Director: Marcelo Mosse

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Era preciso Marcelo Rebelo de Sousa vir a Moçambique para Lisboa autorizar que moçambicanos viajassem para Portugal sem restrições. Rebelo de Sousa chegou  hoje a Maputo, terra onde ele viveu e que considera sua segunda pátria e com Portugal tem “ligações de fraternidade que são únicas”.

 

Essa fraternidade esteve em banho-maria durante longos meses. Sem decreto conhecido, moçambicanos que quisessem viajar para Portugal eram simplesmente vexados com uma recusa de visto. Grosso modo, a opinião pública |moçambicana andava com os nervos à flor da pele. Há relatos de moçambicanos que tiveram que recorrer à Embaixada da Espanha para obterem um visto Schengen para se deslocarem a Portugal.

 

As redes sociais foram inundadas de comentários criticando a diplomacia moçambicana por não aplicar uma medida recíproca. Ou seja, no mesmo período de fechamento de Portugal aos moçambicanos, cidadãos portugueses podiam entrar em Moçambique sem restrições, obtendo inclusive vistos de fronteira, nomeadamente no Aeroporto de Mavalane. A razão para as restrições nunca foram sobejamente explicadas. E os moçambicanos podiam viajar para qualquer parte do mundo.

 

Agora, com a vinda de Marcelo, Lisboa empenhou-se em lavar uma nódoa profunda, dando a entender, nas entrelinhas, que as restrições tinham a ver com a Covid19. Os moçambicanos já podem entrar em Moçambique sem restrições. E Marcelo Rebelo de Sousa evita um grande mal estar, ele que nutre publicamente uma afeição por este país. Seja como for, esta interrupção da fraternidade por decreto português mostra como a politica fragiliza os laços entre os povos e coloca reticências na construção da dita comunidade lusófona. (Marcelo Mosse)

quarta-feira, 16 março 2022 08:40

Matxinguiribwa*

Txifuliane está entre a muldidão, com o filho aconchegado, acompanhando tudo aquilo que apenas vem confirmar o que já sabia, ou que já tinha ouvido falar. Mathxinguiribwa dança no colo da mãe ao som da timbila de Juliasse Makowo, dança e ensaia com o pequeno braço esquerdo o batimento do escudo de pele no chão, e o chão era o peito da mãe que tremia cada vez que a criança enveredasse por esse gesto. Ela voltou a ficar alucinada, desta vez viu a sua avó aproximando-se, vestida de branco passeando no ar na sua direcção dizendo, Txifuliane sai daí, sai daí depressa, minha neta, procura uma varanda para te abrigares, entra no restaurante do Mathikiti e peça alguma coisa para comeres com o teu filho, sei que acabas de comer, mas vai comer outra vez, peça algo ligeiro só para não correrem contigo de lá, compra um chocolate para  Matxinguiribwa e mantenham-se serenos.

 

Txifuliane vê Juliasse Makowo sacudindo o abraço do governador, cuspindo  depois para o chão, não a saliva, mas um jato de sangue que lhe molhou os pés, pegou na sua timbilia e nas baquestas para se retirar e dirigir-se aos camarotes, onde devia esperar para de novo voltar e apresentar o maior quilate do seu show que ainda faltava, como se aquele primeiro número não fosse nada, parecia um mamute. Relampejou tremendamente por sobre o miradouro, e um raio caíu atingindo Juliasse Makowo, que morreu imediatamente, sem que no entanto tivesse caído, morreu de pé, e quando os seus companheiros tentaram levantar o corpo não conseguiram, começou a chover em catadupas, afastando as pessoas que enchiam por completo o lugar da festa, os membros da banda de Juliasse Makowo  abandonaram o cadáver com medo dos relâmpagos que se sucediam, e do graniso que  fustigava o espaço onde já tinha começado a grande celebração dos chopi, chovia em toda a vila, mas o graniso só caía no miradouro, martelando em particular a cabeça de Juliasse Makowo que continuava estranhamente de pé. Há grandes correrias das pessoas que buscam abrigo, as tendas esticadas aqui e alí não suportam as fortes bâtegas da chuva que chove à cântaros, elas cedem perante as torrentes, em pouco tempo a vila de Quissico ficou um rio, e os carros que estavam ali estacionados transformaram-se em barcos flutuando à deriva, sendo todos levados ribanceira abaixo, até à zona das Lagoas, onde se viam enormes fogueiras desafiando a chuva que caía cada vez com maior intensidade, sem o menor sinal de que aquela hecatombe podia desvanecer nos próximos momentos. As pessoas subiram para os tectos das casas, e paradoxalmente, no tecto das casas eles não molhavam, ficavam ali a assistir ao dilúvio, que vinha para destruir o histórico vilarejo, aquilo que são as ruas metamorfoseou-se, no seu lugar nasceram braços de um rio que rasgava Quissico à meio, várias mulheres foram vistas a nadar, nuas, umas de costas, outras de bruços, outras de livre, deixando ver abundantes trazeiros que atiçavam a cobiça dos homens pendurados nos tectos bebendo aguardente de massala, ninguém sabe explicar como é que aquela bebida foi-lhes parar às mãos, mas todos eles bebiam sem se molhar com a chuva que vinha do céu em liberdade, petiscavam carne de porco assada na brasa e temperada com n´tona, todos eles pareciam alegres, riam-se às gargalhadas, divertindo-se com o espectáculo das mulheres que nadavam nuas pelos braços do rio que rasgava Quissico, mas tudo aquilo durou pouco tempo, porque logo a seguir todos estavam nos seus anteriores lugares, a chuva tinha parado, os carros voltaram aos sítios onde estavam estacionados e Juliasse Makokowo retirava-se tranquilamente, petulante, para os camarotes.

 

Txifuliane tremeu depois de voltar novamente à lucidez, sem saber o que fazer. O filho, em silêncio, para o arrepio da mãe, mexia a cabecinha em resposta às músicas que vinham das orquestras que passaram a desfilar num espectáculo retumbante, cada grupo tocava algo diferente, algo mais aliciante do que aquilo que se ouviu anteriormente, aqueles que bebiam tinham que atravessar a estrada várias vezes para comprar as bebidas do outro lado e ninguém conseguia manter-se nas barracas porque não queriam perder um evento único, que trouxe equipas de televisão de várias partes do mundo, quatro helicópeteros sobrevoavam silenciosamente o espaço, com antenas pendidas para captar o show em todos os ângulos. O miradouro está compactado, acolhe milhares de assistentes que deliram, cada vez há mais gente subindo às palmeiras, levando consigo garrafas ou latas de bebida, que é consumida para aclarar as mentes e deixar que o ritmo penetre livremente nas profundezas da alma, os timbileiros estão em êxtase, desfraldam gritos de guerra que são repetidos pela plateia ávida.

 

  •  Excerto do livro (Mathxinguiribwa) de Alexandre Chaúque
terça-feira, 15 março 2022 12:46

MEDIOCRIDADE

terça-feira, 15 março 2022 09:26

O "DOM DA EXTORSÃO"

O surgimento da Covid-19 no mundo aumentou a violência policial em vários países, em particular em Moçambique. A suposta protecção para que a pandemia não se espalhasse foi a grande justificação para que a violência impera-se. Nas grandes cidades do país, vários concidadãos conheceram a crueldade da polícia, com chambocos e humilhações públicas caso fosse encontrado a beber ou a circular fora do horário estabelecido - justificações não eram aceites e nem a educação cívica recomendada fazia-se sentir - foi assim desde 2020 até princípios do presente ano quando o Presidente da República, Filipe Nyusi determinou o relaxamento das medidas impostas para conter o alastramento da pandemia no país!
 
O estranho é que mesmo com a máxima frase do momento de que: "o país está aberto" - quem parece não estar de acordo são alguns agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) afectos a Esquadra do bairro das Mahotas, no Distrito Municipal Kamavota, na Cidade de Maputo, que há dias, quando eram 21 horas protagonizaram um acto macabro equiparado a alguns filmes antigos de acção de produção indiana- onde o protagonista principal certas vezes era amarrado à uma viatura e arrastado pela Vila pelos vilões da sina! A ideia era intimidar aos moradores da respectiva Vila - e para quem assistia aqueles filmes, tinham todos algo idêntico - mesmo diante de tanto sofrimento da família do protagonista principal, nenhum membro da comunidade usava acudir o mesmo!
 
Não foi o que aconteceu há dias nas Mahotas, quando um grupo de agentes tentou extorquir uns cidadãos que consumiam bebidas alcoólicas na sua residência com amigos e familiares. Os homens trajados de azulinho, uma arma de fogo na mão, chambocos na cintura e um Mahindra decide invadir a residência - como quem diz nós mandamos em tudo por aqui e não existe lei que nós possa parar. Durante a "operação extorsão", a polícia algema um cidadão embriagado junto ao Mahindra enquanto lutava com os restantes populares que não se acovardaram - de empurrões e empurrões, alguns agentes abrem o fogo, com disparos para o chão, como forma de intimidar, mas em resposta, a população começou a atirar pedras contra os agentes.
 
Sem mecanismos de travar a fúria popular, é quando o motorista do Mahindra liga a viatura e começa arrastar o cidadão algemado ao veículo. Aquele acto agudizou a raiva popular que cercou o Mahindra. Aflitos pediram reforço de outros agentes que rapidamente fizeram-se ao local com mais três carros- o local conhecido como Abu Dhabi - transformou-se num campo de guerra. Com o som das balas que se intensificaram, os populares renderam-se e foram recolhidos para os calabouços mais de 10 cidadãos.
 
Chegando na esquadra, o dom da extorsão começasse a manifestar - quem quisesse ser solto era só massagear a brigada operativa com 30 mil meticais! Inconformados alguns anciões do bairro dirigiram-se ao local para ter com o comandante da esquadra que estranhamente disse na cara das pessoas que não tinha autorizado e muito menos sabia de que teria acontecido aquele acto macabro em plena noite. Convocado o chefe das operações da mesma esquadra, eis que responde que também não sabia - o caso sério de violação de direitos humanos transformou-se em comédia, porque nenhum dirigente máximo da instituição sabia o que terá acontecido - a culpa morreu solteira como sempre!
 
Na senda dos velhos âmbitos do pico da Covid-19, na mesma esquadra, durante o final de semana, um outro grupo de homens fardados a azulinhos saíram do seu posto de trabalho para um bar sito nas barbas das bombas Puma, ao longo da Avenida Dom Alexandre, onde teriam tentado extorquir um agente económico, que prontamente disse que não havia facturado nada naquele dia e o único valor monetário que tinham eram 25 meticais. Insistindo disseram se não podiam trocar com uns petiscos, tendo o cidadão se recusado!
 
Vejam só os hábitos que as medidas de contenção ao alastramento da Covid-19 trouxeram para os nossos homens da Lei e ordem - depois de dois anos comendo sem parar e lesando o pacato cidadão que o "único seu pecado foi nascer num país, onde ser pobre é Lei!"
 
É importante distribuir o actual decreto presidencial que relaxou as medidas ou não, desenhar em banda desenhada e entregar a todos agentes para que saibam que aqueles tempos das vacas gordas em nome da Covid-19 já se foram, agora a pandemia é o fight Ucrânia - Rússia!
sexta-feira, 11 março 2022 07:58

O dia das "súplicas" na Tenda da B.O.

No último dia das alegações finais do badalado caso das dívidas ocultas foi muito interessante. Em quase todas as intervenções dos acusados o nome de Deus/Allah era referenciado com vivacidade. Não é para menos, esta é a característica do ser-humano, lembrar e entregar a Deus tudo sempre que estiver numa situação complicada e foi o que se viu na Quinta-feira na Tenda da B.O. durante a última intervenção dos arguidos no Julgamento das ocultas. 
 
Todos entregaram o seu destino ao Altíssimo. "Que Deus ilumine a mente do Juiz Efigénio Baptista para que análise o meu caso, porque eu sou inocente" - esta frase foi bastante referenciada naquele que foi o dia do esgotamento de argumentos pelo menos a nível da 6ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) - ficando a batota quente na mão do Juiz! E o Ministério Público transformado no mão da finta - no Lúcifer para os arguidos. Num Leviatã em miniatura. Num diabo com máscara vermelha e fato preto - é assim que a nossa eloquente, linda e inteligente Procuradora Ana Sheila Marrengula ficou marcada na memória dos arguidos e dos seus apoiantes!
 
Entretanto, para quem assistiu as primárias intervenções de alguns arguidos deste badalado caso, na Quinta-feira pareciam na serem as mesmas pessoas que caso saíam as golas com o Juiz - que no início do processo era uma espécie "demoníaca" e na fase das alegações finais o espelho mudou - o Juiz Efigénio Baptista virou um homem modelo para os advogados e arguidos. O Juiz Efigénio Baptista transformou-se num Moisés (Mussa) que terá que abrir o "mar negro" com um martelo para que os 19 arguidos possam atravessar aquele tumultuoso local. "Os homens são todos inocentes" - assim disseram!
 
"A sua estadia naquele local não passa de uma cabala política. O Ministério Público está a mando da famosa mão externa que quer dividir os moçambicanos - dividir para reinar. Naquele exacto momento num país da Europa estava a ser realizada uma reunião para dividir Moçambique, a partir do rio que separa Nampula e Zambézia (...)".
 
Se estivéssemos assistir um filme e um espião dizer aquilo tudo - os actores que estão a interpretar o papel de governantes o mandariam imediatamente para tal reunião e ir atentar contra todos - uma espécie de 007! Mas se vem de quem está suplicar pela sua liberdade, então esta informação é tratada como sendo uma fuga. Uma estratégia de defesa. Uma finta à Ronaldinho Gaúcho!
 
Foi um dia interessante - ver que as bocas que podem estar a mentira ou dizer a verdade, também são homens de fé - e onde não ir buscar a fé quando a desgraça bate a nossa porta e tudo faz para recolher a nossa bonança. Quando a mão dura da Justiça dos homens actua para tentar repor a legalidade. Quando a Lei sai dos manuais de Direito e manifesta-se como um "Direito vivo ou mesmo objectivo".
 
Na Quinta-feira, a tenda transformou-se num centro de graduação dos novos líderes religiosos de algumas congregações que surgirão nos próximos tempos. Tornou-se numa Sinagoga. Numa Mesquita. Num Templo. Os arguidos demonstravam ser grandes conhecedores do Alcorão e da Bíblia - afinal "Deus exalta os humilhados e sanciona os opressores". Os sermões foram vários, em algum momento senti-me como estivesse na Mesquita, numa oração da Sexta-feira ou mesmo diante do Sermão (Bayane)  de grandes alimos, mas não estava diante dos homens que durante este tempo todo fizeram manchete de vários jornais. Estávamos diante das pessoas que são apontadas como tendo comido o bolo libanês com sabor de hambúrguer de Los Angeles - quanto a mim as súplicas fazem todo sentido, sabem porquê? 
 
- A cadeia educa.  A cadeia muda-te, mesmo que sejas inocente ou culpado, aquele espaço transforma-te para sempre. E se o comportamento for aquele demonstrado nas alegações finais, mesmo que alguns sejam condenados, em pouco tempo saíram por bom comportamento - porque não existe melhor caminho que o arrependimento e a mudança de atitude - que a transformação da consciência do homem do mal para o bem! 
 
Agora se for uma estratégia de fuga - o mal dos homens começa a ser julgado cá na terra. E as súplicas em nada servem quando o íntimo da pessoa diz e faz o contrário - talvez no dia 1 de Agosto, o Juiz Efigénio Baptista decida agir no modo Velocidade Furiosa 07 e 08, tirando os homens para fora, para novas missões ou mesmo no estilo Capitão Philippe, atrair os somalis com o capitão para um local e "abater" os patinhos feios e tirar de lá o seu cidadão "raptado pelos Dólares libaneses" - não sei não! Mas uma coisa é certa - a "água suja não será despejada com o bebê lá dentro"- Jürgen Habermas, Pensador alemão! Tudo porque algumas súplicas foram verdadeiras e estes serão salvos, mesmo que haja tentativa de injustiça-los (...) Aguardemos!!!
sexta-feira, 11 março 2022 07:55

Um guarda-redes no lançamento do meu livro

Estou no acto do lançamento do meu primeiro livro, em 2001, na cidade de Inhambane. O título é esse mesmo: Inhambane Sem o Badalo, uma homenagem que presto à figuras que estarão por todo o sempre ligadas aos cheiros desta cidade elevada - pela minha imaginação nas paródias - ao lugar mais sossegado do Mundo. É uma colectânea de crónias recebida com estupefação pelos cépticos, que já me consideravam irreversivelmente morto. Será também a obra que me fez sentir um pequeno deus, por isso autorizado a enfiar as mãos nos bolsos e assobiar livremente pelas ruas e pelos atalhos e pelas sinagogas, levantando as asas como o pavão mais antigo do planeta, passeando em paz.

 

No evento, de entre os demais ilustres, e indivíduos do vulgo, está um homem que vai ser lembrado em todos os momentos pela sua audácia na baliza. Chama-se Mbata, um guarda-redes notabilizado no Clube Arrera Kwara, e depois celebrado em toda a província de Inhambane por parecer um gato na sua área, ou uma aranha, extravazando classe. Exuberância. Plenitude.

 

Mbata ficava encostado ao poste – esquerdo ou direito - de braços cruzados, pernas em tesoura, quando o jogo fosse despejado – ou pelo corredor central, ou pelas “asas” - para a baliza contrária, como se estivesse à espera serenamente de alguém, ou lucubrando nas suas memórias. Mas quando o perigo corresse na sua direcção, ele dançava, media os ângulos com as mãos, gritava para os defesas seus colegas, por vezes saía da área e  logo a seguir voltava a correr para o seu reduto, dando costas à bola, deixando, por assim dizer, tudo o resto por conta dos sensores implantados no corpo e na mente. Erriquietos.

 

Os pontas-de-lança, ou os médios ou médios-avançados, podiam desferir mortíferos remates enquanto Mbata retornava à baliza naquele espectáculo incrível, e este, assim mesmo, de costas para o jogo, como um gato celestial, rodopiava no ar, e impedia a bola de continuar na sua fatal trajectória. Tinha manápulas mágicas. Buscava o esférico no ar num gesto de quem colhe, como um maroto inesperado, uma laranja no ramo mais alto da árvore. E é isto, e muito mais, que vai tornar Mbata, um guarda-redes idolatrado e festejado em toda província de Inhambane, no seu tempo de glória.

 

Hoje, em 2001, vejo um homem movendo-se no corredor da sala onde decorre o lançamento do meu livro. É extraordinariamente alto, cabelo farto, completamente esbranquiçado, parecendo de prata. Procura com o olhar uma cadeira livre para se sentar e parece não haver cadeira desocupada. A sala está absolutamente cheia porque o meu nome ribomba por estas bandas, e reboa até aos bairros mais longíquos onde também serei festejado como Mbata, por todas as inconguências que andei a cometer por aqui, e pela música de blues que vou cantar, sem saber nada de blues, nem nada sobre a música.

 

O homem não encontra lugar para se acomodar. Orbita sobre o seu próprio eixo como se estivesse num dia de jogo de estrelas  e, resignado como nunca esteve no campo de futebol, recua e encosta-se na porta da entrada, na mesma posição habitual de quando brilhava como um astro, desde os meados da década de sessenta, até princípios da década de oitenta: braços cruzados e pernas em tesoura. Olhei para ele e reconheci-o logo, é o Mbata, no mesmo estilo que recusa desvanecer apesar da idade. Nesse momento falava o governador de Inhambane, bajulando-me, e eu estou pouco me lixando para as bajulações. E o “boss” teve que interromper o discurso quando viu um homem que se destacava pela sua peculiaridade física, encostado à porta de braços cruzados e pernas em tesoura. É o Mbata, agora convidado por “Sua Excia” a ocupar a única cadeira desocupada que se dispunha na fila reservada aos “responsáveis”.

 

Lá vem ele pelo corredor. Estiloso. Tranquilo. Sereno. Transcendental. Faz uma vénia ao governador, enclina-se e pega pela mão esquerda o encosto da cadeira, antes de se sentar. É uma pessoa invulgar. Virou-se para a plateia e saudou-a vocalizando palavras que ainda hoje me ressoam na alma: “é uma grande honra ser servido um lugar por Sua Excia senhor Governador. Afinal continuo a ser glorificado como nos tempos áureos da minha carreira futebolística. Obrigado, Excia!”

 

Houve uma forte salva de palmas. E antes de se sentar, disse mais: “é uma uma grande honra e privilégio, participar no lançamento do livro do Alexandre, um personagem que fala sempre de mim, como se eu fosse uma vedeta, quando na verdade a vedeta é ele”!

 

Houve mais aplausos, com as pessoas de pé, incluindo o Governador!