Director: Marcelo Mosse

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O Director da Chatham House, Alex Vines, advertiu que a insegurança no norte de Moçambique parece favorecer a presença de empresas de segurança privada na região, mas apelou às companhias petrolíferas e ao Governo para evitar o uso de mercenários. “Há claramente um papel para a segurança privada [na região de Cabo Delgado], não tenho dúvidas, mas o tipo de propostas que Erik Prince tem feito certamente não é apropriado para a situação, apesar do forte lobby que ele e vários dos seus consultores têm feito”, disse Vines, falando à Lusa.

 

 Erik Prince, fundador da Blackwater Security, uma empresa de segurança privada conhecida pelas suas actividades no Iraque, e presidente do Frontier Services Group (FSG), rubricou um acordo de parceria em Dezembro de 2017 envolvendo uma das empresas estatais moçambicanas ligadas à ocultação da Ematum, escândalo da dívida.

 

 O mesmo empresário também esteve nos holofotes dos media, em Maio do ano passado, por supostamente ter selado um entendimento de parceria avaliado em 750 milhões de USD entre uma das suas empresas - a Lancaster 6 Group, sediada em Dubai - e a Proindicus, outra companhia moçambicana envolvida no escândalo da dívida oculta, criando uma empresa chamada Pro6 e projectada para oferecer serviços de segurança na região.

 

 “A luta contra a seita militante que está a operar em Cabo Delgado requer uma abordagem muito mais subtil do que a que Prince está a tentar fazer”, diz Vines. “Prince é apenas uma das muitas pessoas que ofereceram consultoria e aconselhamento ao Governo moçambicano. Mas se o Executivo moçambicano quiser avançar para empresas de segurança privada, acho que elas devem ser escolhidas com muito cuidado ”.

 

Vines também sublinha que “aconteça o que acontecer, é também necessário que estas empresas de segurança privada trabalhem em colaboração com o exército e as forças de segurança moçambicanas”. Utilizar apenas empresas de segurança “não resolverá o problema. Qualquer resposta [satisfatória] à questão da segurança em Cabo Delgado implica o envolvimento do Estado numa relação muito mais subtil com a população, incluindo uma dimensão de desenvolvimento social”, afirma.

 

No início deste mês, Vines organizou uma reunião na Chatham House, na qual participaram especialistas e representantes de companhias de petróleo que se preparam para iniciar a extracção de gás liquefeito na região. Recusou-se a comentar as preocupações ou intenções das empresas petrolíferas com interesses na zona - Anadarko, Exxon Mobil, Eni, Galp, etc, alegando que a reunião era confidencial. (Carta)

quarta-feira, 23 janeiro 2019 07:11

Taxa de circulação nocturna em Palma: 50 Mts

Em Palma, lá no norte de Moçambique, onde se projecta um Eldorado de gás cada vez mais longínquo por causa dos ataques de uma insurgência cujo mandante se desconhece, há um recolher obrigatório. A partir das 21 horas, ninguém pode circular ou ensaiar uma cavaqueira nas barracas junto às “mangueiras”. Nessa hora, militares armados até aos dentes, caras sisudas mergulhadas em seu feitio castrense, marcam o compasso da noite na vila e arrabaldes.

 

Quem ousar arrastar-se por entre seus carreiros e atalhos arenosos, arrisca-se a um insondável encontro com os militares, que há mais de 4 meses estabeleceram como que um passe de circulação noturna: 50,00 Mts. Quem for encontrado a circular nas ruas de Palma de noite ou paga ou leva. Pagar custa 50,00 Mts por cada vez. Levar envolve dar o rabo para umas violentas cacetadas. Chambocadas na linguagem corriqueira. Para os militares, 50.00 Mts servem de empurrão: compram cigarros e bebidas em momentos de lazer, poucos. É a extorsão pura e simples, chantagem desenfreada, agora com ameaça de agressão física.

 

O ambiente em Palma ainda não se assemelha ao de uma vila dominada pelo cheiro à pólvora. Os atacantes ainda não chegaram ao seu centro, mas há o receio de que a qualquer momento eles vão entrar, irrompendo na calada da noite quando menos se espera. Nos palmenses, lê-se em seus semblantes gestos de revolta e interrogação. Porquê nós? Não fosse o gás e tudo estava na mesma. Habituados a viver em sua pobreza franciscana, eles exultavam com a descoberta do gás, mas agora se consideram amaldiçoados. Mesmo antes da exploração, já são vitimas. 

 

Há duas semanas, a vila encheu-se de refugiados de zonas circunvizinhas que foram la pernoitar fugindo aos insurgentes. Na semana passada, depois de uma viatura ter sido incendiada há cerca de 30 Km, perto de desvio de Pundanhar, os palmenses se rebelaram nas ruas e, numa aglomeração nas “mangueiras”, exigiram que os projectos de exploração de gás fossem interrompidos. O cheiro da carnificina começava a exalar nas proximidades.

 

Desde que a insurgência eclodiu em Outubro de 2017 até cerca de um mês atrás, Palma e suas redondezas mais próximas eram ainda uma ilha. A insurgência se alojara em Macomia, Mocímboa e Nangade, teatros horríficos de aldeias incendiadas e gentes decapitadas. Há cerca de 3 semanas, quando o exército governamental reforçou a região de companhias fortemente armadas dando, através do Ministro da Defesa Atanásio Mtumuke, uma perspectiva optimista que indicava para contenção da insurgência, os atacantes agudizaram sua táctica de terror. Começaram a incendiar viaturas. E sinalizaram que Palma (e o gás) era mesmo o seu alvo de preferencial, o troféu derradeiro de um terrorismo sem causa aparente.

 

Esta semana, o ataque a Maganja, reportado em primeira mão na “Carta de Moçambique”, foi o primeiro golpe direto sobre os empreendimentos do gás. O terrorismo nas rodovias de acesso à Palma já havia plantado receios a quem se habituara a viajar de Pemba para lá por estrada. Mas Maganja foi um golpe fecundo. A 4 km de Quitupo, onde se ergue a vila de reassentamento para os deslocados de Afungi, a aldeia acordou sinistra no dia seguinte à incursão na noite de domingo. 

 

O impacto em Quitupo também foi visível. Na segunda, centenas de trabalhadores da construtora CMC, que ergue as casas para os descolados de Afungi, foram dispensados. Ninguém trabalhou. O próprio “compound” da Anadarko, guarnecido por uma tropa altamente equipada, esteve encerrado. Em Quitupo houve manifestação popular. Em Palma, os palmenses também repetiram sua reivindicação: que se encerre os projectos do gás, a causa de toda a maldição, como alegam.

 

Ontem, terça feira, os ânimos estavam acalmados. As populações de Maganja e nas regiões junto de Palma, retomaram o quotidiano mas agora sempre com o coração na mão. A vida normalizou, mas nem tanto. O perigo espreita. Os trabalhos nas obras de Quitupo estavam ontem a meio gás. Em Maganja, o número de militares aumentou. Mas também a frequência de voos dos helicópteros que transportam os expatriados da Anadarko de Palma para Afungi. 

 

O ronco dos pássaros gigantes é agora ouvido durante todo o dia, mostrando que os cuidados com segurança por parte das multinacionais estão a ser reforçados nos últimos meses e à medida que a insurgência deu indicações claras de que seu alvo era o gás. “Carta” sabe que o impacto dos ataques sobre as regiões de Palma pode fazer atrasar a exploração. 

 

A conjunção dos ataques, do terramoto político com a prisão de Manuel Chang e um ano eleitoral com indícios de turbulência política e social, pode levar a que a Anadarko e a Exxon Mobil adiem respectivamente a sua Decisão Final de Investimento e o seu Plano de Desenvolvimento para o próximo ano. O que seria um grande golpe nas expectativas do Governo e nas aspirações dos moçambicanos. (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 21 janeiro 2019 08:18

Ataque a 7 km do acampamento da Anadarko em Afungi

Definitivamente, os insurgentes não arredam pé e caminham a passos largos para o centro da exploração de gás natural em Afungi, Palma, onde a Anadarko tem um acampamento. Ontem por volta das 22 horas, os atacantes entraram, pela costa, na aldeia de Maganja, que dista 4 km de Quitupo e 7 do acampamento da Anadarko, matando duas pessoas, incendiado 4 casas e algumas barracas de comércio.  Um dos mortos é uma conhecido comerciante local. 

 

Desconhece-se o número que compunha o grupo. “Foi tudo muito rápido”, disse um morador de Maganja, que conseguiu fugir. Ele contou que os insurgentes tentaram incendiar o posto de Saúde local, mas em vão. Outras duas fontes com quem falamos em Palma estranharam a falta de reação imediata das Forças de Defesa e Segurança, que têm um posto avançado em Quitupo. “Os militares só chegarem a Maganja esta manhã, disse a fonte. Maganja é a aldeia mais próxima de Afungi atacada, desde que a insurgência iniciou em Cabo Delgado em Outubro de 2017. 

 

Quitupo é a aldeia onde está a ser construída uma vila para onde vão ser transferidos os residentes de Afungi. O ataque de ontem foi ouvido perto acampamento da Anadarko, onde há um batalhão do exército estacionado com carros blindados e homens armados até aos dentes. Estes homens têm instruções para apenas protegerem os acampamentos das empresas multinacionais. (Carta)

Responsável, íntegro, idóneo e simpático é como os familiares e amigos do jornalista Amade Abubacar o caracterizam. No bairro de Changane, em Macomia, as pessoas lamentam a sua detenção e a cada dia que passa a indignação aumenta, principalmente por não acreditarem no crime que lhe é imputado agora, depois de ter sido detido ilegalmente num quartel militar a 5 de Janeiro último. Estão decorridos, portanto, 12 dias desde que ele se viu privado da liberdade. 

 

Em entrevista à “Carta”, Ali Abubacar, irmão mais novo, suspeita que a detenção de Amade tem outras motivações, dentre elas silenciá-lo, por ser um jornalista comprometido com a verdade e nada mais. “A família está desesperada e inconsolável. Os filhos vivem momentos difíceis porque não sabem onde se encontra o pai”.  Refira-se que a Procuradoria Provincial de Cabo Delgado já se dignou, finalmente, a reagir ao caso, tendo já remetido o processo (ontem) ao Tribunal Distrital de Macomia. O profissional de comunicação social é acusado de instigar publicamente ao crime, usando meios informáticos. Segundo alguns juristas, esta posição do Ministério Público visa somente branquear as reais causas da detenção de Amade Abubacar, que já foi transferido para o Comando Policial de Mueda. Sabe-se, no entanto, que nos próximos dias voltará a Macomia para responder perante um juiz.

 

 Tido como excelente profissional e chefe de família exemplar (ele é pai de quatro filhos), Amade nasceu a 10 de Julho de 1987, no Posto Administrativo de Nambo, no distrito de Macomia, em Cabo Delgado. Ali iniciou os seus estudos primários. 

 

Na Escola Secundária e Pré-Universitária Mari-Mari General Pedro, fez o ensino secundário. Ao que nos constou, é candidato a concurso com vista ao seu ingresso no ensino superior, em que pretende seguir Relações Públicas e Marketing. Segundo filho de Abubacar Artur e Amina Anli, tem sete irmãos e é actualmente quem vela por toda a família. (Omardine Omar)

Palma, em Cabo Delgado, acordou esta manhã com um barulhento tiroteio no centro da vila. Militares continuavam a tentar impedir que os residentes prosseguissem uma manifestação iniciada no fim da tarde de ontem, exigindo a “suspensão” das actividades ligadas à exploração de gás natural em Afungi. Segundo fontes de “Carta”, cerca de duzentas pessoas concentraram-se na tarde de ontem nas “mangueiras”, no centro da zona de cimento, num lugar geralmente usado para comícios de entidades governamentais. O motivo da "manif" era único: os residentes de Palma dizem-se cansados de viver às escondidas e de verem seus parentes mortos na encruzilhada da insurgência.

 

As palavras de ordem, geralmente proferidas em Kiswahile, Kimwani e Emakwa, apontavam numa única direcção: os projectos de exploração de gás têm de ser suspensos até que a situação se normalize. Os manifestantes alegam que as autoridades não estão a demonstrar capacidade para interromper os ataques dos insurgentes. A concentração nas “mangueiras” começara perto das 17 horas. O destinatário directo das mensagens era o novo administrador de Palma, Valigy Tuaubo, empossado na semana passada. Ele não estava no local.

 

Horas depois, por volta da meia noite, Palma foi de novo palco de tiroteios, um pouco por toda a vila. Residentes que falaram à “Carta” esta manhã disseram que os tiros eram disparados por militares com o objectivo de dispersar os manifestantes, que não arredavam o pé do local. Depois desses eventos, a vila adormeceu, mas com a tensão no ar. Esta manhã, por volta das 7 horas, militares, que já povoavam as principais artérias de Palma, voltaram a disparar fortemente para o ar.

 

Os tiros foram ouvidos nos acampamentos da ENI em Palma.  Esta manhã, na vila instalou-se uma espécie de recolher obrigatório. “Todo o mundo está em casa”, disse-nos Rajabo Issufo, um comerciante informal. Ninguém foi trabalhar e os transportes não funcionam. Palma acordou deserta, vislumbrando-se militares aqui e acolá. Mas os populares estão a tentar regressar ao local da concentração de ontem, agora sob a ameaça de tiros.

 

O antecedente imediato da manifestação foi um ataque dos insurgentes a uma viatura de transporte semi-colectivo de 15 lugares, ontem por volta das 12 horas, numa estrada secundária que liga Olumbi à região costeira de Muti, que dista a 30 km de Palma. Do ataque resultou a morte das 15 pessoas. Algumas perderam a vida no local e outras num hospital de Palma. A viatura foi incendiada. Entre os mortos encontram-se residentes de Palma.

 

O ataque à uma viatura civil foi o segundo em duas semanas e confirma uma nova tendência: a implantação do terror nas vias rodoviárias. O ataque de ontem aconteceu a escassos km da estrada que liga Pemba e Palma na região de Olumbi. Nas últimas duas semanas, o Ministério da Defesa despachou para Cabo Delgado várias companhias do exército na perspectiva de conter o alastramento dos ataques a aldeias em quase todos os distritos nortenhos da província. Mas, ao mesmo tempo que isso acontecia, os insurgentes recrudesceram as suas acções e aproximaram-se mais de Palma, num ano em que se espera que a Anadarko tome a sua Decisão Final de Investimento e a Exxon Mobil aprove seu Plano de Desenvolvimento (o qual teve recentemente um volte-face em Dezembro, ao ser chumbado pelo Instituto Nacional de Petróleo). Em Palma nesta manhã de segunda-feira, os populares não desarmam. Querem levantar alto sua voz de insatisfação.(Marcelo Mosse)

Na quinta, sexta e sábado passados, os distritos de Palma e Mocímboa da Praia voltaram a sofrer acções da insurgência. Cinco mortos é o número de vítimas de dois ataques ocorridos nos dois distritos. O primeiro aconteceu num arrozal de Nailwa, a 5 km da residência do novo Administrador do Distrito de Palma, Valige Tuaubo.  Tudo começou quando um casal de camponeses foi surpreendido pelos insurgentes. O homem foi esquartejado em cinco partes e a mulher poupada. Devido a este acto macabro, a população dos povoados de Bagala, Kiwia, Maconco e Mbwizi, no distrito de Palma, passou parte da noite de quinta-feira caminhando para a vila de Palma em busca de protecção. 

 

Alguns deslocados pernoitaram nas ruas e debaixo de árvores. O corpo do homem esquartejado em Nailwa foi encontrado por militares que se deslocaram ao local após denúncia de populares. Segundo contaram fontes à “Carta”, os insurgentes exigem que a população saia das zonas onde actuam, alegando que são “libertadas”. Outro ataque aconteceu na madrugada de sexta-feira em Mocímboa da Praia, na aldeia de Manilha, a 15 km da vila-sede, onde, segundo relatos de populares, quatro pessoas foram mortas e outras quatro feridas, encontrando-se a receber cuidados médicos no Hospital. A situação que se vive em Manilha é de terror, contaram-nos.

 

Entretanto, no sábado quatro insurgentes foram capturados pela Unidade de Intervenção Rápida (UIR) quando se dirigiam à aldeia de Manguna. A denúncia veio de uma cidadã, que terá sido interpelada pelo grupo na zona de produção Quipuide-Mipama. Ela conseguiu fugir e denunciou às autoridades, que se deslocaram àquele local e capturaram o grupo. Refira-se que o local da detenção situa-se a 10 km da Vila-Sede de Palma e, segundo apuramos, os homens capturados estão a colaborar com as autoridades no intuito de indicaram os locais onde os outros se encontram. (Omardine Omar)

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