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segunda-feira, 23 setembro 2019 05:31

Edson Cortês aponta “dívidas ocultas” como maldição dos recursos naturais

O Director do Centro de Integridade Pública (CIP), Edson Cortês, defende que as “dívidas ocultas”, contratadas entre 2013 e 2014, pelo Governo de Armando Guebuza, no valor de 2.1 mil milhões de USD, a favor das empresas EMATUM, MAM e PROINDICUS, constituem a principal maldição verificada no país, desde a descoberta dos recursos minerais, com destaque para o gás natural da bacia do Rovuma, província de Cabo Delgado.

 

Falando na última sexta-feira, em Maputo, durante a “Conferência do IESE (Instituto dos Estudos Sociais e Económicos) por ocasião do 10º aniversário da publicação ‘Desafios para Moçambique’ Dez anos pensando Moçambique”, que teve lugar entre quinta e sexta-feira passadas, Edson Cortês afirmou que, desde o anúncio da descoberta dos jazigos de gás na bacia do Rovuma, que colocam Moçambique na lista dos maiores produtores deste recurso natural, o país entrou numa onda de endividamento, mesmo não sabendo quando irá começar a colher os frutos dessa “bênção”.

 

Abordando o tema “Presource Curse e o sistema político moçambicano como elementos catalisadores das ‘dívidas ocultas’”, o Director do CIP explicou que as dívidas contraídas pelo Governo moçambicano, após a descoberta dos recursos naturais, em que se destaca também as da Estrada Circular de Maputo, Ponte Maputo-Katembe, Estádio Nacional do Zimpeto, Aeroportos de Nacala e Xai-Xai, entre outras, podem levar o país a uma situação de pobreza superior a que se encontrava antes da descoberta desses recursos, tidos como uma “bênção para a economia nacional”.

 

Na sua locução, num painel em que fizeram parte também o economista Carlos Nuno Castel-Branco e o jurista António Leão, o investigador deu exemplo de alguns países cujas economias tornaram-se piores após a exploração dos recursos que no período anterior, devido ao Presource Curse, uma “maldição” que se verifica entre a descoberta dos recursos naturais até à sua exploração, caracterizada principalmente por endividamento excessivo.

 

Um dos exemplos trazidos por Cortês é do Gana, país da África Ocidental, onde o seu antigo Presidente John Kufuor, em 2002, contraiu dívidas que contribuíram para o actual baixo ritmo de crescimento económico. De acordo com os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 2003 e 2013, o Gana contrariou a desaceleração económica mundial que se verificava na altura, com um crescimento económico robusto que atingiu uma média de 7 por cento. Porém, o crescimento caiu abaixo de 4 por cento entre 2014 e 2016, apesar das previsões do FMI acima de 7 por cento.

 

“A descoberta do petróleo e o ganho financeiro prometido pareceram inaugurar uma era de imprudência económica: empréstimos pesados, gastos excessivos e exposição da economia à queda do preço do petróleo em 2014. O Gana também conseguiu desafiar o espírito de suas próprias regras de poupança. Embora economizasse 484 milhões de USD em receitas de petróleo prescritas para um dia chuvoso, também emprestou 4,5 biliões de USD nos mercados internacionais. Desde 2015, o país está num programa de apoio e vigilância do FMI. Um novo Governo assumiu, em 2017, mas a crise continua”, refere o FMI, num artigo sobre o Presource Curse, publicado na sua página, onde o nosso país aparece também como exemplo (encurtador.com.br/dlyEY).

 

“Em Moçambique, os maiores depósitos de gás offshore na África Subsaariana foram descobertos em 2009. O crescimento foi em média de 6 por cento. Após essas descobertas, as previsões colocam o crescimento num caminho acima de 7 por cento. No entanto, em 2016, o crescimento caiu para uma média de 3 por cento, à medida que as consequências desastrosas de enormes empréstimos fora do orçamento se revelavam”, diz o FMI, sublinhando: “para certos países, essas descobertas levaram a decepções significativas de crescimento, mesmo em comparação com as tendências da pré-descoberta”.

 

Na sua argumentação, Cortês apontou a falta de instituições fortes como sendo factor catalisador do Presource Curse no país, tendo buscado o discurso poético da Presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, aquando da apresentação do Informe do Presidente da República sobre o Estado Geral da Nação, a 31 de Agosto, que se desdobrou em elogios à figura de Filipe Nyusi, tal como fazia com Armando Guebuza, durante o seu último mandato.

 

Para o Director do CIP, a atitude apresentada pela fiscalizadora da acção governativa de Filipe Nyusi encontra enquadramento num país cuja democracia é dominante, como é o nosso país, onde o Presidente da República acumula todos os poderes e a alternância apenas se verifica na liderança do partido no poder (Frelimo), onde as redes clientelistas dominam a formação política para controlar o Estado e ter acesso aos negócios.

 

Notou ainda que as mudanças no poder, na Frelimo, também se reflectem no sector privado, onde alguns empresários passam a ser preteridos dos negócios do Estado em detrimento de outros. Ou seja, os empresários que “brilhavam” na era Guebuza não são os mesmos que se destacam na era Nyusi. (Abílio Maolela)

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