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sexta-feira, 05 julho 2019 06:11

Cenário Fiscal de Médio Prazo não é uma estratégia efectiva de estabilização macro-económica, defende Roberto Tibana

Uma análise executiva sobre o Cenário Fiscal de Médio Prazo (CFMP) 2019-21 do Governo, elaborada pelo economista Roberto Tibana e publicada, esta semana, pelo Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), sob responsabilidade do Observatório do Meio Rural (OMR), defende que aquele instrumento de planificação e orçamentação está aquém de constituir uma estratégia efectiva de estabilização macro-económica e promoção da recuperação da economia moçambicana.

 

A conclusão, segundo o autor, deve-se ao facto de, entre outras razões, o CFMP 2019-21 não apresentar o quadro macro-económico completo que sirva de pressuposto ao cenário fiscal; usar valores do PIB (Produto Interno Bruto) que variam de capítulo em capítulo, significando haver inconsistência interna nos cálculos das grandezas macro fiscais num mesmo cenário; e a existência, no texto, de passagens contraditórias com os elementos quantitativos apresentados nas suas tabelas e gráficos.

 

 

O CFMP é um instrumento rolante de planificação e orçamentação, através do qual, são organizadas, actualizadas e apresentadas as opções estratégicas com o enfoque para a materialização das grandes linhas do Programa Quinquenal do Governo (PQG). O documento tem como objectivo delinear o contexto económico, em que o Orçamento do Estado (OE) estará inserido, explicar a Política Fiscal, no contexto das perspectivas macro-económicas, e propor a estrutura de afectação de recursos para os próximos três anos.

 

A análise de Roberto Tibana sobre aquele documento, elaborada, em Abril último, e publicada, na passada segunda-feira (01 de Junho), com o objectivo de determinar a eficácia dos objectivos e funções do mesmo, como instrumento de gestão estratégica das finanças públicas, critica, primeiro, o facto de o documento do Ministério da Economia e Finanças (MEF) não explicar quais as medidas de políticas fiscais que distinguem o Cenário de Recuperação do Crescimento do Cenário de Crescimento Moderado, nele previstos.

 

O facto é que o CFMP do triénio 2019-2021, aprovado pelo Conselho de Ministros, em Dezembro de 2018, que fixa como objectivos das políticas macro fiscais o restabelecimento da estabilidade macro-económica e a recuperação gradual do crescimento económico, apresenta as metas e os principais agregados macros fiscais na forma de dois cenários, nomeadamente, o de ‘Crescimento Moderado’ e o de ‘Recuperação do Crescimento’.

 

No cenário moderado, de acordo com a Análise, o CFMP 2019-21, já retirado da página oficial do Ministério da Economia e Finanças (MEF), projecta melhorar as políticas e a administração tributária para maior eficácia da colecta da receita interna e, na despesa, prioriza a contenção da despesa primária (nomeadamente com o pessoal e bens e serviços), bem como melhorar a alocação dos recursos.

 

Para além desse aspecto, prevê ainda um crescimento económico anual de 5.3 por cento durante o triénio, acelerando em cerca de 1.4 pontos percentuais em relação ao que se estima que tenha sido no triénio anterior.

 

Para Tibana, estas projecções de crescimento do PIB, por exemplo, são excessivas e “sem fundamentação adequada” e justifica: “Por exemplo, enquanto, para vários sectores, as projecções aparecem, no geral, com taxas médias anuais de crescimento abaixo da sua média durante o último triénio do período pré-crise (2013-15), nos casos da Agricultura e das Pescas, partindo de um crescimento médio anual de 2.3 por cento e 3.7 por cento no triénio 2013-15, e 3.5 por cento e 3.1 por cento no biénio 2016-17, o Governo faz uma estimativa de 5.0 por cento e 5.8 por cento para 2018 e projecta um crescimento médio anual de 5.4 por cento e 5.2 por cento no triénio 2019-21. Entretanto, não apresenta nenhuma fundamentação objectiva e convincente no documento para justificar tal aceleração do crescimento nestes dois sectores”.

 

“Por outro lado, nota-se uma diferença substancial entre as projecções de crescimento global do Governo e dos técnicos do FMI (Fundo Monetário Internacional). As projecções do Governo estão, substancialmente, acima das expectativas optimistas dos técnicos do FMI em finais de 2017, assumindo a implementação das reformas por eles propostas, reformas essas a que o Governo, na altura, claramente objectou (pelo menos em termos de intensidade)”, acrescenta o economista.

 

Na sua fundamentação metodológica, Tibana diz tomar em consideração os principais pressupostos económicos e do contexto político e social do país, da conjuntura internacional tomados em conta na preparação do CFMP, bem como os riscos a eles inerentes. Dedica grande parte da avaliação à estratégia fiscal do Governo no triénio 2019-2021.

 

Segundo Tibana, na formulação dos pressupostos macro-económicos, o CFMP 2019-21 considera um leque muito limitado de dimensões e variáveis da economia nacional, excluindo algumas que são fundamentais para as previsões do desempenho fiscal.

 

“Por exemplo, o documento não apresenta pressupostos de procura de exportações e de consumo privado, nem projecções das grandezas do PIB que representam a lucratividade do sector produtivo e dos salários da massa laboral nacional, grandezas que, em princípio, devem ser tidas em consideração nas projecções de receitas fiscais”, explica.

 

“O CFMP 2019-21 do Governo não apresenta um cenário base (aquele que prevaleceria sem novas medidas de política fiscal). Dado que o CFMP 2019-21 associa o cenário de crescimento moderado a uma ‘consolidação fiscal gradual’, torna-se impossível aferir o grau dessa consolidação, quando não se conhece qual a trajectória que, na avaliação do governo, a economia tomaria se tal consolidação não tivesse lugar”, observa, sublinhando que, há três anos que a economia moçambicana cresce a taxas “moderadas”.

 

A análise afirma ainda que o crescimento nominal da receita previsto pelo Governo para 2019 (25,7 por cento) afigura-se não credível, dada a experiência dos anos anteriores e o facto de o governo não quantificar os efeitos das novas medidas de políticas de receitas que se propõe implementar. Em 2018, por exemplo, o Governo estima que os recursos totais ficaram 10.7 por cento abaixo do previsto na Lei Orçamental e 7.9 por cento abaixo do que foi realizado, em 2017.

 

Na análise, Roberto Tibana refere também que o CFMP 2019-21 não revela uma estratégia de ajustamento e consolidação fiscal efectiva, pelo que, por exemplo, o saldo primário permanece negativo, tendo saído de 3.2 por cento para 6.6 por cento negativos do PIB, mantendo-se numa média anual negativa de 5.5 por cento no triénio 2019-21, o que significa que a dívida pública irá aumentar durante esse período.

 

A análise, de 41 páginas, sublinha ainda o facto de o CFMP 2019-21 apresentar uma tendência de uma ainda maior centralização da alocação dos recursos fiscais, contrariando o discurso da descentralização, propalado por Filipe Nyusi e seu elenco. Assim, de acordo com a análise, projecta-se que a parte do nível central, nos recursos totais, aumente de 48 por cento, em 2017, para 57.5 por cento, em 2021.

 

No caso do investimento, a nível central, passar-se-ia de 60.4 por cento, em 2017, para 88.6 por cento, em 2021, enquanto, por exemplo, a expensas do nível distrital irá sair de 16.4 por cento para 1.5 por cento; de 17.7 por cento para 6.5 por cento, no nível provincial e de 7.5 por cento para 3.4 por cento, no nível autárquico.

 

“As tendências de alocação de recursos acima descritas sugerem que os poderes locais serão cada vez mais desprovidos de recursos para a promoção de programas e empreendimentos minimamente estruturantes que reflictam as preferências e necessidades do eleitorado local”, destaca.

 

Em relação à sustentabilidade da dívida pública, Tibana afirma que o CFMP 2019-21 não apresenta nenhuma análise relacionada a esta questão, limitando-se apenas a afirmações genéricas acerca da sua evolução passada e futuramente esperada.

 

“Nem sequer faz alusão às opções que o governo tem vindo a considerar para a resolução do imbróglio das dívidas ocultas e ilegais e dos possíveis impactos orçamentais. Os elementos expostos mostram que o CFMP 2019-21 do Governo é optimista nos seus cálculos da evolução futura do saldo da dívida pública e não merecem credibilidade”, considera.

 

Devido a todas estas razões, defende Tibana, o CFMP 2019-21 do Governo é mais uma fonte de incerteza do que um plano fiscal que possa assegurar aos agentes económicos e à sociedade, em geral, a trajectória através da qual as políticas do governo pretendem levar a economia no médio prazo.

 

Considera que, volvidos mais de 30 anos, desde que o Governo aderiu ao FMI e tem vindo a receber assistência técnica em matéria de análise e gestão das finanças públicas e considerando os progressos, inicialmente feitos, a qualidade analítica e a apresentação do CFMP 2019-21 “mostram um retrocesso preocupante na qualidade da gestão das finanças públicas no país”.

 

Por essa razão, recomenda o governo a tomar medidas para reverter esta situação, começando por revisitar o actual documento e produzindo um novo que fundamente melhor a estratégia fiscal.

 

Refere ainda que os recentes desastres naturais no centro do país (ciclone Idai e cheias) criam uma necessidade de revisão de todas as previsões económicas para 2019 e anos subsequentes. Isto oferece também uma oportunidade para a revisão do CFMP que possa servir de guia também para um eventual orçamento rectificativo ao cabo do primeiro semestre fiscal de 2019. (Abílio Maolela)

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