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segunda-feira, 25 fevereiro 2019 06:30

Do parodial ano eleitoral

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Desde que sucumbimos ao modelito político e económico neoliberal, com o fatídico abraço aos pressupostos democráticos, como sociedade, temos sido sistematicamente “infernizados" pelo Tokoloshe do ano eleitoral, essencialmente visto como “ano sacrificial”.


Na mitologia zulu, uma pausa aos gregos, Tokoloshe é das mais perniciosas e levada das entidades, que se torna invisível ao beber alguns goles de água potável. Entre parênteses, ao contrário da magia da invisibilidade de Tokoloshe, nos tempos que correm, “almas penadas” tornam-se visíveis pura e simplesmente por ingerirem alguns goles de álcool. Ainda me pergunto se o polonês que falou de “sociedade líquida” conhecia Tokoloshe. Basicamente, Tokoloshe é invocado por uns para causar problemas a outros com as suas diatribes. Além de aterrorizar as crianças, seus poderes são extensivos a causar todo o tipo de danos e infortúnios às vítimas.


A hegemonia da democracia, como sistema político globalmente predominante, não obstante as variações internas, formas de expressão, qualidade e degenerescência, firmou-se como modelo de organização sociopolítica que assume cariz implicitamente coercitivo, na medida em que mecanismos internacionais de pressão simbólica, económica e política subsistem como camisas de força que tendem a limitar e, até, inviabilizar posturas explícitas de eventual rotura ou afastamento desse tipo de "vestimenta carnavalesca" globalmente celebrada. 


Cada vez mais, países tem tido dificuldades em distanciar-se desse modelo e veem-se na contingência de camuflar ocasionais apetites por qualquer outras formas de imposição sociopolítica. Mesmo nos casos em que o ethos democrático não está plenamente embebido como cultura política, países frágeis, como o nosso, aprenderam relativamente rápido a reconhecer o “no go zone” e a respeitar as cláusulas pétreas que garantem uma aparente legitimidade como actores colectivos com alguma dignidade para levar o selo de “democracia”. A realização de eleições, com regularidade que deve ser facilmente perceptível, persiste como epítome de exibição interna e externa de adesão ao carnaval democrático. 


No nosso caso, com ou sem quinhentas suficientes para financiar eventos eleitorais conseguimos, até aqui, cumprir com o ritual calendarizado e vamos consolidando a tradição de realizar eleições que emprestam-nos roupagens de decência para frequentar o “concerto das nações”. A criatividade com que aprendemos a fazer omeletes, com ovos que somente brotam de improváveis cartolas, devia ser digna de nota, senão de aprofundado estudo, especialmente pela habilidade e insistência com que inventamos ajustes no formato, para acomodar incomodadas facções político partidárias (no poder e fora dele). Como se não bastasse, descobrimos que o “recenseamento de raiz” é chavão suficientemente dourado para encantar os “patrocinadores” a aliviaram os cordões das bolsas. Se calhar estejamos a ser vítimas dos que acreditam que tudo tem de ser feito com base em “raízes”, literalmente, caso se queira garantir sortes e azares eleitorais. O apego aos recenseamentos de raiz só pode ser reflexo disso.Definitivamente, precisamos aprimorar, superar e avançar!


A azáfama que se instaura a cada ano em que há eleições presidenciais por aqui (em todo o lado, provavelmente) remete-me a pensar num tempo em que, à solta, Tokoloshe deambula no imaginário dos principais actores e interlocutores políticos. Ano eleitoral é ano de alerta máxima, cheio de dedos, de sensibilidades à flor da pele, de dádivas para dar e vender e até de impensáveis gestos de concessão e generosidade. O que não se concebe e nem se consegue em quatro anos, no quinto, ano eleitoral, “já consegue”! 


Em anos eleitorais, pactos de pacificação do país são revistos e ganham celeridade. Propostas e expectativas de desarmamento da Renamo são avançadas. Ex-guerrelheiros são nomeados oficias de qualquer coisa. A provisão de serviços públicos, miraculosamente, expande-se e exibe-se pujança e opulência, senão com dados consumados, pelo menos com pedras lançadas e promessas feitas. Logicamente, tudo é feito para "criar um ambiente favorável” e garantir que partidos políticos e candidatos se apresentem de “alma lavada” ao escrutínio público. “Totus tuus, santo eleitor”! 


De certa forma, ano eleitoral, é momento de deleite. Nessa ocasião, o eleitor é brindado com graciosas veleidades, gestos de humildade, beijos e abraços das mesmas gentes políticas que, ao longo do tempo, arrotam barbaridades, esquivam-se de prestar contas ou dar satisfação sobre dilemas socioeconômicos e políticos quotidianos. Em ano eleitoral, a esmola é sempre grande e, como se não bastasse, “pobre” reserva-se o direito à preguiça de desconfiar. 


Os órgãos públicos de comunicação social esmeram-se por mostrar realidades ministeriais, experiências provinciais e distritais excecionalmente iluminadas pela magia do governo incumbente, partidos e candidatos. Na sequência, fitas e tecidos se rasgam em cerimónias de inaugurações, usadas como símbolos de materialidade de princípios e ideias vagamente expressas ou discutidas ao longo de mandatos. Em tempos eleitorais, privilegiam-se os ritos inaugurais, a exaltação das coisas, objectos e presentes com os quais se seduz e “suborna” comunidades quase “(a)”políticas e eleitores que, pela força do hábito e/ou influência e pressão de pares e familiares, lealdades (a)críticas, fidelidades conscientes ou incondicionais, depositam seus votos em urnas que, no nosso caso, historicamente falando, são pródigas em vontades próprias. Nossas urnas tem o lendário hábito de inchar e vazar quando bem entendem. Até pernas criam para pular janelas, percorrer quartões e regressar para a solenidade de bênção batismal que confirma da sua liberdade, imparcialidade e justeza. Tudo que houver de coercitivo, parcial e injusto, com a cumplicidade do sistema global, é enterrado em vala comum. Em nome da paz, tranquilidade e presumíveis oportunidades de negócios!


No interregno eleitoral, o prato de sempre é servido frio! Mal discutimos visões de país ou de conjunto. Falamos de “cães que ladram e caravanas que passam”, de “empresários de sucesso”, "de “apóstolos da desgraça”, de líderes e partidos fintados", de" joelhos que não vergam pela paz", de "movimentações militares", de "cortes na linha do Save", de “atacar e incendiar tudo isto”, de "dívidas ditas soberanas", de "sequestros e abates aos que pensam em qualquer coisa", de "pernas partidas em Chiango", de "regalias para parlamentares e membros de órgãos de soberania" e, mais recentemente, de “democracia interna ou intrapartidária”, mais no espírito de disputa pela vez que qualquer outra coisa no interesse de consolidação de princípios éticos, político, de cidadania ou de pertença colectiva.


No interregno, mal falamos do nosso futuro como país, das nossas visões para os próximos decénios, de estratégias de capitalização dos recursos naturais tratados como propriedade privada e até como bem hipotecavel em negociatas particulares. Não falamos do investimento no capital humano, cultural e até filosófico. No interregno, pouco ou nada mais conta senão a manifestação de formas de reprodução de si, das alianças, cisões e estratégias para garantir proeminência e reposicionamento para o próximo pleito eleitoral, visto e cultivado como código de acesso ao poder, capital económico e algum prestígio. 


A verdadeira novidade, deste ano eleitoral, é que Tokoloshe baixou com perversa disposição de baralhar as cartas e confundir os aldeões desta nossa vila global. O malandro do Tokoloshe parece divertir-se com a transfiguração de vontades, alteração de posições e exibição de humildades estratégicas no campo político. Discursos sobre purga e purificação de fileiras veem ao de cima. Rostos pretensa e/ou verdadeiramente espantados e chocados, com as suas próprias formas de actuação e de seus pares, apresentam-se. Articuladores de soluções para "dossiers quentes" ocupam espaço de antena e exibem propostas de saídas conciliatórias que poderiam agradar zulus e xhosas e até gregos e troianos. Soluções brotam e fluem das mangas como nas jogadas de inveterados batoteiros em mesa de cartas. Todo o capital de solidariedade e cumplicidade transfronteiriço, regional e até continental é accionado para a recuperação de trofeus com potencial de conferir o privilégio de dar as cartas. Karma e aproveitamento da lei do retorno. Nem mais um navio negreiro!


Quando Tokoloshe se insinua, os "mea culpas" emergem de formas e lugares mais inusitados! Veem à ribalta com actos de contrição e invocam a ignorância aquando da tomada de decisões dolosas de proporções multigeracionais. Entre “surpresos”, “chocados”, “enganados”, “ameaçados”, “confiantes” e os que recomendam “pousar a gente séria”, constrói-se a narrativa do distanciamento, da isenção de responsabilidades, do "sacudir do capote” e do aproveitamento para o realinhamento de forças e posições num cenário clientelista de canibalização do Estado. Tais ensaios, de “fuga pra frente”, dificilmente se enquadram em noções de falibilidade humana e mais facilmente se associam à opções maquiavelicamente conscientes sobre a arte de fazer política, promover e proteger interesses clientelistas. Pois, o essencial em termos de conteúdo do dossier hoje globalmente mediatizado, não é novo. O novo são apenas alguns detalhes sórdidos que vão emergindo à medida em que a constelação de forças judiciais internacionais e nacionais vai se (des)alinhando. 


Quando Tokoloshe baixa, especialmente em ano eleitoral, fica claro que é ano do sacrifício! Dossiers engavetados, prestes a serem jogados na lama do esquecimento, mostram sinais vitais e, sistemas judiciais movimentam-se e protagonizam espetaculosos episódios de detenções de arguidos, arresto de bens (e males). Pais e filhos sacrificam-se, rearranjos intra e entre partidos são maquinados e, eventualmente, o espaço público desanuvia e uma comunicação proverbial e conciliatória, finalmente, se manifesta.


Pena que precisemos de situações liminares, como um ano eleitoral e pressões da famigerada “mão-externa” para evidenciarmos alguma consideração por nossos próprios preceitos éticos, normativos e legais. Bastante descaracterizante a mensagem que se passa, quando insinuamos que justiça, equidade e ponderação em matérias de interesse colectivo são pratos somente servidos em épocas eleitorais, quando Tokoloshe baixa para pregar sustinhos à classe política e, eventualmente, assegurar a transferência de poder entre titereiros.


Antes e depois do ano eleitoral, quando Tokoloshe tira a sesta... festa na aldeia!

Sir Motors

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