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segunda-feira, 20 maio 2024 08:42

Que a UNISAVE seja o ponto inicial de um novo ciclo, Senhor Presidente Nyusi – comenta Salomão António Massingue*

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O ano de 2024 mal começou e já está a fartar-nos de acontecimentos e histórias que inflarão as nossas memórias. Entre eventos que transitaram para este ano e sem uma solução à vista e os novos, h­á-de se destacar uma concomitância de acontecimentos políticos, com realce  às eleições presidenciais e legislativas que marcarão o fim de um ciclo de governação e o início de outro, e, correlato a isso, mais recentemente, os resultados dos escrutínios internos no seio dos partidos políticos, evidenciando eleições como tema do momento, mobilizando consciências e debates que acabam ofuscando outros assuntos de interesse nacional. 

 

Em meio a essa efervescência político-eleitoral, nas universidades que surgem após a reestruturação da Universidade Pedagógica (UP), comumente designadas de UniRios, incluindo na própria Universidade-mãe, decorre a primeira experiência eleitoral para a escolha de Reitores e Vices. 

 

Para alguns, o ambiente é de euforia e expressão da vitalidade democrática institucional; para outros, o clima é de tensão, os nervos à flor da pele, e as preces ao rubro, considerando os interesses subjacentes e a incerteza da continuidade no cargo. E não é para menos: haja vista a “surpresa” nos resultados da recente eleição na UniSave, em que a vice desbancou o actual reitor com uma margem eloquente, para dizer o mínimo; resultados surpreendentemente chancelados pelo Presidente da República. É sobre este último ponto que eu pretendo debruçar-me.

 

Com efeito, na avalanche de informações que temos tido acesso nos últimos dias, parece ter passado despercebido da opinião pública o Comunicado de Imprensa da Presidência da República de 09 de Maio de 2024, dando conta da nomeação de novos reitores para a UniSave. Estava na catarse dos resultados das eleições internas dos partidos políticos, quando fui tomado pelo espanto e incredulidade ao ler o comunicado. 

 

Tal espanto decorre de experiências de nomeação de reitores que, nem sempre, respeitou a vontade da comunidade universitária, que se tem submetido com regularidade à discussão e escrutínio de proposições, cujos postulantes fazem o dia-a-dia da Universidade, conhecem as necessidades, compreendem as dinâmicas e complexidades do funcionamento da mesma. Entretanto, os debates e toda a participação massiva dos universitários, incluindo da Sociedade Civil, que é parte dos Conselhos Universitários (CU), é estiolada diante do poder discricionário do Chefe do Estado. 

 

Sucede que o enfado dos processos eleitorais nas Universidades decorre, em grande medida, desse último ponto, no qual está, em parte, a raiz do enfraquecimento das nossas instituições democráticas e do Estado. Afinal, não se precisa ser jurista para concluir que as prerrogativas do PR definem excepcionalidades quase que absolutas. Penso que passa a muitos moçambicanos o sentimento de vivermos um “presidencialismo absolutista” acaçapado pelas formalidades legais e constitucionais, subjacentes aos poderes excessivos do PR. De igual modo que não se precisa ser expert para compreender que a vontade popular é o fundamento de qualquer Estado Democrático. 

 

Se é verdade que em raras ocasiões o preferido do PR esteve na lista como candidato, mas sem que seja o vencedor, como a nomeação, em 2022, do actual reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Guilherme Basílio; também é verdade que em muitas ocasiões se nomeou “outsiders!” à instituição, como foi também o caso da nomeação de Filipe Couto para o cargo de reitor da UEM, em 2007. O desrespeito da vontade da comunidade universitária tem implicado, em última instância, na gestão universitária. Vezes sem conta vieram ao conhecimento público contestações – como agora na UniLúrio –, ou cartas abertas relatando problemas que, no fundo, têm uma relação intrínseca com a legitimidade de gestores que caíram como que de paraquedas. O clientelismo político, a obsessão ensandecida de controlo e aparelhamento das instituições do Estado, tem condicionado, sim, as escolhas, o que se reflecte, em certos casos, na nomeação por cooptação. 

 

Com efeito, parece-me compreensível que, tal como eu, todos que acompanharam o primeiro escrutínio da UniSave tenham recebido o comunicado de imprensa da Presidência com satisfação e esperança, na medida em que a Reitora e Vices foram eleitos pela comunidade universitária. Pois bem, se considerarmos que a política se faz de gestos; no quadro político-institucional, a decisão do PR de nomear indivíduos cujas proposições representam o projecto democraticamente legitimado pela comunidade universitária da UniSave pode ser tomada – vendo o lado bom – como um gesto que sinaliza a ponderação de críticas feitas no passado pela classe académica. 

 

Afinal, a qualidade e a intensidade de um regime democrático também se medem pelo equilíbrio das decisões do PR e pela sensibilidade à crítica de várias esferas da sociedade. 

 

É simbólico a decisão, não pela escolha recair sobre caras que talvez sejam (re)conhecidas entre corredores de movimentos sociais deste ou daquele partido, tão pouco por serem os primeiros eleitos daquela instituição, cinco anos após a criação da Universidade pelo Decreto-lei nº 6/2029 de 15/02. É que, independente das afinidades que estes tenham com quem os nomeou, eles estarão a governar a Universidade Save, primeiro e sobretudo, porque foram eleitos pela vontade da maioria daqueles que são a razão de ser de uma Universidade, não obstante o mérito das suas proposições – não é o que está em causa –, eles estarão ali com toda legitimidade conferida pelo colegiado do CU.

 

Ora, não é menos certo que um dos problemas dos “outsiders” que chegam ao cargo pela confiança política e não pela competência (re)conhecida, raramente exercem uma gestão autónoma, preocupando-se geralmente em satisfazer mais à vontade das estruturas políticas nas quais militam. Claro com distintas excepções, mas raríssimas.

 

Disso resulta a prepotência e a arrogância que caracteriza alguns reitores, que confundem a gestão universitária com a gestão de células partidárias ou currais domésticos. Disso resulta, igualmente, a letargia que de uns tempos para cá tem enfermado as instituições públicas de ensino. Desprovidos dos mais básicos princípios de moralidade, não se coíbem de inspirar e fomentar vícios comportamentais característicos de organizações partidárias, como seja o espírito adulatório, a fofoca e marginalização de vozes críticas à gestão universitária. 

 

Os sintomas de uma Universidade doente e academicamente apática estão evidenciados no silêncio diante de pautas mais significativas da sociedade moçambicana e não só. Enquanto escrevo, milhares de estudantes, docentes e alguns servidores nos EUA e na Europa encontram-se espalhados em diversos átrios, com dísticos, posicionando-se contra a morte de civis palestinianos por soldados israelitas na faixa de Gaza, mesmo diante de uma forte dissuasão. Salvo o engano, não me lembro de um só acto público de solidariedade aos nossos concidadãos ou colegas, protagonizado por alguma Universidade, no âmbito do seu papel social, sobre a situação lastimosa de Cabo Delgado.

 

Não é excessivo rememorar que depois de séculos de soterramento do pensamento grego na ortodoxia religiosa da Igreja Católica, nos corredores do Vaticano e nas bibliotecas dos conventos, a Universidade surge intrinsecamente ligada ao gesto democrático, e no caso, o de libertar o conhecimento medieval na Europa e de ampliar, igualmente, as perspectivas da liberdade intelectual, então aprisionada entre os muros da instituição religiosa. A Universidade irrompeu como um novo espaço necessário para uma reflexão livre, configurando-se, no plano intelectual, numa resposta democrática e alternativa face às concepções místicas religiosas que interferiam na interpretação dogmática do conhecimento humano. O imbricamento entre Universidade e Democracia é, portanto, inextrincável.

 

No mais, é consabido por todos que a conjuntura socioeconómica actual tem sido cada vez mais desfavorável às Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, que de tempos em tempos têm sofrido cortes significativos no orçamento que recebem do Estado para o seu funcionamento. E como consequência directa cite-se o deficiente funcionamento das mesmas, sobretudo ao nível administrativo e académico. Como docente, sinto que as actividades de extensão e pesquisa são das mais afectadas, funcionando com muitas limitações. 

 

Na verdade, a realidade é crítica. A UniSave, instituição à qual estou vinculado, por exemplo, ainda não dispõe de dotação orçamental para o pagamento de despesas cuja fonte de financiamento sejam receitas fiscais. A fonte de financiamento é sustentada por receitas próprias, em concordância com a Lei n.º 20/2023 de 30 de Dezembro. Estes e outros factores corroboram um ambiente de progressiva desmotivação e letargia institucional em curso, por um lado, e condicionam as actividades-fim da Universidade, por outro. 

 

Face a esse contexto fático, nada mais lógico que ter sob gestão indivíduos com capacidade testada e apurada, que estabeleçam planos mais arrojados e realistas, que conhecem a realidade e as demandas da instituição, que se abram para partilhar, discutir e ouvir outras propostas dos fautores diários da Universidade, inerentes a uma melhor gestão em tempos tão desafiadores como estes. Tais indivíduos e propostas advém, não exclusivamente, mas fundamentalmente, do amplo processo de consulta e debate das proposições que aspiram a reitoria, e que (com)vençam entre diversas possibilidades que divergem na forma e nos meios, mas convergem conjunção de esforços com vista a um desenvolvimento prolífico e sustentável da mesma.

 

Dessa forma, seria difícil compreender decisões do chefe do Estado que ignorem toda esta realidade no âmbito da nomeação dos Reitores e Vices das Universidades públicas, que estão em eleições para a escolha de novos consulados. Assim, respeitando a escolha feita pelo colégio eleitoral, o PR estará a respeitar um dos pilares inderrogáveis da Universidade, que é autonomia universitária, respaldada pela lei. 

 

É que, em tese, a autonomia universitária é a garantia das liberdades de expressão e de pensamento naquele que pode ser considerado o espaço mais sagrado para o exercício das mesmas, e cumpre um dos princípios inarredáveis e fundantes de qualquer Estado democrático que se preze. Não se pode olvidar que os processos de eleição dos reitores e outros órgãos de instituições como Universidade, fixados nos estatutos dessas instituições, foram estabelecidos para que fossem observados no quadro mais amplo de um regime republicano-democrático. 

 

Alçada a discussão à essa esfera, considerando que o PR que nomeou a Reitora e os Vices da UniSave será o mesmo que nomeará os Reitores e Vices das outras UniRios e da Universidade Pedagógica, quero acreditar que não poderá ignorar os precedentes que ora estabelece. Não se trata de um imperativo, e sim uma expectativa. E não deixará de ser frustrante e repto de controvérsias, se a ordem nominal dos próximos comunicados da Presidência não for a mesma, após a eleição nas UniRios e outras Universidades do país, independentemente das afinidades político-partidárias dos vencedores. O colégio eleitoral elege a melhor proposição.    

 

E cá entre nós: para um ciclo de governação que encerra carecendo de legados positivos, estes gestos marcariam muitos de nós, caro presidente.

 

Enfim, que a UniSave seja o ponto inicial de um novo ciclo de respeito da vontade suprema das comunidades universitárias para a nomeação dos Reitores e Vices, senhor Presidente da República.

 

*Docente Universitário

Sir Motors

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