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quarta-feira, 12 agosto 2020 07:10

Uma cobra na varanda

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Com o busto debruçado no parapeito de sua varanda no sexto andar, dona Mafalda vestia uma blusa de linho com alças e uma capulana amarrada à cintura cobria-lhe a parte inferior, toda esta vestimenta era por conta do calor tropical que assaltava a cidade.

 

Da sua varanda ia caçando uma aragem que não passava enquanto divisava um e outro quadro do filme que a cidade transmitia, carros atolados no asfalto ensopado ou com os capões abertos  e  radiadores fumegantes, meninas seminuas, sombreiros tentando amortecer os raios solares e proteger seus proprietários.

 

Olhava ali, via acolá, observava este e aquele entrosando-se com o dia soalheiro esperando que a temperatura logo amainasse.

 

De relance viu, não acreditou, socorreu-se dos binóculos que guardava na cabeceira e direccionou para a varanda do andar inferior  direito, regulou a focagem e viu, o ser que observava  movimentou-se. Continuou com os olhos arregalados colados aos binóculos, enrugou mais a testa envelhecida e segurou firme com as mãos caquéticas os binóculos até ter a certeza do que mirava.

 

-Mamanouu! – gritou ela buscando socorro.

 

Largou os binóculos que caíram para o chão da varanda.

 

- Carlos, Carlos – gritou pelo empregado doméstico que prontamente chegou, este levou os binóculos e deu a sua mirada para o ponto que a dona Mafalda indicava.

 

Depois de uma breve e atenta observação rematou convicto:

 

- É uma cobra grande sinhora . – conferiu – Muito grande mesmo. – Enfatizou assustado.

 

Despoletou-se um alarido doméstico comandado pela dona Mafalda e coadjuvado por Carlos que se alastrou pela vizinhança. Moradores mais próximos acudiram aos gritos e logo tomaram conhecimento da existência do inquilino reptil que se refrescava na varanda da casa de Susana.

 

Um rebuliço arrebatava o prédio e alguns moradores curiosos testemunharam a presença do animal na varada do quinto andar do apartamento ocupado pela dona Susana e sua filhota.

 

O mais prestativo dos moradores do prédio Monte & Silva, localizado na avenida 24 de Julho em Maputo, tratou logo de usar o seu telemóvel e fazer uma chamada para os serviços de bombeiros.

 

Os demais desceram e reuniram-se no átrio principal de acesso ao prédio e iniciaram pequenas conferências protagonizado pelos mais loquazes que especulavam sobre o aparecimento do animal.

 

O bulício ficou momentaneamente suspenso quando a sirene dos serviços dos bombeiros se fez ouvir.

 

Os bombeiros acompanhados de um especialista veterinário fizeram-se prontamente ao local onde o bicho se encontrava, procuram a todo o custo imobilizar e capturar o animal, mas sem sucesso, acabaram por abatê-la.

 

Silvino sentiu o segundo baque sacudir-lhe o peito com a chamada que Susana acabara de fazer a propósito do sucedido, o primeiro sentira horas antes.

 

- Arrumas todas tuas coisas e vai para a casa da tua mãe. – afirmou autoritário Silvino, o seu parceiro.

 

Susana era a segunda mulher de Silvino, que a sua esposa desconhecia e ele muitas vezes simulava viagens de trabalho para juntos alcovitarem-se no apartamento que alugara para ela. Já tinham uma filha de cinco anos.

 

Dias depois todos os pertences de Susana foram-na entregues e o apartamento abandonado por completo.

 

Ela continuava estupefacta e abalada com o sucedido. Vino, como ela tratava o seu parceiro, deixou de dar sinal nem sequer respondia as suas chamadas telefónicas.

 

Silvino, empresário bem-sucedido da praça, procurava efectuar este e aquele negócio, mas já não era bem-sucedido. Em uma semana os prejuízos acumulados eram na ordem de milhões, teve que se desfazer de alguns bens para suprir despesas pontuais.

 

A sua depreciação social era já comentada em círculos que ele já não frequentava.

 

Depois de uma certa ponderação e reflexão, ele decidiu conferenciar telefonicamente com o seu guia espiritual e fornecedor da cobra.

 

“ Mataram Ansuane” – alertou Silvino

 

“Já sabia” – conferiu relaxado o inhamessoro. – “Sabes das consequências para voltares aos negócios” – afirmou sereno o homem de contactos sobrenaturais.

 

Vinculado pela vontade arrebatadora de recuperar seu estatuto social, Silvino vingou o seu desejo e rumou para a terra do macangueiro.

 

Embarcou num machibombo, depois outro, saindo do sul para o norte do país, chegou finalmente ao destino levado por uma táxi-mota, era já meio da tarde.

 

No quintal da casa do inhamessoro, uma galinha debicava o chão duro, um bezerro chuchava o seio da progenitora, um galo cantou, Silvino encaminhou-se ao encontro de uma mulher que se abeirava do fogo e mexia uma panela de barro.

 

“Ele saiu, mas disse para esperar” – conferiu a mulher, oferendo uma cadeira de palha.

 

Tempos depois a mulher chegou oferendo uma toalha e indicando-o a casa de banho.

 

“Pode ir tomar banho” – rematou humildemente.

 

O sol já se tinha posto quando finalmente o dono da casa chegou, cumprimentou o hóspede e desenvolveram um breve paleio informal. Depois este retirou-se para a cabana dos espíritos onde efectuava os rituais.  Uma hora se passou quando Silvino foi convidado a preparar-se para entrar.

 

O inhamessoro estava indumentado a preceito, uma batina de pele de zebra, uma tiara de pele de crocodilo reluzia na sua testa, um grande colar de missangas abraçava-lhe o pescoço.

 

Quando o cliente entrou encontrou-o sentada na esteira, este mandou tirar a capulana que envolvia seu corpo, ficando Silvino completamente nu. Espargiu-lhe com uma mistura usando um objecto feita na base da cauda de um animal.

 

Uma hora passou-se entre contactos com falas mediúnicas e interpretações de ossículos e conchas que terminaram com psicografia com os ditos que Silvino devia seguir. A noite já se adentrava quando o ritual terminou.

 

“ Vais tomar um banho com esta mistura, e depois dormiras aqui nesta cabana” – conferiu por fim o feiticeiro, dando por terminada o ritual.

 

Já alvorecia quando o galo quebrou o silêncio, uma brisa matinal oferecia frescura e a cacimba afrouxava a visibilidade.

 

“O táxi já chegou para te levar à paragem, nesta sacola esta o irmão mais novo de “Ansuane””

 

Ainda meio ensonado Silvino recebeu a encomenda e tratou imediatamente de se preparar para empreender a viagem de regresso.

 

“Muito obrigado” – afirmou Silvino subindo para o táxi-mota. Não esperou muito para embarcar num autocarro ido de Nampula com destino à Maputo.

 

Já acomodado no seu assento deu uma vista ao telemóvel e descobriu que estava sem cobertura, logo que se restabeleceu a transmissão com a torre celular, mensagens foram entrando com destaque para a sms de Susana com o seguinte teor “liga urgente” por isso Silvino tratou logo de ligar.

 

“ Olá tudo bem?” – questionou ele enaltecendo o timbre de voz para superar o som do motor do machibombo.

 

Ela demorou a responder, soluçou antes de prantear profusamente e quando reuniu forças disse:

 

“Per, per, demos nossa menina, é é ela se foi” – gaguejou sofridamente

 

“Tens que ser muito forte Susana” – rematou ele solidário e logo depois o contacto com a torre voltou a perde-se.

 

Quando entraram nas redondezas da vila da Massinga, o telemóvel voltou a readquirir o sinal e então outras mensagens entram com destaque para uma que dizia:

 

“ Podemos fechar aquele negócio”

 

Sorriu e olhou para o saco que o “inhamessoro” o havia entregue, este remexeu-se momentaneamente.

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