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segunda-feira, 10 fevereiro 2020 05:53

O boato patriótico

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As dívidas ocultas também começaram como um boato. Houve comunicados e conferências de imprensa aqui e acolá. Houve entrevistas. Houve "exclarações". Chopstick - o próprio catequista dos gatunos - deu a melhor justificação que se tem memória sobre o assunto. O então Governador do Banco Central jurou de pés juntos que nunca tinha ouvido falar do tal dinheiro. Era tudo boato e a ordem do dia era "fiquem tranquilos".

 

Era tudo boato até ao dia em que malta Nhangumele & Ndambi foi presa e Guebuza decidiu acabar com a epopeia e brindar-nos com aulas gratuitas de exaltação patriótica em plena praça dos heróis. Depois que nos ensinaram a assaltar... digo, exaltar a pátria, o antigo boato virou agora uma verdade... uma verdade empoeirada. Muito empoeirada mesmo! E ainda estamos nessa lenga-lenga de poeiras e pudins fosfóricos.

 

Era tudo boato quando desconhecidos atacaram, incendiaram aldeias e decapitaram pessoas em Cabo Delgado. Até jornalistas foram presos por promoverem esses boatos. Por causa desses boatos um helicóptero aterrou de emergência de pernas para o ar no mato. Era tudo boato até ao dia em que, de repente, os atacantes viraram insurgentes. Era tudo boato até ao dia em que os russos cansaram de ser trucidados e se renderam. Onde é que podemos encontrar a verdade sobre os misteriosos ataques "jihadistas" de Cabo Delgado que já fizeram 350 mortos e milhares de refugiados nos últimos dois anos? No "boato" das redes sociais, é claro.

 

Era tudo boato o recenseamento eleitoral de Gaza. Houve comunicados e conferências de imprensa para justificar. Na senda de justificar, o "doutor Apriorístico" levou porrada com o puto Venâncio em plena tê-vê. Era tudo boato até ao dia em que o Rosário Fernandes - qual capim alto - colocou Gaza em 2040. Até ali era tudo boato.

 

Também era tudo boato os esquadrões da morte. Era tudo boato até ao dia em que os espíritos do irmão Anastácio Matavele deram um "baaasta!" nesse crime asqueroso. Até a premiação dos criminosos era tudo boato. As "massagens" na Circular de Maputo eram boato. As valas comuns eram boato. Os sequestros eram boato. Para a nossa infelicidade, hoje todos sabemos que é tudo verdade.

 

Feliz ou infelizmente, estamos habituados a parir verdades a partir de boatos. O boato de hoje será verdade amanhã. A verdade de hoje era o boato de ontem. Aqui os boatos têm prazos de validade até serem verdades. Esse é o cerne da questão. É a partir daqui que eu quero discutir. Um pai que não diz verdades à sua família não se deve admirar quando esta for buscar as suas verdades na rua.

 

Vamos "desboatizar" as mentes. A verdade nua e crua é que, se um governo se sustenta com mentiras, o seu povo vai se sustentar com boatos. Se o governo não fala verdades, o povo irá inventar as suas próprias verdades. Se da fonte legítima não sai a verdade, o povo irá buscá-la em algum lugar. É o método da auto-defesa natural. Uma espécie de Mito da Caverna de Platão. Às vezes o boato é apenas um forma de encontrar uma explicação dos fenómenos que não têm explicação oficial.

 

Nunca nos dão uma verdade logo de primeira. Não sabemos o que é ter uma verdade genuína. É tudo pela força do boato. Foi a partir da mídia internacional e das redes sociais que ficamos a saber das dívidas ocultas, das valas comuns, etecetera, e agora, dos ataques no Norte. Então, há razões para o povo ir buscar verdades na rua. É na rua que o povo está habituado a obter as suas verdades.

 

Talvez o nosso boato seja mais filosófico do que impostor. Podíamos chamar de boato metódico ou boato cartesiano. O boato como instrumento metodológico para chegar à prova da existência da verdade, assim como é a dúvida para Descartes. Então, no fundo no fundo, o nosso boato é patriótico também. É esse boato que nos une.

 

Não basta que o governo lance comunicados e conferências de imprensa de desmentidos. Não basta contra-atacar. Antes de mais, é preciso atacar com verdades. Ser autêntico.

 

- Co'licença!

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