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segunda-feira, 16 setembro 2019 08:02

Maximizar o acordo de paz

Escrito por

Bayano Valy

O país testemunhou recentemente a assinatura de mais um acordo de paz entre o governo e a Renamo, numa cerimónia com toda a pompa e circunstância. Não era para menos: alguns chefes de estado africanos (antigos e actuais) estiveram presentes, altos dignatários, membros do clergo, entre outros.

 

Os textos das declarações dos principais assinantes e compromisso com a paz soavam como se escritos pelo mesmo grupo de conselheiros. Enfim... ironicamente ninguém parece ter notado que mais ao norte da Praça da Paz, há uma insurgência cujas dispersão geográfica e frequência crescem a olhos vivos. E a tinta ainda nem havia secado do papel quando um grupo dissidente da Renamo, um dos signatários, distanciou-se do acordo, ameaçando voltar às matas.

 

 

Ainda no meio dos coros de paz, uma secção de outros moçambicanos contestava o processo de negociação da paz, que foi conduzido dentro de um espírito de secretismo entre o Presidente Filipe Nyusi e o novo líder da Renamo, Ossufo Momade, o que ditou que até hoje muitos moçambicanos não saibam o que os dois discutiram.

 

Bem, a tinta já secou - por decisão ou por passividade os moçambicanos já engoliram mais um sapo. Sendo assim, o que é que todos nós podemos fazer para que o acordo assinado seja efectivo? O que é que a sociedade moçambicana pode fazer para que as condições que levaram a que acordos anteriores fossem rasgados sejam precavidas e evitadas? Como lidar com os dissidentes armados da Renamo? E, por extensão, como tratar a insurgência em Cabo Delgado? Quais os caminhos que podem ser seguidos para se romper com o ciclo de violência?

 

Não tenho respostas a nenhuma dessas perguntas. É verdade que vivemos numa sociedade cada vez mais polarizada, mas um começo seria lembrarmo-nos que estamos todos (políticos, sociedade civil, académicos, intelectuais, cidadãos pacatos, polícia, exército, clergo, entre outros) juntos neste navio, afundamos todos ou salvamo-nos todos. Portanto, há aqui duas dimensões: a individual e a colectiva. 

 

Mas como articular essas duas dimensões para o bem do país dentro de uma cultura política tóxica? Até aqui a nossa cultura política resultante da epopeia revolucionária pós-Independência e pós-Acordo Geral de Paz cega-nos ao ponto de não conseguirmos construir consensos políticos e sociais sobre o nosso passado e o nosso devir.

 

Sendo que, a nossa postura individual tanto na esfera privada como na pública confirma ou desconfirma o posicionamento da nossa tribo política. O que vale é o que o meu partido determina, esquecendo-me de que partido é uma parte de um todo. Sou eu que socializado dentro dessa cultura política reproduzo-a “ad nauseum” e rebato os argumentos do Outro não pelo seu mérito mas por virem de quem vem, e no processo perco a oportunidade de tirar o que pode ajudar-me a melhorar os meus próprios argumentos.

 

Assim, como é que me posso libertar das amarras sociais e políticas produzidas e reproduzidas por essa cultura política tóxica e de forma especificamente individual contribuir para a construção de uma paz efectiva?

 

Colectivamente, como é que podemos criar organizações políticas e sociais mais democráticas; tolerantes à opiniões contrárias e difíceis; como é que podemos produzir decisões colectivas e não decisões apenas dos chefes; como é que podemos ser mais inclusivos e mais abragentes; como é que podemos abandonar o autismo político e termos uma maior empatia em relação às preocupações dos cidadãos; e acima de tudo, como é que podemos ser humildes para entendermos que a nossa visão do país é apenas mais uma dentre as várias que pretendem o melhor para Moçambique.

 

Como seres humanos destacamo-nos dos outros seres pela nossa capacidade comunicativa, isto é, usamos a língua para expressarmos os nossos sentimentos e pensamentos. Ora, o acordo trouxe mais uma expressão para o léxico político nacional: DDR (Desarmar, Desmobilizar e Reintegrar). Provavelmente a nação pede a cada um de nós DDRizar a linguagem que usa tanto na esfera privada como pública. Não é por acaso que o celebrado escritor George Orwell argumentou no “Politics and the English Language” que: “Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem pode corromper o pensamento.” Isto quer dizer que o pensamento e a linguagem são gémeos, de forma que se descuidarmo-nos da saúde de um dos gémeos, sobrecarregaremos o outro.

 

O acordo só poderá ganhar vida se tivermos cuidado com a língua. Podemos começar por olhar para como definimo-nos uns aos outros. Os outros são bandidos armados? Os outros são ladrões e corruptos? Os outros estão à mando de interesses externos? Há outras perguntas que nos podemos fazer, e reconheço que é difícil fugirmos das etiquetas, divisões, etc. mas temos que fazer um esforço se quisermos DDRizar a nossa linguagem política.

 

 Não estou a sugerir que esqueçamos os horrores do passado. Esses são factos históricos. Pelo contrário, devem estar presentes no nosso quotodiano de modo a nunca mais nos esquecermos deles, mas temos que calibrar a nossa linguagem justamente por causa deles. É que se não formos cautelosos podemos voltarmos a nos ver envolvidos em mais horrores no futuro.

 

É por isso e mais questões que devem ser expurgados da nossa cultura política que devemos reflectir sobre cada um de nós pode fazer para acarinhar, já agora, a paz, e sobre como cada organização política e social pode se reformar e se democratizar. Caso contrário, o acordo apenas vai valer o papel onde foi assinado.

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