Director: Marcelo Mosse

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Moçambicano é maningue complicado. Nos últimos tempos têm estado a brotar sabichões neste país que nem te deixam ser bandido a vontade. Não permitem que o ladrão usufrua do seu próprio título de ladrão em paz. Já nem dá para ser gatuno tranquilamente. Aqui é fácil você ser jornalista, analista, músico, pastor, padre, sheik, até profeta, mas experimenta ser gatuno. Virão os "donos da verdade" dizer que isso é mentira, que isso é ilegal.

quarta-feira, 21 julho 2021 08:46

Nada te direi...

Se me perguntares sobre a crise económica

Que a tantas entranhas macabramente carcoma

Mesmo depois dos famigerados acertos da Kroll

Associada às ameaças de malandros doadores

Aprumada de reclamações de gente faminta

Protestos desencantados de um cúmulo de teóricos

E canções malnutridas que de pálidos lábios ecoam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre o ignorado esconderijo

Onde astuta e em tendenciosas propagandas

As moedas que dos nossos bolsos desapareceram

E hodierno nossos filhos lamentam esfomeados e imóveis

NADA TE DIREI!

 

Se me insistires e perguntares

Sobre as esquinas das ocultas negociações

Os conflitos armados ao relento travados

A crónica da cruel e aplaudida pobreza absoluta

E abismo mal-acostumado de paulados analistas

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre o paradeiro da boa educação

Onlinamente desnutrida pela falta de qualidade e dispositivos

Em somatório pálido à ineficaz rede de acesso móvel

E os meninos que há tempo sonham com salas de aulas dignas

NADA TE DIREI!

 

Se insistentemente me perguntares

Sobre consultas médicas monetariamente apadrinhadas

Médicos abandonados aos desvarios da pandemia em laboratórios forjada

E o reajuste salarial que há tempos os nossos pais reclamam

NADA TE DIREI!

 

Se quiseres teimosamente saber

Sobre o plano agrícola carinhosamente desnutrido

Alegando suportar famílias nos campos malnutridas

Sabotadas pela desnutrição crónica do exaltado sustenta

NADA TE DIREI!

 

Se continuares e me perguntares

Sobre a apreciação da nossa pálida moeda

Que nos bolsos do pacato cidadão escasseia

E nas contas de decisores de políticas público-monetárias abunda

E em bolsas de nossas mamanas nos dumbanengues desaparece

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre nossas mães, irmãs e filhas

Matalanizadas entre ramos secos naquela floresta governamental

E em escritórios de Supervisores de turnos e tarefas

Que defendem tutu mafia e pura obra de ficção ser

NADA TE DIREI!

 

Se quiseres saber sobre o relatório da Comissão de Inquérito

Para aferir os relatos do CIP e de mulheres ndlavelizadas

Por supostos agentes de disciplina e boa conduta

Indiciados de estabelecer negociações público-privadas

Para suas vontades e prazeres perante todas satisfazerem

E em suas contas, em comissão, de moedas encherem

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre a consumista mambas desvenenada

Que cuspe derrotas a cada vez que na floresta desfila

E a juventude planificadamente amamentada com leite carmesim

Filhos e netos das mamanas que coloridas capulanas adoram

Mas nada fazem pelas mártires de Ndlavela e Matalane

NADA TE DIREI!

 

Se insistentemente me questionares

Sobre os jovens que esforços de meninos primários banalizam

Enquanto eles confiantes incalculáveis memes produzem

E socialmente, em suas redes, fotos sem conteúdos disseminam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre nossa vontade de alguma coisa querer ser

Mesmo sem prévia consulta e indicação de chefaturas monopolistas

Em meio à decadência e extinção de fortes candidatos que no povo pensam

NADA TE DIREI!

 

Se me perguntares sobre a nossa desviada madeira

E luxuosas máquinas que pelas fronteiras atravessam

Em boladas coadjuvadas por agentes e filhos da pátria amada

E dos cofres do Estado avultadas quantias para bolsos particulares encaminha

NADA TE DIREI!

 

Se me pedires para continuar a descrever

A frustração que hoje em nosso pátio sem máscaras se vive

Meu punho de escrivão encravarei

Meus pergaminhos distantes guardarei

Meus desnutridos lábios em defesa cerrarei

E NADA TE DIREI!

 

Por conseguinte, hoje, acanhados

Pelo sucesso do NADA TE DIREI

Os corolários desta atitude bebemos nós

E para Michafutene caminhamos, silenciosamente!

Mesmo assim, NADA TE DIREI!

A Covid-19 está a matar! Os números de pessoas infectadas não param de crescer. Os entendidos da matéria andam apavorados, mas, infelizmente, os boémios nada disso entendem.

 

Na cidade de Maputo, por exemplo, em bairros periféricos, as festas continuam ao rubro. As pessoas ainda bebem à moda alemã. Festejam como adeptos ingleses em partidas entre clubes rivais como Liverpool e Manchester United. Na capital, se caminhares em bairros como Magoanine, Laulane, Hulene, Mahotas, Chamanculo, Inhagoia, entre outros, percebes de antemão que alguns moçambicanos não mudam, mesmo com a já conhecida teoria dos 21 dias de repetição, mediante a qual, desde 2020, se canta e grita para usarmos máscaras, nos distanciarmos, ficarmos em casa, ou bebermos água de 15 em 15 minutos. Campanhas e apelos são feitos em todos os canais, entretanto, as pessoas fazem ouvidos de mercador.

 

E com efeito, a Covid-19 está a matar! Os nossos vizinhos estão a desaparecer. Porém, os cépticos ou negacionistas questionam sobre o paradeiro das pessoas que morrem desta já conhecida doença. “Nunca vi uma vítima sequer, por isso, deixem-nos curtir!” – Assim dizem os farristas da capital e de outras zonas do País, para os quais a máscara, o distanciamento social, bem como a lavagem das mãos são insignificantes regras científicas, pelo que, podem beber até suas almas abandonarem os seus pobres corpos.

 

Estranhamente, mesmo diante de certas operações televisionadas, mediante denúncias de vizinhos conscientes ou insatisfeitos, alguns Chefes da Polícia com negócios particulares na área de restauração, outros com parentes que operam nesta área, amigos e amantes que têm bares, restaurantes ou barracas, continuam a fazer das suas, protegendo locais onde vários farristas se embebedam e desgraçam não somente as suas almas, mas de tantos outros que nem sequer disso se apercebem.

 

Em bairros como Hulene, Magoanine ou Mahotas, até alguns polícias são imobilizados e impedidos de prosseguir com as operações em determinados lugares, alegadamente porque o local onde se vende álcool é de um grande Chefe da Corporação. Assim, todos os agentes escalados para fazer valer o Decreto Presidencial de Estado de Calamidade Pública querem parte da receita no final do dia – o resto não importa – as pessoas podem continuar a ser infectadas ou a infectar-se, porque só assim é que a bolada policial se manterá em pé. 

 

Por conseguinte, a pandemia da Covid-19, na capital e noutros centros urbanos, virou o braço direito das gangues corruptas. Ela aumentou a renda diária, semanal e mensal dos destacados. Por isso, as brigadas policiais descobriram uma forma de trabalhar – chamar a imprensa ressonante e fingir que estão a trabalhar, dar a palavra ao Porta-voz que, em seguida, põe-se a deslindar nas câmaras de filmar, e assim o dia se vai.

 

Contudo, nos locais-chave, onde as festanças continuam a acontecer, ninguém mostra força e educação para impedir a contínua expansão do vírus maligno que, embora não seja nas dimensões da Malária, Cólera, HIV-SIDA, Ébola, Meningite e Tuberculose, está a matar e paralisar a normalidade quotidiana e os planos de diversas famílias no mundo inteiro! 

Golpeado profundamente no seu ego, Tomás Salomão, membro da Comissão Política da Frelimo, continua inamovível. De pedra e cal como PCA do Standard Bank (SB), mesmo depois de seu único capital (o capital do lobby político) ter sido esvaziado de forma vexatória pelo Xerife do Banco de Moçambique, o governador Rogério Zandamela.

 

A suspensão do SB por um ano é uma punição gravosa que vai certamente reconfigurar a correlação de forças entre os Big Five da banca moçambicana. O SB vai perder uma boa parte da sua quota de mercado. Bancos como o BIM e o ABSA estão a receber alguma preferência dos clientes que estão a transitar do SB. 


Há pouco mais de um mês, quando foi anunciada a suspensão provisória do SB do mercado cambial interbancário (e mais tarde de todo o mercado cambial), Tomás Salomão exibiu um ar de serenidade absoluta, tentando mostrar que era capaz de inverter a situação em benefício do banco.

 

Mas não. As contravenções tinham demasiado gravosas, lesa-economia, e justificariam, para uns, as medidas de choque anunciadas pelo banco central. E, de certo modo, o Xerife, em véspera de renovação de mandato (16 de Setembro), aproveitou o cenário para cimentar seu poder político diante de uma elite frelimista sem margem de manobra: a espada das dívidas ocultas está severamente apontada em direcção às suas cabeças.

 

O endividamento oculto (incluindo as evidências sobre um famigerado “new man”) fragilizou tremendamente a capacidade de "leverage" desta elite política diante do FMI, e Zandamela sabe disso, e usa isso para demonstrar sua independência (a do banco Central, como regulador) e isso é bom para o sistema financeiro no geral. O problema é que ele fá-lo sem decoro, não medindo os efeitos secundários das suas intervenções sobre a economia e negócios. No caso vertente do SB, ele ignorou completamente o efeito perverso sobre os clientes do banco.

 

Mas, a grande lição (e este é o tópico central deste texto) que fica deste caso é o inicio do fim da promiscuidade entre política e negócio nos lugares cimeiros da banca. A prática vigente, de o capital apontar uma figura política para liderar, embora que simbolicamente, seus negócios, esperando dele uma mãozinha de proteção em caso de reconhecida improbidade, está a chegar ao fim. Basta olhar para a nóvel composição dos órgãos sociais do BCI.

 

A incapacidade demonstrada por Tomas Salomão, que não conseguiu empurrar a Comissão Política da Frelimo para uma trincheira de musculação contra Zandamela é o indicador mais paradigmático dessa transição. Não creio que os accionistas do SB segurem Salomão por mais tempo. A ver vamos... A classe política saiu severamente beliscada desta trama. E Tomás Salomão poderá acabar deixando o SB pela porta dos fundos. Ele mostrou-se completamente irrelevante lá. 

 

O único comportamento que lhe pode safar - não perante os accionistas mas perante a sociedade - é ele demitir-se de cabeça erguida, mostrando à sociedade uma ainda esperada postura de bom senso...inaugurando nesta mesma sociedade, pela primeira vez, uma postura de dignidade jamais vista em Moçambique...a postura da demissão quando chegamos ao fim da linha...(Marcelo Mosse)

terça-feira, 20 julho 2021 07:25

Cerveja dos antepassados leva-nos ao auge

Mónica Fungayi, mulher com quem tenho muitas afinidades, ligou-me às seis da manhã e disse, estou a passar Xai-Xai, e eu exclamei, a passar Xai-Xai?! Ela disse, sim, estou a passar Xai-Xai, meu caro!

 

Vinha de Maputo e eu estou em Inhambane. Fiquei uns instantes a pensar na maneira como ela conduz, segura, entretanto perigosa. Viajar ao seu lado é aceitar o suicídio, contudo a conversa e o whisky diluem todo o medo, apesar de já não termos idade para suportar a pressão, como nos tempos de juventude, quando viviamos a vida em cascata. 

 

Foi ela quem retornou e disse, vou à Tete, queres ir comigo?

 

Mas eu nunca me surpreendi com as maluquices da Mónica Fungayi, ela podia estar a falar a sério ou a brincar, dela espero tudo, é uma pessoa inesperada, está pronta a todo o momento a responder ao chamamento da liberdade, e o que mais admiro nela, é o desejo permanente de ver os outros, livres, como Bob Marley quando dizia, “deixo as pessoas que amo, livres, se voltarem é porque as conquistei, se não voltarem, é porque nunca as tive”.

 

Eu volto sempre para Mónica Fungayi porque conquistou-me, não resisto ao seu fogo feito de palavras sempre novas. Então, se for verdade que está a passar Xai-Xai a caminho de Tete, vou com ela, essa proposta é irrecusável. Irresistível, por todas as diabruras que se anteveem.

 

Chove uma chuva intermitente aqui onde estou, e por causa disso não fui fazer a minha caminhada habitual. Se não caminho, desce sobre mim o tédio, o dia fica longo, sufocante, desgastante, e esta chamada da Mónica Fungayi vem mudar meu azimute, dá-me as luzes que preciso para enfrentar o dia.

 

- Daqui a uma hora e meia estou aí, meu brada, surge et ambula!

 

Nunca tenho as malas feitas, sou um barco fundeado. O que me safa é que as minhas amarras e a âncora, estão sempre prontas a moverem-se na dança de uma nova canção temporária, não sou prisioneiro, nem de mim. Viajar com Mónica Fungayi será uma dança vertiginosa, e quem vai cantar essa canção somos nós os dois. Falaremos, na nossa paródia cíclica, do Fela Kuti, do Hugh Masekela, dos Beatles, do Ray Phiri, da Elis Regina, da Abete Masikini, do Marlon Brandon, do Francis Coppola, nossos ídolos de sempre.

 

Iremos contemplar a cordilheira de Catandica, na província de Manica. Do outro lado daqueles montes fica o Zimbabwe. Então chegará até às nossas memórias o odor de Thomas Mafume e Oliver Mtukuzi e Chiwoniso Maraire, nossos ídolos imortais. É tudo isso que me faz saltar da cama nesta manhã de chuviscos descontinuados. É a Mónica Fungayi que desenha, na minha solidão,  a aurora para dissipar pensamentos pensamentos nefastos, é ela que repete sempre, sem se cansar, essa lírica: quem te disse que estás sozinho!

 

Daqui a pouco ela vai chegar, vinda de Maputo onde vive uma vida anarquista, vem levar-me para uma viagem de 1500 km, um empreendimento que pode ser a saga dos loucos, sem previsão de chegada, pois o tempo fica por conta da nossa liberdade. Do gozo em si.

 

Enquanto Mónica Fungayi não chega, vou entregando-me à imaginação. Às lembraças de locais de Tete como  Kwatchena Ku Nhartanda, Canongola, Matundo, Nhamabira, Chimadzi, locais que bem conheço na minha vida de ex-andarilho. Não nos faltará ainda a oportunidade – quando chegarmos - de procurar um lugar onde se vende pombe (cerveja dos aantepassados da Mónica). E aí atingiremos o auge de tudo.

segunda-feira, 19 julho 2021 14:03

O triunvirato de Messumba

Três Humanistas, Três Ciências, Três Pedidos

 

Por José P. Castiano e Jorge Ferrão

 

Ninguém, no melhor dos seus sonhos, poderia imaginar que, da distante, inóspita e diminuta missão anglicana de Messumba, na igreja de S. Bartolomeu, no Niassa, três jovens tocariam os sinos da vida e seguiriam caminhos tão equidistantes, impactando nos corações de milhares de seguidores.  Depois da formação inicial, seguiram para a escola de artes e ofíciosde Massangulo. Carlos Machili virou carpinteiro; Filipe Couto, sapateiro; e Brazão Mazula, encadernador de livros.

 

Pode não ter sido a missão de Messumba que criou neles o sentido primário e ético de vocação. Todavia, o sentido, talvez superior, de “missão” foi propiciado pela forte formação teológica e filosófica que foram recebendo. Depois, partiram o Mundo, i.e., Itália para o caso de Machili, Alemanha para o padre Couto e Brasil para o Brazão Mazula, sem descurar outros universos por onde passearam sua classe e virtudes. De certa forma, esta formação superior proporcionou-lhes uma relação mais racionalizada para com as suas crenças e Fé. Daí terem assumido as suas crenças temporais com o sentido de “missão”.

 

Os alemães, pela boca de Max Weber, têm um encanto especial pelo termo “vocação”. A vocação não está, somente, ligada ao seu sentido prático e profissional, porém, e sobretudo, ao espiritual. A “missão” que cada indivíduo recebe, uma vez terminada a sua formação, se transforma num chamamento para a perfeição, honestidade e, principalmente, no sentido de um servidor do outro. Não é por acaso que, em alemão, a palavra Beruf significa profissão. O verbo beruffen significa mesmo chamamento.

 

Convocar e celebrar estes três “iluminados” de Massangulo, num mundo conturbado e em agitação plena – terrorismo em Moçambique, “free Zuma”, Bolsonaro, Ndhlavela, vitória da Itália – foi um acto proporcional e de pura nobreza. Existirão, sempre, infinitas razões para “vasculhar” as pontas que mais os uniram, e os que os dividem. O denominador comum, convenhamos, assenta nessa “trindade” oriunda de uma educação missionária de um local “esquecido”, e que transcendeu e se afirmou como referência obrigatória no panorama mundial.

 

Se estas razões forem insuficientes, teríamos, então, de apelar ao nacionalismo, ao contributo para a causa e luta de libertação nacional e, no pós-independência, ao aficando empenho na educação das novas gerações. Um “triunvirato” que continuará presente em nossas consciências, nesta e futuras gerações.

 

Esta trindade não é santa. Aliás, gerou, ao longo de anos, consensos e descensos, empatias e apatias, animosidades e hostilidade. Não obstante, se reconhece uma trajectória e um percurso, que transcendeu do reduto Niassa, perpassando o mundo, para assumir missões maiores num mundo designado Moçambique, e para uma universalidade por via de uma academia universalista. Todos eles, oriundos dessa formação teológica-filosófica, abraçaram, posteriormente, a academia moçambicana como produtores de pensamento e como gestores/reitores nas duas maiores instituições públicas e estruturantes – a Universidade Eduardo Mondlane, para os casos de Brazão Mazula e Filipe Couto; e a Universidade Pedagógica para o caso de Carlos Machili.

 

Não temos ilusões sobre os efeitos dessa caminhada na personalidade e carácter de cada um. A unicidade, aliás, teria sido nociva e perversa.  Então, quais seriam, as crenças temporais através da quais, cada um deles, enriqueceu a sua fé e personalidade?

 

 

Na sua actividade como intelectual, Brazão Mazula é um profundo crente da possibilidade de Democracia, em África, baseada no uso da “palavra” (ou do “agir comunicativo”, tomando o sentido habermasiano). Ao mesmo tempo que fazia um diálogo profundo com filósofos como Hegel, Heidegger, Eric Weil, mas, sobretudo, com Marx e Habermas, Mazula foi também incansável em buscar, nos pensadores, africanos como Mulago, Hountondji, Eboussi-Boulaga, ou seja, na “esteira académica” africana, inspiração para fundamentar uma democracia baseada no uso da palabre e na “criação da riqueza”.

 

Mazula desempenhou um papel fulcral para que as primeiras eleições democráticas tivessem lugar. Assim, tem sido ao longo da sua carreira, e nos momentos mais sensíveis e de desassossego. Pelas obras que publicou, provou sua versatilidade e capacidade de negociar, construir pontes e essa identidade democrática, que continua distante de ser a ideal, finalizada, ou mesmo a mais reconciliatória.

 

Por seu lado, Carlos Machili, na palavra e em acto, foi, e ainda é, um grande crente da ideia de que “a qualidade da educação em Moçambique, somente pode (pro)vir da quantidade”. Não é excluindo uns ou uma parte da sociedade, ou seja, apostando numa educação e formação elitista e elitária, que vai se garantir a qualidade: “uma universidade deve ser mordida por mosquitos”. Ouvimos ele, inúmeras vezes, a defender. Às vezes mesmo sozinho, no meio de muitos experts em “educação de qualidade”.

 

 

Machili, pois, é um fervoroso crente da expansão do ensino superior para todo o país. Não quis ficar refém de uma linha elitista, emergente, que contra-argumentava suas pretensões. Contra tudo e todos, foi abrindo delegações da Universidade Pedagógica, por todas províncias. O que foi específico nele é que a quantidade, a expansão, não era algo que se deveria fazer em detrimento da qualidade, daí a sua insistência, quase que de forma insurgente – e ele é mesmo um insurgente intelectual – na necessidade de uma boa formação de professores (recusou e insurgiu-se, oficialmente, contra a formação 10+1 ou 12+1, esquemas inspirados pelo Banco Mundial).

 

Por fim, o Padre Couto, talvez por ter sido sapateiro, combinando com o facto de ser fervoroso admirador de Martin Lutero, o reformista alemão, é um fervoroso crente das potencialidades da juventude moçambicana. Ele deposita fé na capacidade que a geração mais jovem tem em ser irreverente, no seu sentido positivo. Isto é, de ela própria reconhecer os desafios do seu tempo-vivido. É por isso que insiste muito, nas suas aparições públicas, na não-glorificação e não deificação de actos humanos do passado recente da historiografia de Moçambique, por mais “gloriosos” ou “heróicos” que nos pareçam e apareçam. O que interessa é o futuro e a forma como a juventude estará preparada para actos naturais neste futuro.

 

É somente a partir desta trindade de crenças, iluminadas pela fé no futuro, que podemos entender os três “pedidos” que expressaram no acto da sua homenagem na UP-Maputo: “Não matem a filosofia nas escolas moçambicanas, pois a falta dela pode ser uma das razões principais para prevalência da violência que vivemos hoje” – ouvimos Mazula a pedir, para logo acrescentar alguma ironia: “não sei dar, só sei pedir”. O Carlos Machili, igual a si mesmo, expressou da seguinte forma o seu desejo: “uma universidade que não produz dinheiro, morre” para depois acrescentar que “deixem que este dinheiro produzido, internamente, seja gerido pelos departamentos e faculdades”.

 

Por seu lado, Filipe Couto, já cego, mas atento às dinâmicas actuais, pediu à juventude para, por via da Universidade Pedagógica de Maputo, fazer um trabalho profundo na compreensão da História e da historicidade de Moçambique. Só assim é que o futuro não será uma repetição, em forma de tragédia, do passado que nos parece e aparece como sendo heróico. Nunca houve, não há e nem haverá homens infalíveis. A grandeza humana na História, só se avalia pela forma como os homens e cada um, se confrontam com as suas próprias contingências e fraquezas de momento – parecia querer dizer ao evocar as personalidades de Urias Simango, Mateus Gwendjere ou Lázaro Nkavandame. Não se tratou de acender a chama dos esqueletos, mas de proporcionar uma revisão histórica, genuína e descomprometida, mesmo considerando que alguns se tenham posicionado do lado “reaccionário” da revolução.

 

 

Resumindo, de uma coisa temos a certeza: os três humanistas que viveram as suas crenças como “missão” da vida, não foram e nem formaram uma “santa” Trindade; bem pelo contrário, tiveram as suas angústias, emoções, talvez até erros, resultantes destas suas crenças. O certo é que todos foram forjados no “Niassa”, para o mundo. (X)

Por José P. Castiano e Jorge Ferrão