O filósofo Severino Nguenha apelou à união de todos os moçambicanos para vencer o terrorismo que volta a intensificar-se em Cabo Delgado, causando mortes, deslocados, destruição, dor e insegurança, quatro meses depois da morte do líder terrorista, o moçambicano Bonomade Machude Omar. Nguenha faz o apelo numa altura em que, no seu entender, há tribalismo e desunião no seio dos moçambicanos.
Falando esta quinta-feira (22) em Maputo, no lançamento do Ciclo de Sessões de Conversa e Reflexão sobre Nação e Moçambicanidade, organizado pelo Moza Banco, o filósofo começou por explicar que todos os países desenvolvidos que querem mostrar o seu poderio ao mundo recorrem à África. Nesse contexto, continuou Nguenha, tem-se assistido nos últimos anos a muitas cimeiras organizadas por essas potências com países africanos. Destacou as cimeiras Estados Unidos da América – África, Rússia-África, França-África, China-África, Índia-África, Turquia-África e, recentemente, a cimeira Itália-África, cujo objectivo das nações organizadoras é a aproximação aos países do continente.
Entretanto, para o filósofo, a presença dessas potências em África não é muitas vezes bem-vinda. Segundo Nguenha, a presença dessas potências tem criado conflitos de interesses, principalmente económicos, com o objectivo de explorar os recursos existentes nos países africanos, o mais barato possível. De entre vários conflitos, o filósofo que falava perante uma plateia constituída por outros académicos, como Professor Nataniel Ngomane, a escritora Paulina Chiziane, funcionários do Moza Banco e estudantes de várias universidades, destacou o terrorismo em Cabo Delgado, que tem matado, deslocado, destruído e criando dor e insegurança desde Outubro de 2017.
“A presença dessas potências no continente provoca um clima de instabilidade. Eles correm à busca de recursos apetecíveis do seu interesse e, fazendo isso, eles provocam conflitos, tal como acontece hoje na República Democrática do Congo, no Sahel, a divisão do Sudão, da Somália etc., e são esses conflitos de interesse que provocam o que estamos a assistir em Cabo Delgado. Estamos a assistir a um conflito, em que os interesses económicos ligados ao petróleo levam a que potências que não queiram intervir directamente para defender os seus interesses suscitam conflitos para tirar benefícios de que estão interessados”, afirmou Nguenha.
Posto isto, apelou para uma maior união entre os moçambicanos numa altura em que, no seu entender, a nossa convivência é marcada pelo tribalismo exacerbado pelo conflito em Cabo Delgado. “Temos que dizer todos os dias que somos moçambicanos e queremos ser moçambicanos e pretendemos pertencer à nação moçambicana. Mas para poder dizer que somos moçambicanos temos de ter razões objectivas, temos de pensar que ser moçambicano é melhor que ser de uma República de Cabo Delgado, por exemplo. Moçambicanidade é já”, apelou o professor.
No mesmo diapasão, a renomada e laureada escritora Paulina Chiziane disse que, por causa dos conflitos que se assistem no país nos últimos anos, os moçambicanos estão à deriva e apelou para a necessidade de o país “parar e perguntar aos ancestrais” que soluções para os actuais problemas. Na sequência, Chiziane explicou no debate que, antes da chegada do colono, os moçambicanos tinham hábitos e costumes que eram elementos unificadores. Entretanto, deu a entender que, com a colonização, globalização, esses hábitos e costumes foram perdidos, o que provoca conflitos.
Num outro desenvolvimento, a escritora disse que os moçambicanos estão nos últimos anos a sofrer uma nova colonização baseada na religião. “Já previa há 10 anos que estava iminente uma nova colonização, a religiosa. Entretanto, ninguém percebeu, pelo contrário fui bastante criticada por essa afirmação. Até houve igrejas que fizeram missas alegadamente para expulsar o demónio que tomava conta de mim, o que me levou a fazer tal afirmação. Mas hoje, vemos uma igreja em cada esquina do país, principalmente na zona sul. Cada uma dessas igrejas tem as suas ideologias que, ao fim e ao cabo, roubam a liberdade dos fiéis”, disse Chiziane.
Entretanto, para evitar essa colonização, a escritora apelou para que cada moçambicano recue para o passado para apreender como era a vida. “Como diz o ditado, se não sabes para onde vais, pára e pergunte aos ancestrais”, afirmou Chiziane. Durante a Reflexão sobre como reconstruir e construir a moçambicanidade, interveio também Nataniel Ngomane. O académico que também é Presidente do Fundo Bibliográfico de Moçambique dissertou sobre a moçambicanidade construída pelos primeiros 1200 estudantes que em 1977 foram estudar em Cuba. Falando da sua experiência naquele país, Ngomane apelou aos moçambicanos para serem mais solidários e principalmente sociais, como forma de construir a moçambicanidade. O socialismo é, na verdade, “o modus vivendi” de Cuba.
Para o Presidente do Conselho de Administração (PCA) do Moza Banco, João Figueiredo, a reflexão que se pretende seja replicada é lançada numa altura em que, à medida que o mundo se torna cada vez homogéneo, enquanto moçambicanos, corremos o risco de perder aquilo que nos torna únicos, que são as nossas tradições seculares, os nossos costumes enraizados, os nossos valores ancestrais.
“Mas enquanto Moza, o Banco que carrega a marca do orgulho moçambicano, erguemo-nos de forma destemida porque não queremos ser meros receptores de informação. Queremos reafirmar Moçambique enquanto país com cultura e valores sociais colectivos cintilantes. Mas para isso, é preciso que tranquemos as portas e olhemos primeiro para nós mesmos. É preciso que reflictamos sobre nós e voltemos a ter um propósito comum enquanto povo, porque acreditamos que a moçambicanidade não é apenas uma identidade, é um tesouro nacional que se deve proteger a todo o custo”, afirmou o Figueiredo. (Evaristo Chilingue)