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terça-feira, 11 agosto 2020 06:04

Carta ao Leitor: Moçambique precisa de mais Siba-Sibas

No ano 20 do assassinato do jornalista Carlos Cardoso, outro mártir da luta contra o crime organizado em Moçambique, António Siba-Siba Macuacua, faz 19 anos depois que foi assassinado. Ele foi atirado do vão das escadas do Décimo Nono andar do edifício sede do então Banco Austral, hoje Absa.

 

Siba-siba estava tentando recuperar crédito mal-parado do Austral, concedido a figuras improdutivas das elites locais. Eventualmente, nos dias seguintes, ele iria divulgar uma lista negra dos grandes devedores (poucos dias antes, mandara publicar uma lista com nomes de pequenos devedores). Foi calado para que os nomes sonantes não fossem conhecidos. Trata-se gente que ainda convive nas esferas da classe política.

 

O assassinato de Siba-Siba nunca foi investigado. O poder político deu ordens para esse efeito. Uma auditoria forense (feita sob pressão dos doadores – tal como foi recentemente com as “dívidas ocultas”) podia fornecer à investigação elementos indiciários do crime, pistas, mas ela foi guardada a sete chaves pelo governo.

 

Na altura, Luísa Diogo era a Ministra das Finanças, figura decisiva no consequente processo de recapitalização do banco (que criaria condições para que o Austral fosse vendido ao ABSA). Hoje é PCA do ABSA. Adriano Maleiane era Governador do Banco de Moçambique, responsável pela nomeação de Siba-Siba para PCA-interino do Banco Austral. Hoje é Ministro da Economia e Finanças. Duas personalidades que podiam ter usado do seu capital de respeitabilidade na sociedade e na política para influenciarem no sentido da clarificação do crime. Mas nada fizeram!

 

Dezanove anos depois, a auditoria forense continua engavetada. Um gestor de topo do banco é assassinado em missão de Estado e esse Estado não faz nada para honrar sua dedicação.  A imagem vil de um Estado capturado por grupos cuja motivação primária é a partilha da riqueza comum entre si. A noção de Estado Capturado era eficaz para descrever uma estrutura de poder político num casamento promíscuo com o crime organizado – uma situação não totalmente ultrapassada. Esse crime organizado que Siba-Siba, na oportunidade que teve, usando da sua posição institucional, tentou combater na escala que lhe cabia.

 

Ele tentou limpar a casa por dentro, com sua inusitada coragem. E teve o mesmo fim trágico doutro combatente, tombado um ano antes. Carlos Cardoso, cuja data natalícia foi celebrada ontem.

 

Dezanove anos depois do macabro assassinado de Siba-Siba é útil frisar que a luta de ambos tornou-se mais urgente. Depois do Estado Capturado, o último escalão na categorização da ineficácia do Governo (em razão da corrupção generalizada e do crime organizado, entre outros factores decisivos) é o de Estado Falido (ou fracassado). Há quem considere que nosso país já atingiu este estágio.

 

Foi contra esta deriva que Siba e Cardoso estavam lutando. E foram assassinados. O crime organizado e a corrupção continuam a controlar o bem público. Cada vez mais precisamos de novos siba-sibas e cardosos fincando pé na probidade. (Marcelo Mosse)

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