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segunda-feira, 18 maio 2020 07:19

O absurdo de uma reintegração desintegrada

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É assim: quando uma pessoa faz uma coisa repetidas vezes, a pessoa se acostuma a fazer essa coisa e, mais tarde, essa prática torna-se hábito. Quando o hábito faz bem ao praticante e a terceiros, chama-se virtude. Temos como exemplo: amar, respeitar regras, não levar bens alheios, devolver o emprestado, ajudar, solidarizar-se, e por aí além. Quando o hábito é mau, chama-se vício. É por isso que o hábito de roubar, matar, estuprar, fumar, beber álcool, consumir estupefacientes, e outros são considerados vícios. Por fim, quando o hábito não é bom nem mau, é mania. Assobiar ao trabalhar, ler jornal enquanto caga, cantar quando cozinha ou toma banho, rir a toa, etecetera. Num português simples e pouco escolástico diria que este é o princípio da filosofia da vida. Talvez o embrião da ética. 
 
Há virtudes que são muito benéficas ao convívio humano que a sociedade as transforma em leis. Há vícios considerados tão prejudiciais à sociedade que viram crimes. E como a vida é dinâmica, a sociedade vai observando que há também algumas manias que vão-se tornando prejudiciais a convivência que, em determinadas épocas da vida, a sociedade as classifica de vícios. É o caso do bullying que até pouco tempo era troça - uma simples mania de algumas crianças. 
 
Ora, sendo Moçambique um país pobre, onde o Estado não consegue prover as necessidades básicas da população, o excesso de regalias, mordomias e benefícios dos gestores públicos e governantes pode ser considerado um mau hábito, portanto, um vício. Está mais do que provado que esses excessos não são bons nem para os beneficiários e, muito menos, para o povo contribuinte e eleitor. 
 
Em primeiro lugar, quero dizer que a iniciativa de reintegração dos deputados e dos ministros é pertinente e oportuna, mas peca na génese, objetivo, modelo e estratégia. Quando há um toxicodependente na família, ela [a família] se reúne e decide interná-lo para a sua reabilitação e posterior reintegração à família e à sociedade. Portanto, não é o próprio drogado quem decide se internar por sua iniciativa. Então, não devia ser o próprio deputado e ministro a desenhar o formato da sua própria reintegração. Não faz sentido! Não é de estranhar que eles decidam se encher de dinheiro. 
 
Num país pobre como o nosso, dar dinheiro a um ex-deputado ou ex-ministro para se reintegrar na sociedade é o mesmo que dar dinheiro a um toxicodependente para deixar de consumir cocaína. Isso não existe! O mínimo que pode acontecer é, neste caso, o viciado ir comprar a própria machamba e passar a fazer xima de cocaína com caril de haxixe acompanhado com salada de suruma.
 
Então, se concluirmos que ser deputado e ministro é viciante, temos, então, de assumir que o processo de reabilitação é penoso e doloroso. A desintoxicação chega a ser mais dolorosa do que o próprio vício. Usam-se camisas de força. Para o nosso caso, quiçá, a melhor forma de reintegrar essa gente seria colocar os gajos nas filas de consulta dos hospitais, deixar os gajos no empurra-empurra das paragens de chapa no fim da tarde, transportar os gajos nos "mai-love" durante semanas, entregar aos gajos as facturas de energia e água, deixar os gajos encherem "full-tank" de gasosa, etecetera. Isso, sim, valeria a pena! Levar o ministro do Interior e da Defesa a viajar via terrestre na zona Centro e ligar para tio Nhongo atacar os gajos. Levar os gajos a viver umas semanas em Quissanga e Mocímboa. 
 
Se reconhecemos que o excesso de regalias, mordomias e benefícios é um fator de desintegração social, então, definitivamente, oferecer dinheiro a esse tipo de desintegrados, como forma de reintegrá-los socialmente, é dos maiores absurdos da vida. Se foi o dinheiro que os desintegrou da sociedade, como é que o mesmo dinheiro [acumulado ainda mais] vai reintegrá-los?! Como é que se dá um saco de suruma a um surumático para deixar de fumar?!
 
Como é possível se reintegrar alguém com muito dinheiro numa sociedade onde o normal é viver sem dinheiro?! Isso é o mesmo que devolver o pássaro ao seu habitat dentro de uma gaiola ou devolver o peixe ao mar dentro de um aquário. Qual é a lógica, afinal?! 
 
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