Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quarta-feira, 04 setembro 2019 05:52

Contra-insurgência contraproducente: Moçambique está criando o próximo Boko Haram?

Moçambique tem um pequeno problema de terrorismo, mas a resposta do Governo ameaça torná-lo grande. Hilary Matfess, da Universidade de Yale, e Alexander Noyes, da RAND Corp., afirmam nas seguintes linhas que Moçambique está exagerando no perigo com uma repressão pesada, a qual está inflamando a tensão e fazendo pouco para conter os elementos mais radicais em Cabo Delgado.

 

Eles argumentam que Moçambique corre o risco de seguir o caminho da Nigéria, onde uma resposta do governo contra uma seita radical levou ao aumento no apoio ao grupo que se tornou conhecido por Boko Haram.

 

Eis os argumentos dos autores.

 

Depois que o grupo insurgente islâmico al-Sunnah wa Jamaah (ASWJ) matou sete pessoas no norte de Moçambique em Julho, o Estado Islâmico reivindicou o seu envolvimento, a segunda desde junho. Nas semanas seguintes, os ataques continuaram, com o assassinato de cinco pessoas em 23 de Agosto. As evidências para substanciar vínculos diretos entre o Estado Islâmico e a ASWJ são escassas e a ASWJ não precisa de uma filiação transnacional para ser considerada uma ameaça para estabilidade em Moçambique.

 

O grupo entrou em conflito repetidamente com as forças de segurança moçambicanas desde outubro de 2017 e está ligado a mais de 140 eventos violentos que resultaram em mais de 400 mortes, de acordo com o Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED).

 

A ameaça ao país e à região é real, mas a actual abordagem do Governo de Moçambique pode fazer escalar a crise. A experiência doutros países africanos podia ser uma lição instrutiva: uma resposta directa que depende apenas da repressão, só vai piorar as coisas. Moçambique precisa lidar com o crescente desafio à segurança de maneira a resolver o problema, em vez de exacerbá-lo com táticas pesadas, justificadas como “medidas duras contra o terrorismo”.

 

Uma abordagem mais abrangente, que se concentra no desenvolvimento socioeconômico compartilhado e que alavanque parcerias internacionais, seria mais eficaz no combate a grupos extremistas como o ASWJ.

 

Repressão do governo

 

A resposta de Moçambique à onda de ataques da ASWJ foi extremamente pesada e militarizada, com alegações de violações generalizadas dos direitos humanos por parte das forças de segurança. Após o primeiro ataque do grupo em outubro de 2017, o governo fechou mesquitas e deteve até 300 pessoas sem acusá-las. E não desistiu. No final de 2018, o Governo voltou a realizar detenções arbitrárias em larga escala, e a campanha de contra-insurgência como um todo foi caracterizada não apenas por prisões em massa, mas também por tortura e assassinatos extrajudiciais.

 

Além da repressão física, o Governo também respondeu à crise através da supressão e censura dos meios de comunicação. Desde junho de 2018, o governo barrou o acesso dos meios de comunicação social à região; aqueles que tentaram contornar a proibição foram detidos. Em janeiro deste ano, o jornalista Amade Abubacar foi preso por denunciar a violência em Cabo Delgado e foi-lhe negado comida e tratamento médico.

 

Sem surpresa, isso teve um efeito assustador na disposição dos moçambicanos de falar abertamente sobre o conflito. Numa recente viagem a Moçambique, um de nós (Noyes) encontrou uma relutância geral em se discutir a ameaça emergente. A repressão desta natureza provavelmente sairá pela culatra. De facto, deter ou matar líderes religiosos geralmente apenas inflama as tensões e acelera a ameaça.


Lições não aprendidas?

 

Moçambique corre o risco de repetir os erros cometidos noutras partes de África ao responder às insurgências extremistas. Tanto a Nigéria quanto o Quénia responderam a ameaças semelhantes com táticas repressivas, mas isso apenas ampliou as tensões religiosas e étnicas e forneceu forragem para o recrutamento de extremistas.

 

A ascensão do Boko Haram - o grupo mais mortífero da África em 2015 - e a ameaça permanente da al-Shabaab no Quénia mostram como essas abordagens foram contraproducentes a longo prazo. Um ponto de inflexão na história do Boko Haram ocorreu em 2009. Um confronto entre membros da seita e a polícia nigeriana, aumentou e levou a uma resposta dura do Estado. A repressão resultou na morte de mais de 700 pessoas em Maiduguri, capital do Estado de Borno, incluindo o líder da seita Mohammed Yusuf.

 

Quando o grupo ressurgiu sob a liderança de Abubakar Shekau, alguns anos depois, tinha sofrido uma transformação, passando de uma seita dissidente em grande parte não-violenta, com algumas características criminais, para um movimento violento e virulentamente anti-estatal.

 

Um processo semelhante ocorreu no Quénia. Após uma série de ataques da al-Shabaab, o governo do Quénia reprimiu as comunidades somalis e muçulmanas de lá, prendendo milhares. Essa estratégia de punição coletiva saiu pela culatra. Um estudo de 2014 que analisou o recrutamento da al-Shabaab no Quénia descobriu que o “factor mais importante que levou os entrevistados a se juntarem à al-Shabaab, de acordo com 65% dos entrevistados, era a estratégia de contraterrorismo do governo”.

 

Os assassinatos de vários clérigos em Mombaça, no Quénia também aumentou as tensões e queixas. Um relatório recente das Nações Unidas descobriu que esse padrão se estende além da Nigéria e do Quénia, concluindo que aqueles que se juntam a grupos extremistas costumam ter queixas contra o Governo e desconfiam particularmente da Polícia e das Forças Armadas. Essas descobertas sugerem que a abordagem militarizada de Moçambique contra a insurgência provavelmente será contraproducente.

 

Apesar das recentes reivindicações de vínculos com o Estado Islâmico,actualmenteaameaça da ASWJ parece ser doméstica,

com poucasevidências de vínculos directos com grupos extremistas internacionais.

Mas se o Governo continuar a responder de maneira pesada, 

é provável que a ameaça cresça, com efeitos potencialmente devastadores para o país e a região. 

 

(Resumo de um artigo de /publicado originalmente em LawFare.com a 1 de Setembro)

Sir Motors

Ler 6561 vezes