O antigo Presidente moçambicano Armando Guebuza atacou quinta-feira o Tribunal da Cidade de Maputo por falar “demais” sobre questões de defesa e segurança, no actual julgamento de 19 pessoas (incluindo o filho mais velho de Guebuza, Ndambi Guebuza) por crimes decorrentes do escândalo das “dívidas ocultas” de Moçambique.
Guebuza é a última testemunha a ser ouvida no caso, antes de a acusação e a defesa embarcarem nas suas declarações finais.
A procuradora Sheila Marrengula perguntou a Guebuza porque é que o seu governo, em vez de reforçar a capacidade das próprias forças moçambicanas, entregou a segurança costeira a uma empresa, a Proindicus. Embora os acionistas da Proindicus sejam entidades públicas, esta foi constituída como uma empresa privada.
“Esta é uma questão de defesa e segurança”, disse Guebuza, “apesar de estarmos no tribunal, não acho que este seja o momento em que deva falar sobre questões de segurança. Então não vou falar sobre isso”.
O juiz, Efigenio Baptista, já tinha avisado Guebuza que, como testemunha, deve responder a todas as questões que lhe forem colocadas. No entanto, Baptista permitiu que ele se recusasse a responder à pergunta de Marrengula.
“Acho que se falou demais sobre defesa e segurança em nosso tribunal”, acrescentou o ex-presidente. “Não devemos fazer isso. Temos que defender nossa soberania. Devemos resolver nossos problemas entre nós”.
Marrengula salientou que, ao abrigo da Constituição moçambicana, são as próprias forças moçambicanas que têm a responsabilidade exclusiva de garantir a defesa e segurança do país. Então, como foi que o governo de Guebuza decidiu ceder a segurança costeira ao que era teoricamente uma empresa privada, a Proindicus?
Guebuza respondeu que não era a primeira vez que as funções do Estado eram confiadas a organismos não estatais. As tarefas do serviço de segurança, SISE, foram atribuídas à empresa Kroll, afirmou.
Na verdade, a Kroll é uma empresa de auditoria forense que expôs a gigantesca fraude da Proindicus e suas empresas irmãs, Ematum (Mozambique Tuna Company) e MAM (Mozambique Asset Management). Mas Guebuza descartou a Kroll como “uma empresa de espiões estrangeiros”, ecoando o que um dos principais arguidos, António Carlos do Rosário, outrora chefe de inteligência económica do SISE, disse repetidamente durante o seu depoimento no ano passado.
Tal como Rosário, Guebuza não apresentou provas para a afirmação de que Kroll é um ninho de espiões. Suas palavras foram um ataque mal disfarçado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que em 2016 contratou a Kroll para auditar Proindicus, Ematum e MAM. O único contratante das três empresas fraudulentas foi o grupo Privinvest, com sede em Abu Dhabi. A auditoria da Kroll descobriu que a Privinvest havia cobrado mais de setecentos milhões de dólares das três empresas pelos barcos de pesca, estações de radar e outros ativos que havia fornecido.
Em momentos-chave do seu depoimento, Guebuza perdeu a memória. Questionado sobre quando tomou conhecimento de que a Privinvest forneceria as empresas, ele disse não se lembrar. Tampouco sabia se o projeto de proteção costeira havia sido elaborado pela Privinvest.
Mas uma pessoa que sabia era o fundador da Privinvest, Iskandar Safa, que enviou uma carta a Guebuza em Dezembro de 2012, na qual descrevia o projecto de protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique como “a nossa (ou seja, a proposta da Privinvest)”. Safa falou de como o banco Credit Suisse estava interessado em financiar o projeto, e como a Privinvest queria formar “uma relação estratégica” com Moçambique na construção naval.
Quando Marrengula perguntou sobre esta carta, Guebuza ignorou-a. “Qual é a relevância? Não foi escrito por mim”, disse. Ele nem conseguia lembrar se havia emitido algum despacho em resposta à carta de Safa.
Questionado sobre as reuniões que presidiu, onde se discutiu o projecto de protecção costeira, Guebuza respondeu: “Eu presidi a muitas reuniões durante os dez anos em que fui Presidente. Não consigo me lembrar de todos”.
Frequentemente, Guebuza tentou transferir a responsabilidade para o homem que se tornou seu sucessor, Filipe Nyusi, que era então Ministro da Defesa. Nyusi presidiu ao Comando Operacional das forças de defesa e segurança, e Guebuza alegou que delegou grande parte da responsabilidade detalhada do projeto ao Comando Operacional. Ele sugeriu que, se o tribunal quisesse mais detalhes, deveria “chamar alguém do Comando Operacional”.
Mas, na verdade, na semana passada o tribunal ouviu o número dois do Comando Operacional, o ex-ministro do Interior Alberto Mondlane, que presidiu o comando quando Nyusi estava ausente. Mondlane tinha uma visão muito diferente dos projectos de segurança costeira de Guebuza. Referiu que toda a ideia partiu do SISE que levou o assunto ao Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança, presidido por Guebuza, e ao Comando Operacional. Ele acusou a gestão do SISE da época de ocultar informações. “No Comando Conjunto, nunca falámos em Privinvest, nem em endividamento”, declarou Mondlane. “Sinto-me traído”, disse Mondlane. O desdobramento do escândalo das dívidas ocultas “não é o que discutimos no Comando Conjunto ou no Comando Operacional. O SISE deveria ter nos protegido, em vez de nos esconder informações”. Marrengula também perguntou a Guebuza se ele sabia alguma coisa sobre as “taxas de sucesso” (o termo educado para subornos) pagas pela Privinvest. Guebuza respondeu que não tinha conhecimento de tais pagamentos.
Também não sabia nada sobre Teófilo Nhangumele, outro dos arguidos com laços estreitos com o SISE, que reivindicou o crédito por trazer a Privinvest e o projecto de protecção costeira para Moçambique. Guebuza disse que a primeira vez que se lembra de ter conhecido Nhangumele foi quando foi preso, e na mesma prisão que o seu filho, em 2019. Guebuza vai continuar a dar testemunho na sexta-feira.(Paul Fauvet, AIM)