Manuel Chang e a Frelimo podem ter cometido um erro de cálculo na sua relutância em insistir no regresso do antigo ministro a Moçambique em vez de permitir que ele seja extraditado para os EUA. Cada vez mais, o andamento do processo nos EUA mostra que Manuel Chang não passaria, para o Departamento de Justiça americano, de um peão apenas, tal como todos as outras cinco figuras (António Carlos Rosário, Teófilo Nhangumele, Detelina Subeva, Andrew Pearse e Jean Boustany) acusadas no processo que começa a ser julgado a 7 de Outubro num tribunal em Brooklyn. Só Manuel Chang não percebeu que colaborar com a justiça americana lhe daria mais vantagens que o contrário.
Os dados apontam para uma direcção: o principal alvo dos americanos são o Credit Suisse (CS) e o “boss” da Privinvest, Iskandar Safa. No caso do banco suíço, se se de por provada a vulnerabilidade dos seus sistemas de controlo interno em processos que defraudaram investidores americanos, Washington pode vir a aplicar ao banco helvético uma multa gigantesca. Nos últimos anos, de acordo com cálculos partilhados com “Carta” por uma organização que segue o processo, o Credit Suisse pagou de multas 9 bilhões de USD por falta de “compliance” com a regras básicas de gestão bancária.
A revelação, ontem em Nova Iorque, de que um terceiro banqueiro do Credit Suisse, antigo diretor no Credit Suisse Global Financing Group, Surjan Singh, deu-se como culpado de conspirar para “lavar dinheiro” no caso das dívidas ocultas de Moçambique, depois de Detelina Subeva (antiga vice-presidente da unidade de financiamento global do Credit Suisse) e Andrew Pearse, mostra uma coisa: Todos eles confessaram ter recebido subornos da Privinvest, para defraudar investidores americanos através das suas posições no Credit Suisse. Uma fonte em Nova Iorque, que acompanha o caso, suspeita que Singh tenha dados muito mais informação que implica o Credit Suisse (e alguns superiores) e Iskandar Saf.
Todos os três apontaram Jean Boustany como sendo um dos “pivots” da Privinvest (de Iskandar Safa) no pagamento dos subornos que receberam e todos revelaram a fraqueza dos controlos internos do Credit Suisse. Aliás, em julho, o banqueiro neozelandês Andrew Pearse também se deu como culpado dos crimes de que é acusado, mas sua confissão e outros relatos sobre o esquema estão sob sigilo. Há quem sugira que o Departamento de Justiça americano esteja a esconder muitos elementos das confissões que apontam directamente contra Iskandar Safa e o Credit Suisse.
A indicação de que o Departamento de Justiça americano parece visar mais o Credit Suisse e a Privinvest já constava da acusação/emenda submetida a 16 de Agosto em Nova Iorque, a qual fundamentalmente visava refutar as alegações de Jean Boustany segundo as quais a justiça americana não tinha jurisdição sobre os crimes de que ele é acusação.
Nas suas novas alegações, o Governo americano apresenta novos dados sobre a Palomar (Boustany foi um dos administradores da Palomar); o co-conspirador número 2 da Privinvest 2 (Safa) possuía 2/3 acções da Palomar; Andrew Pearse possuía 1/3 de acções da Palomar; Detelina Subeva trabalhou para Palomar enquanto ainda era funcionária sénior no CS; Em Março de 2013, um investidor americano comprou uma participação de 15 milhões de USD no empréstimo da Proindicus.
Por outro lado, na época da troca dos Eurobons da EMATUM, o Credit Suisse estimou que 39% dos detentores de títulos EMATUM estavam nos EUA. Como a troca exigiu a aprovação de 81% dos detentores de notas da LPN, a CS e a VTB organizaram "roadshows" nos EUA. Há novas alegações de actos públicos em 2015 e 2016, necessárias para provar a conspiração para cometer fraude de valores mobiliários (por exemplo, o Credit Suisse elaborou um relatório de avaliação em 2015, concluindo que os atuneiros valiam quase 400 milhões de USD menos do que o valor do empréstimo EMATUM, para além que há várias comunicações entre o CS e Boustany sobre o "roadshow" de intercâmbio da EMATUM.
O andamento do caso aponta, pois, para que o alvo principal sejam a Privinvest e o CS. A ver vamos. Mas o facto de três banqueiros terem decidido colaborar mostra que esse é o caminho mais prudente. Nem Manuel Chang nem a Frelimo pensaram assim. Erro de cálculo? Talvez sim...(Marcelo Mosse)