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terça-feira, 23 julho 2019 14:13

Apesar da legalização, aborto clandestino continua prática comum no país

Oito por cento das mortes maternas, em todo o mundo, resultam de aborto inseguro. A cada ano, o mundo regista 25 milhões de abortos inseguros e sua maioria ocorre no continente africano.

 

E embora haja uma insuficiência de evidências relativamente às taxas de incidência do aborto em Moçambique, dados do Ministério da Saúde (MISAU) indicam que 13 por cento das mulheres entre os 14 e 19 anos de idade morrem vítimas de um aborto inseguro. Contudo, devido à natureza dos serviços clandestinos do fenómeno, esta percentagem representa só a “ponta do iceberg”, escondendo-se de certo modo a magnitude do problema.

 

 

Segundo o IPAS, uma Organização Não-Governamental que se dedica ao combate de abortos inseguros, só no primeiro trimestre deste ano, a província da Zambézia, por exemplo, registou 3.048 abortos inseguros e Nampula 3.207.

 

Ainda que algumas unidades sanitárias ofereçam serviços de aborto seguro gratuitos, ainda se reportam casos de serviços clandestinos e cobráveis, custando, geralmente, entre 1000 a 2000 Mts por mês de gestação, segundo apurámos.

 

Entretanto, um estudo realizado pelo IPAS, em 2018, com 77 raparigas, entre adolescentes e jovens, nas províncias de Nampula e Zambézia, aponta como algumas das razões para o aborto clandestino a falta de privacidade e confidencialidade, percepção sobre o alto custo dos serviços, percepção de que os métodos usados são dolorosos, mau atendimento ou preconceito por parte dos provedores, não saber como aceder aos serviços, desconforto geral com as unidades sanitárias (medo dos testes, exames e procedimentos, assim como a distância em relação às unidades sanitárias).

 

Cátia Amado, Directora de projecto na Pathfinder International, tem trabalhado na área do aborto seguro desde 2008.  Só no ano passado, diz ela, a organização conseguiu impedir mais de 300 mil abortos clandestinos em todo o país, através de campanhas de saúde sexual reprodutiva. Entretanto, garante que o aumento do número de abortos fora das unidades sanitárias deve-se à falta da divulgação da Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, que legaliza o aborto.

 

“Devia haver palestras a explicar às meninas que o aborto não pode ser feito nas esquinas, que não se pode julgar quem quer fazer o aborto”, explicou a fonte.

 

Uma semana com hemorragias depois de aborto inseguro

 

Tal aconteceu com Ana Maria (nome fictício) que, em Janeiro deste ano, descobriu que estava gravida aos 13 anos, depois de sua mãe ter-se apercebido do sucedido. Depois de um “julgamento” caseiro, a mãe decidiu levar a “pequena” para uma unidade sanitária para realizar o aborto seguro.

 

“Eu fiquei com medo de fazer o aborto e minha mãe disse-me que tinha de fazer mesmo assim para aprender a lição. Quando chegámos à unidade sanitária, mandaram-nos fazer muitos exames e minha mãe teve de preencher muitos papéis. Mas, como nalgum momento tivemos de pagar para a realização dos exames e porque não temos condições, minha mãe disse que só podíamos recorrer ao método tradicional. Assim, ela deu-me umas ervas, tomei e no dia seguinte tive hemorragias que duraram cerca de uma semana”, explicou Ana.

 

Cenário diferente foi vivido por Clara Cossa (também nome fictício) que, aos 16 anos, teve de realizar um aborto numa unidade sanitária. Correu muito bem e, se voltasse a engravidar, optaria por uma clínica por ser mais seguro. “Quando fui ao Hospital não tive muitas complicações. Levei a minha mãe que foi mais compreensível, realizei todos os exames e, de seguida, fui submetida ao aborto seguro, fiz a "raspagem" e em dois dias a hemorragia passou. A burocracia foi bem-vinda para mim porque garantiu que eu realizasse o aborto e saísse com vida”, disse Clara.

 

Segundo o jurista Oliveira Massango, os abortos têm-se "massificado" fora das unidades sanitárias porque boa parte das pessoas que procuram por estes serviços são menores e, neste caso, “estamos perante dois tipos de problemas, primeiro, de violação de menor e depois seguir os trâmites legais que autorizem o aborto”.

 

No seu estudo, o IPAS recomenda ao sector da saúde para acelerar a expansão dos serviços de aborto seguro nas unidades sanitárias, em todo o país, garantir a monitoria, supervisão e apoio contínuo aos provedores formados. Diz ainda ser preciso informar as comunidades, mulheres e raparigas e toda a equipa da unidade sanitária sobre serviços de aborto seguro e como acedê-los. Refira-se que as mortes resultantes de complicações de aborto estão concentradas nos Hospitais Gerais, Rurais e Distritais (com 3 por cento) e nos Hospitais Centrais (com 2 por cento).

 

A Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, que legaliza o aborto, permite a todas as mulheres grávidas de menos de 12 semanas interrompam a gravidez. A lei estabelece o seguinte: “Não é punível o aborto efectuado por um médico ou outro profissional de saúde habilitado para o efeito, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida”. (Marta Afonso)

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