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segunda-feira, 01 abril 2019 05:17

Cipriano Mutota: a hilariante estória de um “caloteiro” também “calotado”

Uma das estórias mais engraçadas e penosas do processo da contratação das “dívidas ocultas” é a de Cipriano Mutota, então Director do Gabinete de Estudos e Projectos do SISE (Serviço de Informação e Segurança do Estado). Mutota foi quem recebeu em primeira mão a proposta do Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique, trazida pela representante da Abu Dhabi Mar LC, do grupo Privinvest, na África do Sul, Batsetsane Thlokoane, através de Teófilo Nhangumele.

 

Diferentemente do trio Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele e Bruno Tandane Langa, que encaixou 50 milhões de USD depois de ter conseguido o “go ahead” do antigo Presidente Armando Emílio Guebuza (AEG), para que o negócio fosse avante, Mutota não teve a mesma sorte. O trio passou-lhe a perna. Na linguagem de rua, deram-lhe “uma cabeçada”.

 

De acordo com a acusação, depois de o “trio” ter recebido as “galinhas” da Privinvest, seus integrantes não informaram Mutota, que tinha a expectativa de receber sua quota-parte da “galinhada”. Mutota confiava em Nhangumele, de quem era amigo e antigo colega da faculdade, no ISRI. Foi através de uma conversa com Ângela Leão, esposa de Gregório Leão, na altura Director do SISE, que Cipriano Mutota ficou a saber que a Privinvest afinal já tinha desembolsado as “galinhas”.

Depois de obter essa informação, Mutota interpelou Teófilo Nhangumele. “E a minha parte?”, perguntou ele. Nhangumele respondeu que nada sabia do assunto, porque o dinheiro que ele tinha recebido (8.5 milhões de USD) era seu. A atitude de Nhangumele contrariava o compromisso que tinha sido assumido num encontro com Jean Boustany, de o dinheiro ser distribuído por todos os membros da “equipa” que abriu o decisivo caminho para a entrada da Privinvest em Moçambique.

 

A resposta dada por Teófilo Nhangumele à questão apresentada por Cipriano Mutota era a confirmação cruel de um ‘golpe’ dado ao homem (Mutota) que recebeu a Privinvest em Moçambique. Perante o cenário, e conforme reza a acusação, Mutota não “engoliu” a estória e telefonou  para Boustany, exigindo explicações sobre por que tinha sido excluído da divisão do ‘bolo’. O libanês limitou-se a dizer que Mutota devia abordar Nhangumele, uma vez que este tinha recebido um valor com a recomendação de entregar parte a Cipriano Mutota. O MP revela que na conversa entre Mutota e Boustany, este último disse que Ndambi e Tandane também tinham recebido o montante acordado.

 

Mutota voltou a contactar Nhangumele e também Tandane, mas estes recusaram-se a partilhar o dinheiro com aquele oficial do SISE, aconselhando-o a ir ter com Ndambi, dado que o filho primogénito de AEG tinha recebido "fatia de leão". Mas o primogénito de AEG também declinou satisfazer a exigência de Cipriano Mutota!

 

Como Mutota insistia em receber a parte que lhe cabia, Tandane  propôs  que  cada um dos três  tirasse  500 mil USD para entregarem ao “comparsa” revoltado. Mas ninguém acolheu a proposta. Desolado, Cipriano Mutota viajou até Pretória (África do Sul), onde identificou uma casa avaliada em 2.795.000,00 Rands. Na tentativa de não ficar ‘de mãos a abanar’, Mutota enviou à Privinvest uma proposta de pagamento, que não ‘pegou’. Mas depois de muita insistência, Boustany instruiu Cipriano Mutota no sentido de identificar uma pessoa a quem o libanês pudesse enviar o dinheiro. A condição era que o receptor do valor repassasse a Mutota sem ‘dar nas vistas’.

 

Mutota contactou dois amigos seus, sul-africanos, Chris Bruno Austin e Russel Edmunds, a quem pediu que recebessem o valor da Privinvest. Austin e Edmunds não só anuíram ao pedido como demonstraram a sua honestidade. Os 656.417,88 de USD que Chris Austin recebeu da Privinvest foram parar às mãos de Cipriano Mutota. O dinheiro enviado (igualmente pela Privinvest) para a conta de Russel Edmunds na Inglaterra foi convertido pelo seu receptor em sete camiões adquiridos ao preço de 105 mil Euros cada. Deste modo, a acusação refere que Mutota recebeu da Privinvest 980 mil USD, um valor muito abaixo do que o arguido esperava. 

 

Para justificar a recepção do valor transferido por Austin, Mutota enviou um email ao seu banco alegando que o dinheiro provinha da venda de uma participação sua na empresa ESV Group, PLC, em Londres, o que não constituía verdade, porque as acções em causa nunca estiveram à venda. Quanto aos sete camiões, a acusação diz que Cipriano Mutota vendeu de imediato três deles, ficando com quatro para transporte de carga. Os veículos eram parqueados no Instituto Nacional de Gestão de Calamidades. Posteriormente, Mutota desistiu do negócio, vendendo os quatro camiões.

 

Esta é a ‘pequena’ história de um homem “burlado” num embuste que ele ajudou a montar. Mutota é acusado de crimes de abuso de confiança, branqueamento de capitais, corrupção passiva para acto ilícito e associação para delinquir. (Abílio Maolela)

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