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segunda-feira, 04 fevereiro 2019 10:21

Os heróis de hoje em dia

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Se não fosse a Polícia, muita gente não saberia que o CIP estava a promover uma campanha denominada "Eu Não Pago Dívidas Ocultas" com direito a uma camisete mahala e um vídeo de bacela no "Feicibuki". Muito provavelmente, se o regime tivesse visto aquela campanha como um exercício de liberdade de expressão qualquer, consagrado na Constituição da República, a campanha nem teria a repercussão que teve. Se tivesse considerado como uma campanha de combate ao Aga-I-Vê, num primeiro de Dezembro qualquer, ou como uma campanha "lixo no chão, não" na praia da Costa do Sol, num desses domingos quentes, o CIP não estaria a granjear essa simpatia toda. É verdade isso! Muitas pessoas não conheceriam a Fátima Mimbire nem o Borges Nhamirre, que são nada mais do que pacatos cidadãos que estão a travar com jantes como milhares de moçambicanos, tirando aqueles da lista dos dezoito-apóstolos-da-Pé-Gê-Ere. Essa campanha nem teria ganho o estatuto de "manifestação" como ficou conhecida. A estas alturas já nem estaríamos a falar mais dela. Mas não, o governo quis escrever em parangonas transformando o assunto numa autêntica epopéia e colocando os seus protagonistas no standard honorífico nacional. 



Por exemplo, eu não sabia que o Parlamento Juvenil estava a organizar um "Combate Cultural dos Excluídos" sobre o julgamento do Chang e a sua esperada e merecida viagem para os É-U-Â. Mas, a nossa Polícia, boazinha que é, correu para me dizer que havia um sarau muito importante no quintal daquela agremiação, promovida por jovens audazes. Foi a Polícia que me informou, em primeira mão, que haviam heróis no Parlamento Juvenil. Graças a Pé-Ere-Eme, todo mundo ficou a saber dessa iniciativa e aqueles jovens protagonistas transformaram-se, em fração de segundos, em heróis e a autoridade repressiva do Estado, em vilã. 



O regime está a criar heróis sem se aperceber transformando anões em gigantes e magumbas em atuns. Quem era Amade Abubacar? Um jornalista "invisível" que, graças ao regime, virou herói. Quer queiramos quer não, os Salemas, os Macuanes, os Nhamirres, os Matiases, os Castel-Brancos, os Nuvungas, os Cortêses, as Fátimas, etecetera, desta vida - simples cidadãos usufruindo das suas liberdades constitucionais - hoje estão legitimamente nas "criptas" da opinião pública como os melhores filhos desta pátria. Não mataram nenhum colonialista, nem escreveram nenhum poema de combate, mas são mais heróis do povo do que certos "erróis" ainda viventes amigos de Mondlane. Até a senhora Elivera Dreyer, uma procuradora distrital desconhecida lá das bandas de Joannesburg, que, por causa do nosso aparelho de justiça lerdo, virou a nossa heroína-revelação. 



Na realidade, a acção do regime hodierno é um fermento de heróis anónimos. De cagada em cagada, a nossa Polícia e o nosso judiciário vão lapidando heróis. Produção de heróis em série, diria Henry Ford. O regime virou uma máquina de fazer heróis, assim como uma pipoqueira. Hoje para ser herói não custa: é só dizer que não vai pagar as dívidas ocultas ou que prefere que Chang seja extraditado para os "Estaites" ou que as decapitações em Cabo Delgado devem acabar, que prontos, num instante, a Polícia chega para te espancar e o povo te aclama herói. Para ser herói basta exercer o seu direito de cidadania. E, no fim das contas, os heróis de hoje em dia somos todos nós e homenageamo-nos todos os dias. 



A heroicidade da nossa Pátria A(r)mada está sendo mecanicamente vulgarizada e as criptas, massificadas. Essas criptas do povo são as mais legítimas do que aquelas das praças. Arrisco dizer que somos o país com mais heróis por metro quadrado da actualidade. A tentativa de hostilizar os actos e as pessoas, acaba-se promovendo involuntariamente. Infelizmente, é este o efeito perverso da repressão: a publicidade e a revelação de destemidos. Tradicionalmente, isso sucede quando o Estado não conhece os seus termos de referência: começa a ver fantasmas onde não tem; paranoia institucionalizada. 



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