilton S. S. de Carvalho 2024 Carta de Moçambique33

NYUSI, deve reunir o Conselho de Estado – Carta Aberta.

 

I. Sr. Presidente! A Avenida Joaquim Chissano – em homenagem a um antigo Chefe do Estado da nossa República de Moçambique – ficou definitivamente mais famosa (no mau sentido) com os assassinatos macabros de Elvino Dias e Paulo Guambe a quem rendo aqui a minha singela homenagem. Joaquim Chissano, virou o “templo sagrado dos assassinatos”. Assassinaram-se, na Joaquim, dois grandes cultores e reconstrutores do Estado de direito democrático e de justiça social em Moçambique. Os “esquadrões da morte”, perderam até respeito pelo próprio ‘Joaquim Chissano’ – conhecido como o ‘obreiro da paz moçambicana’. Esses vândalos e marginais que nos cortam a comunicação (internet) e atiraram contra dois jovens intelectuais, porque se renderam as suas capacidades intelectuais, já nem mesmo aos seus próprios líderes do Partido respeitam. São fanáticos da Frelimo, intolerantes, insensíveis, drogados, cruéis, contrabandistas e inconsequentes que defendem a Frelimo a todo o custo porque lhes permite viver a vida de Rei-Rainha sem que o imperium das leis do Estado em que V. Excia dirige lhes afetem… A Frelimo, “garante-lhes isso”… a boa vida, a vida de Cão! Por isso, a Frelimo nunca pode permitir que a alternância democrática seja realidade na democracia constitucional moçambicana. Os luxos, os subsídios, as regalias, os benesses, os negócios internacionais milionários, etc., que começaram com o Governo de Chissano (de deixa andar), se mantiveram com o Governo seletivo de Guebuza, tolerados no seu Governo e se pretendem manter não podem acabar… têm de ser ad aeternum… para isso, temos de defender os nossos interesses egoístas, cruéis e desumanos a todo o custo, mesmo que isso envolva sacrificar ou aniquilar uma nação inteira.

 

II. Sr. Presidente! Há umas semanas atrás, antes do atentado moçambicano de 19 de Outubro contra Elvino e Guambe, escrevi (para lá do dia 17) um artigo sobre o estado da democracia constitucional em Moçambique para o reputado Jornal digital ‘Carta de Moçambique’. Volto a fazê-lo hoje, sempre num compromisso de Cidadão ativo do Estado. Excelência! Num país que se diz ser – perante os seus e a comunidade internacional – de direitos humanos e de justiça social não deve caber juramentos públicos do tipo mentiroso. A representação do Estado moçambicano jura, perante a Constituição da República, defendê-la e fazê-la respeitar de todas as agressões (…) advindas de quem quer que seja. Juramos, comummente, que acima da Constituição apenas Deus; tal como entre outras ordens profissionais, citemos a ordem médica e o dever de respeitar o juramento de Hipócrates – o pai da medicina – os que defendem a justiça juram perante a Constituição seguir escrupulosamente as diretrizes que emanam das suas normas constitucionais, mas tudo: sem seriedade prática! A democracia moçambicana enferma de vários problemas. O problema da crescente desconfiança política e descontentamento político refletidos nos resultados eleitorais são um bom exemplo! Parece-nos evidente – a olhar para o nível das abstenções e a cada dia que passa –, que vivemos (n)uma democracia perigosa, menos participativa, e sob ponto de vista da ciência política já não se percebe ao certo que tipo de democracia é essa. Já ninguém confia no Governo, nas instituições políticas dos Estado. A Frelimo, corrupta, de Chapo, para além de capturar o Estado também consegue comprar os membros da sociedade civil que integram os órgãos decisórios do Estado. Na prática, o que vemos: com o devido perdão – uma “sociedade civil de lixo”, uma democracia maquiavélica entregue… nas mãos de Partidos políticos que vivem da hipocrisia com a conivência de uma sociedade civil que facilmente se deixa corromper. Vale tudo pelo dinheiro (os fins justificam os meios; primeiro o buxo, depois o luxo). Exemplifiquemos! Entre a cultura da ditadura do voto maioritário que se instalou, a comunicação social tornou pública a lista de membros da CNE que aprovaram os resultados fraudulentos das últimas eleições. Vale, de facto, a pena o Povo moçambicano conhecer esse grupo de indivíduos que integram como os “autores morais do assassinato” da democracia: 1. Dom Carlos Simão Matsinhe – Sociedade Civil; 2. Carlos Alberto Cauio – Frelimo; 3. Mário Ernesto - Frelimo; 4. António Focas Mauvilo – Frelimo; 5. Rodrigues Timba – Frelimo; 6. Eugénia Fernando Jorge Fafetine Chimpene – Frelimo; 7. Daud Dauto Ussene Bramogy – Sociedade Civil; 8. Alice Banze – Sociedade Civil; 9. Paulo Arsénio Manuel Cuinica – o porta-voz da quadrilha dos bons malandros, responde pela Sociedade Civil.

 

III. Sr. Presidente! Não tenhamos ilusões… Não foi o pobre coitado do Venâncio que é hoje perseguido pelos radicais da Frelimo, do SISE, do SERNIC, da PRM, das FADM e/ou das Forças militares estrangeiras! “foram (e são)” esses homens batoteiros, devidamente listados, que forçaram manifestações violentas jamais vistas na história da democracia pluripartidária moçambicana; “foram (e são)” esses homens que provocaram a morte de umas dezenas de pessoas; “foram (e são)” esses homens que provocaram (e provocarão) a morte de umas dezenas de moçambicanos no dia 7 de Setembro; são (e serão) esses, as Forças de Defesa e Segurança e a Polícia da República de Moçambique, que terão de responder aos olhos dos Tratados internacionais pelos crimes de genocídio de 7 de Novembro perante a Justiça internacional; será também o seu Governo incluindo o Senhor - enquanto Chefe das Forças Armadas de Moçambique – que até ao momento não teve a ousadia de reunir o Conselho de Estado para se aconselhar. De há muito que as eleições gerais são conhecidas como as mais fraudulentas na história da democracia moçambicana. As Missões de observadores nacionais e internacionais estão agastadíssimas, sempre reportaram ilícitos e irregularidades eleitorais em várias fases do processo eleitoral. Os órgãos eleitorais, são acusados como violadores sistemáticos dos princípios estruturantes da lei eleitoral que a seguir se elencam: o princípio da independência; o da imparcialidade; o da integridade, o da transparência, o da legalidade e o da eficiência. Parece-me, Excelência, que a solução por via da democracia representativa mostra-se inviável em países onde os valores da ética e da moral foram enterrados face a valorização desenfreada daquilo que se chama por moeda de escambo (dinheiro). Vemos hoje, como desgosto, o Tribunal Supremo, sob matérias de ilícitos e irregularidades eleitorais aplicar a dura lex sed lex ao resgatar o velho princípio da impugnação prévia (que o legislador já provou que não serve na realidade democrática moçambicana) contra a vontade popular claramente manifesta em sede parlamentar na pessoa da Presidente do parlamento. Foram incapazes de fazer o mesmo quanto ao artigo estabelecido pela nova lei eleitoral que diz que se deviam substituir as urnas antigas de fundo falso pelas novas para evitar fraudes (enchimento de urnas). Onde é que está a Justiça eleitoral, Sr. Presidente???

 

IV. Sr. Presidente! O Caos se instalou do Rovuma ao Maputo e do Índico ao Zumbo. Sete dias de paralisação total e completa das atividades económicas e sociais, a quarentena forçada instalada, é um assunto que deve ser levado a sério, nada de levianamente. Temos um Estado a funcionar a duodécimos. É chegada a hora de reunir, com caráter de urgência (extraordinariamente), o Conselho de Estado para debater seriamente o estado da nação, o significado do que foi a data-limite e as imposições de um povo que se revê no coração generoso de ‘VM7.’ Estamos perante uma convulsão social assinalável com quase tudo para resvalar para um estado de permanente guerra. A tensão político-militar que vivemos hoje pode facilmente resvalar para uma segunda guerra civil em Moçambique. Não brinquemos com a capacidade de retaliação de um Povo empobrecido e enfurecido; um povo que não tem mais nada a perder… um povo esquecido como ficaram esquecidos os filhos do império colonial; um povo composto maioritariamente por jovens os quais não comem com a Frelimo, uma Frleimo que se tornou cada vez mais seletiva; um Povo que não sabe o que é jogar golfe no paraíso misterioso do presidente; que não sabe o que é viver em capitalismo liberal porque o bonus pater família (Estado) se esqueceu que os filhos têm estômago e os jovens estão na fase de experienciar tudo. Excelência! Ao abraçar o capitalismo liberal (nos fins da década de oitenta e início da década de noventa com a Revisão constitucional ocorrida em 1990) devia saber de antemão que a razoabilidade do capitalismo liberal, sua aceitação, só funciona em sociedades onde existe uma classe média visível. Não em classes onde predomina apenas ricos e pobres. Uma minoria de ricos e uma esmagadora maioria de pobres facilmente enfraquece os poderes do Estado e o império da anarquia pode se instalar. É o que temos vindo a assistir acrescido ao problema da rejeição do rotativismo democrático. Ao longo da vossa governança democrática, estudos científicos demonstram claramente que esteve de longe desse desiderato, o de conseguir uma classe média intermédia. Resultado, as canções de redenção: “(…) já não caímos na velha história, saímos para combater a escoria; ninguém sabe bem como, o povo que ontem dormia, hoje perdeu o sono… povo no poder – EDSON DA LUZ.

 

V. Sr. Presidente! A verdade é que de facto o Povo que ontem dormia quer hoje tomar as armas dos seus exércitos; quer manejar os tanques de guerra que vagueiam pelas praças públicas; quer destruir a sua segurança; quer destruir a segurança do seu Governo. Eles dizem: Nós PODEMOS! Ninguém os pode parar. O Povo moçambicano é um povo com um histórico belicista; um Povo que sabe lidar com guerras. É bom ter memória: já vivemos duas grandes Guerras. A primeira, Colonial (1964-1974) e; a segunda, civil (1976-1992). Não brinquem com o fogo, não vamos permitir uma terceira.

 

Decidam o que querem da vida! Tirando as legislativas… algo me faz acreditar piamente que ‘VM7’ venceu as presidenciais. Isso está mais do que claro. Gostaria de convidar V. Excelência para parar de dar ouvidos aos radicais da Frelimo. O Senhor tem nos parecido que tem um coração generoso senão Isaura não se casaria consigo. Apesar de “amar mais a sua família”, pelo menos é solidário – diferente dos radicais da Frelimo cujas mentes funcionam como verdadeiros economistas, uma mente do Tio patinhas. Não tiram nem um centavo sequer para servir a humanidade, para ajudar aos mais carenciados. Eles dizem: que esses vermes morram logo! Fecham as mãos, se esquecem que uma mão fechada não pode receber as bênçãos de Deus. Aliás, estes Senhores satânicos das FDS, PRM, etc, que têm endurecido o discurso militar para intimidar um povo desarmado que lhes pagam os ordenados são disso, exemplo (a generosidade e prontidão da PRM para levar de volta os manifestantes para longe da Cidade Celeste é impressionante, quando a esmola é grande, o pobre desconfia). Estes Senhores, parecendo que não, levam um discurso odioso na ponta das suas línguas para atacar um povo que nesta hora de imprecisão precisa de umas palavras de esperança; eles dirigem-se aos seus, como se dirigissem a um povo estrangeiro… eles se esquecem completamente que os manifestantes são moçambicanos, irmãos seus. Independentemente de integrarem ou não marginais… se são um Povo composto maioritariamente por marginais é porque a culpa é de quem os governa, de quem os marginaliza. Ao invés de apelarem para o bom senso, vem nos dizer que usarão da força das armas – porque força física não me parece que a tenham – para se fazer obedecer. Mas como diria o Salvador do Mundo, CRISTO: “Mal sabem a hora em que o diabo lhes vai roubar a alma.” Aqueles que desejam a morte de um povo justo, serão castigados… não viverão uma longa vida!

 

VI. Sr. Presidente, Excelência! O Senhor ainda tem o dever republicano de defender o seu Povo. Pode e Deve travar qualquer tentativa de hostilizar militarmente as manifestações no País. Saiba, que no concerto das nações deverá ser julgado pela sua integridade política perante os compromissos de Estado e não pelos compromissos ideológicos que assume com o partido a que faz parte. Um Presidente de uma República serve o Estado, o seu Povo. Não serve o seu Partido, muito menos os camaradas. O mandato presidencial é isento das funções político-partidárias. Os Tribunais internacionais não têm interesse no exercício das suas funções enquanto dirigente/membro do Partido Frelimo; têm, isso sim, interesse no exercício das suas funções enquanto Presidente da República. Aconselho vivamente a revisitar o ‘Estatuto do Presidente da República’. Se o Senhor conduzir o País para os crimes internacionais de genocídio, (…) ou contra a humanidade, pode crer que responderá por isso. Por se livrar dos crimes económicos não pense que se vá livrar dos crimes de guerra. Não se esqueça que o Senhor é o Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança. As forças Armadas estão ao seu comando. O Direito à manifestação é um direito de dignidade, um direito humano de primeira geração, um direito fundamental. É o que eleva a democracia de um País. Deve ser garantido pelo Estado doa a quem doer. Acreditando nos seus valores humanísticos, estou convicto: (i) que o Senhor não permitirá que o Estado dirigido por si assassine VM7 e os manifestantes; (ii) que ainda vai a tempo de encontrar um meio-termo para o País; (iii) ainda vai a tempo de Salvar o País deste eminente crime internacional, de honrar o seu título – o de Doutor Honoris Causa!

 

Hamilton S. S. de CarvalhoPhD em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Professor Visitante em Angola. Colunista do Jornal Impresso, Semanário Canal de Moçambique, e do Jornal Digital ‘Carta de Moçambique.’

 

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