Chegou ao fim, esta quinta-feira, a longa-metragem sobre o “saque em Moscovo”, em que os principais actores eram os antigos Embaixador de Moçambique na Federação Russa, Bernardo Marcelino Chirinda, e Adido Administrativo e Financeiro, Horácio Samuel Matola. Os arguidos foram condenados pelo colectivo de juízes da 7ª Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) a penas de prisão efectiva de 10 anos e oito meses para Bernardo Chirinda e nove anos para Horácio Matola.
Segundo o Juiz do Processo Querela n° 20/2016/7ª-B, Rui Dauane, os factos ocorreram entre 2003 a 2012, altura em que Bernardo Chirinda encontrava-se em frente dos destinos da embaixada moçambicana naquele país do leste europeu. Conta o Tribunal que, durante esse período, a dupla terá lesado o Estado moçambicano em 8.661.568,00 Mts, valor que deverá ser ressarcido aos seus cofres.
Bernardo Chirinda e Horácio Matola eram acusados dos crimes de peculato e abuso de funções ou cargo, entretanto, o colectivo de juízes acabou retirando o crime de abuso de funções, alegadamente porque não poderiam ser acusados por crimes duplicados. Assim, responderam pelo crime de peculato, sendo que Bernardo Chirinda cometeu 23 deles e Horácio Matola 20, que se qualificam em “roubo dos bens do aparelho do Estado”.
Numa sentença marcada pela presença de familiares e amigos, logo cedo, os dois arguidos já se encontravam na sala de audiências, com semblante cabisbaixo. Às 10 horas arrancava a leitura da sentença, que durou uma hora e vinte e sete minutos.
O juiz Rui Dauane começou por descrever os crimes cometidos pelos dois, tendo enunciado as agravantes que se consubstanciavam em algumas mentiras proferidas pelos arguidos até à fase das alegações finais e as atenuantes que, segundo o Juiz Dauane, “os arguidos apresentaram-se voluntariamente logo que foram convocados, acusados pelo Ministério Público (MP). Bernardo Chirinda e Horácio Matola “faziam e desfaziam” na Embaixada de Moçambique na Rússia.
O Juiz apontou 151 factos que ditaram a condenação daquelas “figuras” que, nos últimos anos, serviram o país. Na sentença lida esta quinta-feira (12 de Setembro), consta que Bernardo Chirinda e Horácio Matola orquestraram um sistema de “saque” e que de “tanto gastar os honorários do Estado, os arguidos passaram, nos últimos anos do seu mandato, a comprar bebidas alcoólicas, materiais de beleza, roupas e outras quinquilharias com dinheiro dos cofres do Estado”.
Uma das estratégias usadas pelos “comparsas”, conforme afiançou o Juiz Rui Dauane, era a realização de viagens particulares e constantes feitas pelo Embaixador, enquanto o regulamento interno do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MINEC), só permite viagens de dois em dois anos, o que o diplomata nunca chegou de cumprir. Para piorar, diz o Tribunal, Chirinda ordenava ajudas de custos para si mesmo em viagens, que custaram ao Estado moçambicano 37 mil USD, equivalente a 1.113.300 Mts, no câmbio da altura dos factos.
O outro modus operandi passava por contratar funcionários para a casa protocolar, por determinado período e, posteriormente, despedi-los, mas sem cancelar o pagamento dos seus salários. Este caso aconteceu com um cidadão russo de nome Ukslov Andelov, que foi contratado a 01 de Junho de 2009, mas que três meses depois seria desvinculado da Embaixada, porém, Bernardo Chirinda continuou a receber o seu salário, em numerário, no valor de 1000 USD por mês. Nesta operação, Chirinda apoderou-se de pouco mais de 37 mil USD (recebeu este valor durante três anos).
A mesma situação aconteceu com a cidadã moçambicana Líria Malate, uma estudante contratada para prestar serviços de tradução, que tinha um salário bruto de 700 USD. A declarante apenas trabalhou na Embaixada por três meses, mas o Embaixador continuou a usufruir dos valores, tendo ficado com 6 mil USD. O Tribunal revelou ainda que, no final do ano de 2011, os arguidos simularam ajudas de custos para os 10 funcionários da Embaixada, tendo retirado 30.050,00 USD, equivalente a 910.500,00 Mts, no câmbio da altura dos factos, que rondava em 32.2 Mts.
Bernardo Chirinda simulava também transferências para o filho, Kevin Chirinda, e a esposa, Sónia Samuel, tendo ficado com mais de 40 mil USD. O Embaixador realizou diversas viagens sem autorização dos seus superiores hierárquicos, mas com ajudas de custo do Estado.
Para a condenação dos arguidos, pesaram os depoimentos dos antigos Ministros dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (Oldemiro Balói e Leonardo Simão), que contrariaram vários argumentos dos arguidos, assim como os elementos colhidos no relatório do Inspector daquele Ministério, Francisco Neto.
Refira-se que os relatórios da equipa de Inspecção do MINEC já levaram à condenação de dois diplomatas, pela 7ª Secção Criminal do TJCM. Em Março último, aquela secção condenou a antiga Embaixadora de Moçambique nos Estados Unidos da América (EUA), Amélia Sumbana, a uma pena de prisão de efectiva de 10 anos pelos crimes de peculato, abuso de cargo e confiança, branqueamento de capitais e violação de direito e respeito pelo património público.
No entanto, Filipe Sitóe, Advogado de Bernardo Chirinda, garantiu que vai recorrer da sentença. (Omardine Omar)