Para esclarecer determinadas questões relacionadas com os ataques a vários distritos da província de Cabo Delgado, a “Carta” apresenta alguns pormenores importantes, relativamente aos integrantes do grupo que há quase 15 meses atormenta os habitantes da região.
Na história do surgimento do grupo de insurgentes – que primeiro criaram uma seita religiosa islâmica, localmente conhecida por Al Shabab, termo árabe que significa “juventude” – não está dissociado o nome de Mabondo. Ou seja, quando se fala do grupo de rebeldes é forçoso referir-se, necessariamente, a este personagem.
Apesar de actualmente se encontrar em parte incerta, Aly Anlawe Mabondo, de 40 anos de idade, é um nome que não sai da cabeça das pessoas na vila de Mocímboa da Praia, quanto mais não seja porque este cidadão é tido como quem construiu a primeira mesquita dos “Al Shabab” naquele ponto do país.
Nasceu na aldeia Malindi e os pais são oriundos da zona de Cabacera, na localidade de Quelimane no distrito de Mocímboa da Praia. Durante a sua infância, não há indicação de ter frequentado o ensino formal, mas sim uma madrassa. Ainda assim, não atingiu um grau elevado nos estudos islâmicos.
Era apenas um muçulmano praticante, pertencente à seita al-sunni. Ate à data da sua integração no grupo e do início dos ataques, foi um empresário de sucesso, associado à venda de capulanas de vários tipos que ele mesmo encomendava de Nampula, Beira e importava da Tanzânia. A actividade comercial do nosso personagem foi sempre desenvolvida em parceria com o seu irmão mais velho, Janfar Anlawe Mabondo.
Os que o conhecem caracterizam-no por ser um homem afável, sempre disposto a ajudar e próximo, e sobretudo muito empenhado quando se tratava de realizar alguns trabalhos em prol da mesquita onde frequentava.
Mais tarde, os dois irmãos viriam a divergir por motivos não revelados e, repartidos os bens comuns, cada um passou a dedicar-se aos seus próprios negócios. O mais velho continuou a vender roupa e o mais novo apostou no sector de transporte, adquirindo algumas carrinhas para o transporte semicolectivo de passageiros, no trajecto Mocímboa da Praia - Rio Rovuma, junto à fronteira com a Tanzânia.
Entre 2015 e 2016, passou a frequentar, amiúde, aquele país irmão, donde trazia sheiks. Além de os transportar, também os hospedava e se responsabilizava pela sua alimentação. Foi sensivelmente nesse período (2016) que Mabondo liderou a construção de uma mesquita no bairro Nanduadua, muito próximo do mercado. Este era o principal local de culto, onde juntava crentes vindos de outros bairros. Consta também que um dos seus filhos terá sido enviado por si para a Tanzânia, onde foi estudar numa madrassa.
Os crentes ligados à mesquita de Nanduadua eram de alguma maneira liderados pelos sheiks trazidos por Mabondo, os quais, igualmente, passaram a dirigir a escola maometana instituída naquele templo. Porém, ao longo do tempo, alguns crentes começaram a desconfiar dos ensinamentos ministrados pelos sheiks tanzanianos, alegadamente pelo facto de estes propagarem mensagens próximas do radicalismo islâmico. Além disso, contrariamente ao que sempre aprenderam, os ditos sheiks instavam os crentes a calçar sapatos, ou no mínimo chinelos, no decurso das suas cinco orações diárias.
Parte dos crentes abandou a seita, mas Mabondo manteve o (principal) sheik e só mais tarde o transferiu para a aldeia Makulo, onde se presume ter havido a grande base dos insurgentes antes dos ataques de 5 de Outubro. Quando assimilou a ideologia da seita islâmica que pregava o uso de sapatos em plena oração, mudou de negócio e começou a comprar peixe seco, holotúrias e conchas para posterior revenda na vizinha República da Tanzânia. Pai de (pelo menos) quatro filhos, desapareceu no mesmo dia em que a vila de Mocímboa da Praia foi atacada. Não deixou rasto. Pouco tempo depois, o seu irmão Janfar, que supostamente também fazia parte do grupo, foi preso pelas autoridades. (Saide Abibo)