Por estes dias tenho ido objectivamente à padaria (e não sob pretexto) e acredito que em menos de um mês fui mais vezes à padaria do que em um ano no passado. Falo de um passado recente, pois do mais recuado, fui um assíduo nas idas à padaria. E ontem, enquanto cumpria a única fila para a compra do pão, veio-me à memória os tempos (e de crise) das bichas/filas da padaria, marcadamente nos anos oitenta. Dessas bichas, guardo um e outro episódio do poder do padeiro em tempos de crise.
Um dos episódios foi numa padaria próxima de casa. Havia uma bicha (curta) de pão para cooperantes (trabalhadores estrangeiros, grosso modo de raça branca) e uma outra (bem cumprida) para moçambicanos. Nesta fila, uma e outra vez, não me deixavam ficar, alegando que a minha era a outra: a dos cooperantes/brancos. Às zangas de criança lá ia à fila indicada, formada na sua maioria por russos e outro pessoal do leste. O padeiro, na hora da compra do pão, questionava-me: “Desde quando mulato é cooperante/branco?”. E assim - voltar com o pão para a casa - dependia do padeiro do dia: este é quem decidia se eu era cooperante/branco (estrangeiro) ou moçambicano.
O outro episódio prende-se com um detalhe: algumas das beldades que circulavam com o saco de pão – já recheado – não eram vistas na padaria. Mais tarde, percebi a razão do fenómeno quando um dos padeiros arrendou uma dependência (anexo) próxima da padaria, respondendo, deduzo, a duas exigências: uma de trabalho e outra de ordem feminina. A de trabalho, por conta dos turnos, sobretudo o nocturno. A feminina, era justificada pelo entra e sai de beldades de tirar o fôlego a qualquer outro profissional e até de áreas tidas de prestígio. Sobre isto, já diz um amigo próximo: “Em tempos de crise o padeiro é uma profissão de poder e prestígio e até superior às tradicionais ”.
Voltando à fila de pão de ontem: na hora do meu atendimento o padeiro demorou um pouco mais do que o habitual e foi atendendo outros clientes. Por coincidência foram duas beldades da terra e um senhor de raça branca que me pareceu estrangeiro. E pouco antes que eu recorresse à alguma forma de protesto, o padeiro pediu-me imensas desculpas, pois ainda aguardava por dinheiro trocado. Por algum tempo, temi que ele não me fosse vender o pão. Em tempos da pandemia COVID-19, e da crise acoplada, tudo pode voltar (a acontecer) e o poder do padeiro, não seria, de certeza, uma excepção.
A minha exaltação a este lugar é movida pela esplanda. Todo o sentido da cidade parece desaguar alí, a partir de onde, com o termómetro instalado por sobre o tampo da minha mente, meço a temperatura dos transeutes. Poucos. Houve tempos que na verdade este espaço era isso mesmo, o centro de uma vida urbana única, caracterizada pelo silêncio. De dentro do bar vinha o cheiro agradável do café, e impregnava-nos os sentimentos. Embebedava-nos o espírito, espevitava-nos a poesia latente em cada um de nós, de tal forma que, depois de saciarmos a alma, saíamos com a saudade de voltarmos lá outra vez.
O próprio bar, a moda antiga, é o outro lado de um tempo que jamais voltará. As cadeiras giratórias perfiladas no balcão, elas, por si só, convidam-nos ao gozo de sentarmos, e por via desse contacto não resistiremos ao apetite provocado pela garrafeira, ou pelo profundo aroma do café. Mas o que estou aqui a descrever pode ser um devaneio, pois a realidade é uma ferida viva.
Passei desinteressadamente pela esplanada do Hotel Inhambane na última sexta-feira, ao final da tarde, como forma de dar azo a minha liberdade. Vinha a pé, descendo pela “25 de Setembro”, depois de desfrutar do pôr-do-sol, sentado num dos bancos da marginal. Era um espectáculo esplêndido a que acabava de assistir, com o astro-rei a esconder-se lentamente por detrás das plameiras que estão para lá da Maxixe. E eu a ver aquilo tudo como dádiva de Deus. Um privilégio de poucos. É como se estivesse no paraíso em si, onde as canções embevecem-nos a todo o momento. E aqui as canções são interpretadas pelo silêncio.
Na esplanada não está ninguém. O bar está fechado, mesmo para aqueles que querem beber café. Há um êxodo na cidade, e se calhar sou o único andante por aqui, como um louco ao fim da tarde, parafraseando Marcelo Panguana. Seja como for, independentemente do Covid-19, o bar e a esplanada do Hotel Inhambane, já haviam degenerado. O actual gestor colocou colunas de som cá fora, como se estivéssemos no “senta baixo”, quando o que pretendemos ao demandar este acolhimento, é o sossego, o silêncio. A música somos nós. São as nossas palavras. Ou o tilintar das pedras de gelo nos copos de whisky. É isso que buscamos na esplanada do Hotel Inhambane.
É o único lugar que ainda nos pode receber na proporção das etapas antigas da nossa existência. Da nossa história que vai sendo vituperada. Também, paradoxalmente, é o espaço menos frequentado. É como a Praça da Liberdade em Singapura, as pessoas não vão lá, com medo da “secreta”. A esplanada do Hotel Inhambane idem em aspas, é assim, ou quase assim, como a Praça da Liberdade em Singapura. A juventude daqui prefere as barracas, onde a postura urbana é pontapeada. Desta forma eles sentem-se livres.
Boa noite, ouvintes da emissão nacional. Bom, não se pode dizer que foi uma grande partida, nem que foi um jogo impróprio para cardíacos. Ouvintes, verdade seja dita, foi um jogo muito desequilibrado, onde os Charlatões tentaram, durante todo o jogo, queimar tempo fazendo jogo sujo, sem nenhum argumento técnico nem táctico. Enquanto isso, os Indignados entraram para a partida com lição muito bem estudada, e fizeram um jogo bastante táctico, mas também, com uma vantagem técnica individual de dar água na boca.
De resto, o resumo deste jogo está nos últimos três minutos, quando o Tomás levanta a bola e faz um cruzamento acrobático para o meio campo do adversário, chamando de escandalosa a jogada dos Charlatões de quererem levar para si cerca de quatro milhões de meticais de integração social... para piorar, num momento crítico como este. Esta jogada do Tomás foi aplaudida pelos adeptos dos Indignados que lotaram o estádio.
Não demorou que o Muchanga fizesse uma entrada faltosa contra o Tomás, que já se tinha livrado da bola. O Muchanga, no seu estilo característico, entrou com tudo contra o Tomás, sob pretexto de que o Tomás não entendia nada de reintegração social dos deputados. O Muchanga dá uma cotovelada ao Tomás e tira a bola do seu meio-campo com argumentos de que o dinheiro de reintegração social do deputado provém do desconto de 13 por cento do salário dos deputados e que no Malawi os deputados têm vivendas e carros novinhos-em-folha pagos pelo povo.
O Maitololo - o trinco dos Indignados, inexperiente que é - tentou amortecer a bola no peito, mas não conseguiu dominar num frente-a-frente com o Galiza - dos Charlatões - que fez um corte lateral com os seus "NOVE PONTOS NOS II’s PARA DESMENTIR A FARSA EM TORNO DOS TAIS 4 MILHÕES PARA “REINTEGRAÇÃO!”.
Já no último minuto da partida, Galiza corre folgadamente pelo corredor central, em direção a baliza contrária, fintando todos os adversários com os seus "nove pontos nos ii's". Depois de muitas fintas e dribles mafiados, Galiza entra na grande área adversaria com os mesmos argumentos do seu colega de equipa, António Muchanga, segundo os quais reintegração é desconto de 13 por cento do salário do deputado durante 5 anos.
Sozinho com o guarda-redes, Galiza perde tempo com papo de que Moçambique "é dos que pior remunera os deputados na região austral de África, em África no geral e no mundo inteiro!" e "há gente que, nas organizações da Sociedade Civil, em empresas públicas, fundações, Institutos públicos ou universidades, recebe 2, 3, 4, 10 vezes mais em relação a um parlamentar deste país e tem 'ma regalias' de bradar os céus!". Como diria o Henrique Ali, Galiza perdeu tempo, e com tempo, perdeu a bola!
Enquanto o Galiza se preparava para o remate que tiraria os Charlatões do zero à zero, surge o Salema num corte fenomenal, sem falta, limpinho, limpinho. Salema desmontou todos os "nove pontos nos ii's" do Galiza com um simples "número 2 do artigo 45 do Estatuto do Deputado, aprovado pela lei número 31/2014, de 30 de Dezembro". Pelos vistos, nem o Muchanga nem o Galiza sabiam desse documento que eles próprios aprovaram.
Depois do grande corte sobre o Galiza, o Salema - jogador experiente e táctica e tecnicamente competente -, fez o remate da vitória a partir da sua grande área (à moda Roberto Carlos). Foi um remate de baliza à baliza. Tanto o Muchanga quanto o Galiza, ficaram estáticos ao apanharem a ventania da bola em direção ao grande golo da partida, e quiçá, o melhor da história deste campeonato.
De resto, a grande fotografia deste jogo é simplesmente o corte e o chapéu artístico do Ericino de Salema sobre o Galiza Júnior, e o estrondoso tiro já no último minuto de compensação. Afinal de contas, os Charlatões estavam a mentir: "o pagamento do subsídio de reintegração não pressupõe quaisquer contribuições".
Contudo, é importante referir que, apesar da vitória dos Indignados nesta partida, assim como noutras, os Charlatões vão levar a taça dos 4 milhões de meticais para casa. Foi sempre assim. Esse é o preço da nossa democracia. Esta democracia é cara, diz a FIFA.
- Co'licença!
A frase do título é atribuída a Pelé, antigo e renomado futebolista brasileiro e mundial. Faz tempo que a tomei de empréstimo para olhar a política. A mesma filosofia para uma outra frase e pertencente ao ex-Presidente americano, George Bush (filho) que a transcrevo de memória: “Um dos maiores fascínios como presidente foi a tomada de decisões e para tal, dos meus assessores, procurava saber se a decisão era legal e se era ética”. E eu acrescentaria, na assessoria, se a decisão seria aplicável, obviamente, com o devido contexto observado. E por falar em contexto, referir que estas frases levam-me ao avança e recua no que toca às decisões sobre as medidas do Estado de Emergência em Moçambique.
Por outras palavras, em miúdos, a combinação da jogada de Pelé e Bush resulta que a bola é a decisão (política), o passe é a comunicação da decisão e a recepção do passe, a sua aplicação. E nessa linha, penso que já se foram os tempos em que a qualidade da liderança mundial marcava a diferença. Os tempos em que - tal como como Pelé, no trato da bola, espalhava magia por todo o campo até ao golo – os líderes tomavam decisões depois do devido enquadramento (legal), ajustamento (ético) e garantias (aplicabilidade) de sucesso (resultados/golo). Em regra: a qualidade iniciava na partida, contagiava o caminho e alojava na chegada. Porém, a excepção não é descartada.
Em contramão, a actual geração de líderes não possui a necessária habilidade para enfrentar os problemas e os desafios que se impõem de momento. E o resultado disso – quanto ao processo de tomada de decisão, sua comunicação e a respectiva aplicação - é bem visível no estado de incerteza em que se encontra a humanidade, sobretudo com a acção da COVID-19. O mesmo para o futebol: Já não se encontra um “10” que se compare aos níveis da performance do Pelé.
Entre portas, na Pérola do Índico, um dos indicadores da deterioração da qualidade de liderança foi o recente decreto/regulamento de medidas atinentes ao Estado de Emergência (EM), que mal fora aprovado e entrara em vigor foi logo alterado. Aliás, sobre o EM, já alguém, por coincidência também EM (Elísio Macamo, académico) escrevera da trapalhada linguística na respectiva justificativa/preâmbulo no texto da lei/decreto presidencial.
Contudo, nem tudo está perdido. Vi excertos de uma entrevista televisiva do Ministro da Saúde e pareceu-me com pleno domínio da comunicação. O mesmo para a da Justiça e o vice, passando pelo pessoal da saúde que presta informes regulares sobre o estágio da pandemia em Moçambique. Entretanto, embora haja sinais de uma certa qualidade de passe/comunicação, subsiste um défice em relação a qualidade da bola/decisão que é passada, deixando dúvidas e a ponto de dificultar/atrapalhar a recepção/aplicação da bola/decisão pelos destinatários. A menos que se confie que os destinatários, quiçá de tão exímios, façam a sua parte/diferença.
Neste contexto, ainda que sem uma adequada bola (decisão/medida), mas com um bom passe (comunicação) e com uma notável ajuda dos destinatários (aplicação) é possível que o país faça bonito nos resultados, sobretudo os do combate à COVID-19. Aliás, Pelé não costurava bolas, mas fazia passes de extrema qualidade e também os recebia com a mesma ou com uma outra, distinta e superior, qualidade.
"No Malawi, o deputado vive numa cidadela parlamentar. No dia que o deputado toma posse, recebe chaves da casa mobilada e tudo, e tem um carro zero quilómetros" - António Muchanga, deputado da Assembleia da República pela bancada da RENAMO há mais de não-sei-quantas-legislaturas.
Por acaso, o Muchanga fez alguma pesquisa que concluiu que o povo malawiano está muito satisfeito com este modelo de representação? Os malawianos dão esses benefícios aos deputados em detrimento de bons salários, hospitais e escolas para eles de bom grado? Os malawianos morrem de amores pelos seus deputados?
Com que então, o deputado António Muchanga, um cidadão aparentemente bastante informado, viajado, experiente, exigente, competente, profundo, magniloquente, comunicativo, retórico, influente, abrangente, impulsivo, famoso, original, criativo, pitoresco, autêntico, genuíno, real, verdadeiro, extraordinário, galhardo, prepotente, importante, graúdo, atuante, dominante, excessivo, desmedido, conhecido, reconhecido, e todos restantes qualificadores graúdos e benzidos, foi encontrar no Malawi a melhor qualidade de política parlamentar?! Quanta decepção, amigo Muchanga! Quanta decepção, meu Deus! Se decepção fosse líquida, eu já estaria afogado e morto. Possas!!!
Muchanga foi buscar do parlamento malawiano o exemplo que mais lhe convém. Esquivou-se de referir, por exemplo, que no Malawi os políticos estão a descontar os seus salários para ajudar o governo a combater a pandemia da Covid-19.
Xeee!!! São essas referências que queria levar para o governado da província de Maputo?! É esse o modelo que queria usar como referência na qualidade de governador provincial?! Na sua posição, acha mesmo que deve lançar essas respostas face a indignação do povo?! São esses argumentos que deve buscar?!
Perceba-se (!), eu, particularmente, não estou contra os 4 milhões de meticais que cada deputado vai receber, tanto que já estava a ficar convencido com a justificativa segundo a qual esse dinheiro de reintegração é descontado do salário do deputado durante a legislatura. Confesso que com mais argumentos eu iria cair nela, mas a referência aos deputados do Malawi que tem casa e carro zero quilómetros me deu náuseas.
Hoje tive certeza que, afinal, decepção não mata. Mas, também, tive a maior certeza que o povo de Maputo não perdeu nada, muito pelo contrário... livrou-se. Deus escreve recto em linhas tortas! Aquele Muchanga cuja prisão comoveu o povo, aquele cujo cerco à sua casa indignou o povo, afinal de contas, acha que o que o povo lhe paga é pouco. Além do salário que o povo sofridamente lhe dá, quer casa no condomínio e Lamborghini novinho em folha. Aquele Muchanga pelo qual o povo entregou o peito às balas para ser o seu governador se tivesse ganho quereria mais mordomias e benefícios.
Coitado! Muchanga devia ter chumbado quatro vezes na décima classe. Talvez assim tivesse ampliado o seu horizonte em História e Geografia. Talvez tivesse aprendido que o estômago não é o único órgão do corpo humano. Talvez até tivesse estudado que, às vezes, é preciso fechar a boca para ser poeta.
Allah seja louvado!
- Co'licença!