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sexta-feira, 30 abril 2021 06:38

O fio da memória das nossas vozes

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Assinalam-se os primeiros seis meses da epopeica páscoa de João Baptista de Sousa; o nosso João de Sousa. O lançamento, mais virtual do que físico, do seu livro “Os meus tempos de rádio”, crônicas e outros escritos, serviu de mote para aglutinar seleccionados amigos, familiares e colegas; admiradores. Um memorial digno e à altura de quem vive nas alturas, próximo das estrelas, cuidando dos seus, vigiando as aporias de um país que se constrói com remendos e roturas, seguindo as mudanças políticas e sociais, culturais, as democracias e, sobretudo, as transformações desportivas.

 

Estaríamos, em absoluto, equivocados se considerássemos que a sua voz se apagou, para sempre, com o seu desligamento físico dos nossos olhos. Essa voz, como o fio da memória, permanecerá viva e acutilante, remexendo nossas consciências, apelando ao rigor e excelência, revisitando o palco da solidariedade, da união e fraternidade entre os irmãos e patriotas e, sobretudo, fazendo com que as ondas hertzianas sirvam para educar uma nação e um povo.

 

Não sou contemporâneo, porém, convivi, intensamente, com os seus ensinamentos, com sua voz, cidadania e seu nacionalismo. Sim, ele era esse homem de múltiplas capacidades e revelações. Gostaríamos de ter lançado o seu livro na Universidade Pedagógica de Maputo. Era esse seu desejo. Nós indagamos sobre as razões, mas, o mais sensato seria pensar que ele entendia que a educação era a primeira e a última batalha para edificar esta sociedade e país. Ele acreditava na educação de forma devota.

 

Todos nós, salvaguardadas as devidas proporções, tivemos, em João de Sousa, um ídolo, um farol, um companheiro  e um irmão mais velho. Ele pareceu ser, sempre, essa chama que iluminava todos os caminhos; a voz que alimentou gerações. Revisitar, hoje, estes contos dos milhares de contos que foram a sua vida e seus escritos, tem um simbolismo que vai muito para além de lançamento de seu livro, deveria ser encarado como a reconfiguração dessa imagem que desaparece, da voz que perdurará em diferentes plataformas, enfim, da admiração que ele granjeou junto de todos quanto o conheceram.

 

Em 2005, o Ministério do Turismo organizou um concurso infanto-juvenil sobre os parques nacionais. Os jovens concorreram, apresentando redacções e fotografias. Claúdio, filho primogénito de João de Sousa, participou e foi um dos seleccionados para visitar o Kruger Park, como parte da premiação. João de Sousa, pai babado, acompanhou este concurso e revelou seus dotes de ambientalista, ecologista feito pela vida e desnudou todo o amor que o ligava a natureza, mesmo que nunca o tivéssemos conhecido nesses pergaminhos.

 

Hoje, me recordo daqueles diálogos sobre Quiterajo e Mucojo, lá em Mocímboa da Praia. Aos alunos de duas escolas, foi solicitado que fotografassem os animais que mais prejudicavam, e os que mais ajudavam a comunidade. Eles foram unânimes. Elefante era o que mais ajudava. Foi um aprendizado para todos nós e, igualmente, uma rotura ao discurso do conflito homem-animal.

 

Mais logo, regressarei às histórias de música e vou escutar Steve Wonder, Fany Mpfumo, Hortêncio Langa, João Cabaço, Zeca Alage dos Ghorwane e Pedro Langa, músicos de sua eleição, dos quais fez, tantas vezes, referência. Os céus ganharam uma voz de ouro e ele deve estar encantando o paraíso com seu talento. João de Sousa deixa ficar um abraço de saudade à minha querida amiga e irmã Afra Ndeve e que o espírito dela nos empolgue para outras vitórias de que tanto carecemos.

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