Há alguns anos dois jornalistas dum canal televisivo foram agredidos por militares que estavam a fazer reportagem sobre uma disputa de terrenos entre a população e um quartel do exército. Os dois jornalistas, que estavam simplesmente a fazer o seu trabalho de reportagem, foram espancados até ficarem inconscientes. Na altura, o então Ministro de Defesa, actual Presidente, entrevistado pelos órgãos de informação, declarou: “era preciso saber em que circunstâncias a agressão teria acontecido”. Uma declaração que indignou muitos, já que o que se esperava era que dissesse algo como “em circunstância alguma se admite tal atitude”. Infelizmente não foi essa a declaração.
Esta situação de abuso de autoridade e mesmo a atitude ilegal das forças de segurança, com particular incidência na Polícia, tornou-se um quotidiano. O cidadão já se habituou a achar normal ser abordado pela Polícia sem qualquer motivo para ser incomodado. A situação generalizou-se ao ponto de, ao contrário do que seria desejável, ao ver um polícia, o cidadão fica com medo. São jovens interpelados de forma intimidatória, são polícias em viaturas que mandam parar carros sem razão aparente, actuando intimidatoriamente, muitas vezes a troco de subornos. Para não falar dos turistas que enchem as redes sociais com relatos de situações grotescas. São as escoltas agressivas que proliferam pela cidade ameaçando automobilistas.
A polícia é uma instituição essencial a quem não podemos negar a sua utilidade. Temos também de reconhecer a ingratidão da sua tarefa, os riscos que correm e a seriedade com que muitos levam a sua profissão. Mas ao não condenar veementemente qualquer atitude agressiva, o Presidente da República, como o fez quando Ministro da Defesa, não cumpre o seu papel no que respeita à garantia da tranquilidade pública e dos direitos do cidadão. Pelo contrário, encoraja as atitudes agressivas das autoridades que deveriam, sim, proteger os cidadãos. Justifica-se assim um conceito claro de autoridade repressiva ao invés de protectora.
Estes episódios podem, contudo, servir de pretexto para uma correcção do rumo que as coisas tomaram. As forças de segurança têm de assumir que existem para nos proteger e não agredir. O uso da força sobre um jornalista que usava um celular revela uma impreparação assustadora ou um treino baseado na violência. Ou as duas coisas. Esperemos, pois, que os jornalistas, ao sentirem na pele esta agressividade, se possam aliar aos cidadãos que o sentem todos os dias. De uma vez por todas há que mudar este conceito. A Polícia não pode agir arbitrariamente, incomodar cidadãos que estão apenas a viver a sua vida.
Este conceito policial revela-se particularmente preocupante no medo generalizado com que os cidadãos circulam na via pública. Hoje, sobretudo nos jovens, existe o medo de circular porque Polícias interpelam os cidadãos, questionando, revistando e, muitas vezes, inventando ilegalidade. Há que de uma vez por todas proibir a interpelação de um cidadão que não está a prevaricar. Isto é, a Polícia só deveria interpelar um cidadão quando este está a cometer um crime ou quando existem fortes evidências de que o vai cometer. Igualmente tem de se corrigir o fenómeno dos postos de controlo nas estradas que, tendo proliferado, desencorajaram totalmente o turismo nacional e internacional. Ninguém quer passar férias num local onde a cada 20 Km o mandam parar para intimidar.
A agressão do jornalista é apenas um caso em muitos. Espera-se das autoridades, e obviamente do seu chefe máximo, uma atitude de condenação de qualquer atitude que encoraje as pessoas que são pagas para nos proteger não para nos agredir.
*Leitor devidamente identificado