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quinta-feira, 25 abril 2019 08:34

E ninguém discute a recuperação de activos?

Ontem, na Assembleia da República (AR), os deputados da Frelimo bateram palmas ao informe da Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, mas nenhum tocou o dedo na ferida. Uma das lamentações de Beatriz Buchili é a ausência de um quadro legal apropriado para a recuperação de activos gerados na corrupção. Se o regime estivesse mesmo interessado na melhoria da resposta penal à corrupção, mas uma resposta que fosse para lá da aplicação de penas de prisão e incorporasse o confisco legal de bens, esse quadro legal já estaria a ser debatido na AR.

 

Mas ontem Beatriz Buchili tocou nessa ausência de legislação apropriada e todas as bancadas da AR assobiaram para o ar. Ninguém parece estar interessado em discutir construtivamente uma reforma anti-corrupção a sério. O debate está excessivamente politizado.

 

Ao insistir na recuperação de activos, Buchili coloca acento tónico onde deve ser. Veja-se a limitada taxa de recuperação potencial dos activos gerados das “dívidas ocultas” consoante o processo contra os primeiros 20 arguidos: apenas 3% do total do endividamento ilegal. Claramente, nossa justiça não tem meios legais nem técnicos para fazer mais, embora haja quem prefira torcer o nariz e conjeturar que só não se elenca mais bens porque não há vontade política. Nos bares e cafés, todo o mundo sabe que aquele é o prédio de fulano, adquirido com dinheiro do calote; que naquele edifício fulano, beltrano e sicrana compraram apartamentos de luxo com dinheiro do calote; que João tem uns tantos “ranges rovers” e Alberto está cheio de casas na grande Lisboa. Mas como fazer o “tracking” e confiscar esses bens?, eis o dilema.

 

Qualquer que seja a situação, uma verdade deve ser dita. O quadro legal deve melhorar, mas para isso é preciso derrubarmos um tabu herdado da cultura jurídica de viés latino: nossa aversão à inversão do ónus da prova. Já chega! Em matéria de combate a corrupção, esse tabu deve ser quebrado. Moçambique precisa de ter a coragem de legislar a favor do confisco administrativo de bens, em casos onde existem evidências de enriquecimentoilícito.

 

A instauração de auditorias ao estilo de vida das eminências pardas e dos lobistas dominando o “procurement” nos ministérios devia ser também estabelecida. Há na sociedade moçambicana muita exibição de riqueza gerada na corrupção mas o nosso Direito impede que as autoridades interroguem os portadores dessa abastança para apurar se ela foi acumulada lícita ou ilicitamente.

 

Haaa!!! Não podemos inverter o ónus da prova! E continuamos na mesma inércia.

 

Actualmente, assistimos a uma catadupa de confisco de bens cuja legalidade é contestada pela maioria dos causídicos. Mas a PGR lamenta e ninguém acusa o toque. Elogiamos um pretenso combate a corrupção mas nada fazemos para alavancar melhor a luta de quem está no terreno. É a dolorosa a irrelevância do nosso parlamento. (Carta)

terça-feira, 23 abril 2019 10:20

Amade Abubacar foi libertado hoje

Finalmente, o jornalista Amade Abubacar, correspondente de “Carta de Moçambique” em Cabo Delgado foi solto esta manhã. Também foi solto o jornalista Germano Daniel Adriano, da Rádio e Televisão de Macomia. Ambos foram restituídos à liberdade sob termo de identidade e residência. Numa Nota de Imprensa, o MISA Moçambique diz que a libertação dos dois escribas segue-se a “uma longa batalha jurídica que tem vindo a travar sobre este processo, acompanhado de várias acções de advocacia empreendidas por organizações nacionais e internacionais”.

 

Os dois jornalistas só vieram a ser acusados formalmente no passado dia 16 de Abril de 2019. De acordo com o MISA, para o caso de Germano, a acusação foi feita violando o prazo de 90 dias previsto pela Lei para a Prisão Preventiva.

 

O MISA realça que o despacho da acusação, a 16 de Abril de 2019, os dois jornalistas são acusados de “difundir mensagens desabonatórias contra os membros das Forças Armadas de Defesa de Moçambique – FADM, através de conta do facebook que anunciava ataques que ocorriam nas aldeias do distrito de Macomia”, tendo como editor Germano de Sousa. Aparentemente, já não são acusados de violação de segredo do Estado. Amade Abubacar e Germano Adriano irão responder às acusações do Ministério Público em liberdade. Amade Abubacar é correspondente de “Carta de Moçambique” desde a primeira hora. Quando foi detido, a 5 de Janeiro em Macomia, ele estava ao serviço deste jornal. (Carta)

Um leitor amigo aceitou partilhar esta sua reflexão com a Carta de Moçambique:

 

A história pode ser lida na Carta de Moçambique, em

São cinco os indivíduos que desde 17 de Dezembro de 2018 respondem pelo processo nº 356/2/P/2018, de que fazia parte o malogrado empresário Andrew Hannekom, cidadão da África do Sul. Daquele grupo, o informe que será apresentado brevemente em Maputo pela Procuradoria-Geral da República (PGR) faz referência a dois moçambicanos e idêntico número de tanzanianos. Por ter perdido a vida, o sul-africano Hannekom foi ‘extinto’ do processo.

 

Os indivíduos em causa são acusados pelo Ministério Público (MP) da prática de homicídio qualificado, porte de armas proibidas, associação para delinquir, instigação ou provocação à desobediência colectiva, ordem e tranquilidade públicas, mercenarismo, terrorismo e contra a organização do Estado.

 

A jornalista Marta Afonso, da “Carta”, está ser alvo de ameaças. Há duas semanas, “Carta” recebeu uma denúncia documentada de má gestão no Instituto Superior de Contabilidade e Auditoria de Moçambique (ISCAM). Marta foi indicada para apurar a veracidade das alegações, recolher evidências e confrontar os visados. Esse trabalho está a ser feito. Entretanto, nos últimos dias, e depois de um levantamento de material no ISCAM, Marta Afonso começou a ser assediada para não publicar a história. Um dos responsáveis do ISCAM visado na matéria tentou, por várias vezes, desaconselhá-la a publicar a reportagem. Marta Afonso partilhou esses detalhes na redacção.

 

Na terça-feira (16), ela foi contactada por um jornalista de um conhecido jornal da praça, com o mesmo pedido: não dar relevância a matéria. Marta Afonso a todos respondeu que não lhe cabia tomar decisões editoriais. E ontem à noite começou a receber chamadas anónimas de duas mulheres. Uma delas disse-lhe que antes de publicar a história, ela devia pensar bem no que queria da profissão; a segunda disse que Marta devia encontrar-se com ela esta manhã antes de publicar o texto, caso não iria arrepender-se.

 

O Conselho da Redacção de “Carta” reuniu-se esta manhã e tomou as seguintes decisões:

 

  •          Denunciar publicamente estas ameaças;
  •          Meter queixa na PGR contra desconhecidos;
  •          Publicar a matéria em causa logo que o processo editorial esteja concluído, dando o devido destaque.

Por último, uma mensagem a quem quiser intrometer-se no nosso trabalho: “Carta” é um jornal sem medo e que não cederá a pressões desta ou doutra natureza e o responsável último do seu jornalismo não são os seus repórteres, mas o seu director Marcelo Mosse. É a ele a quem devem visar.

 

 Maputo, 18 de Abril 2019

 

Carta de Moçambique

A Procuradoria-Geral da República ao nível de Cabo Delgado já deduziu a acusação contra os jornalistas Amade Abubacar e Germano Adriano, ambos detidos a reportar atrocidades naquela província. Tal acusação foi submetida ao Tribunal de Macomia.  O Misa-Moçambique, instituto que monitora a imprensa, diz que ainda não teve acesso ao seu teor, mas o seu presidente, Fernando Gonçalves, diz que a sua instituição está preparada para continuar a defender o jornalista. "Se o Ministério Público decidiu avançar com o processo entendendo que há elementos de prova que indiciaram Amade Abubacar no cometimento do crime de que é acusado, nós estamos preparados para providenciar a melhor defesa que nos será possível dar", disse Gonçalves. Gonçalves recordou que este processo está repleto de vários atropelos. "Amade Abubacar foi detido, no dia 5 de Janeiro e pela Lei Moçambicana 48 horas depois de já teria sido apresentado a um juiz de instrução o que então veio a acontecer”. Por outro lado, Gonçalves repudia o facto de Abubacar ter sido “encaminhado para um quartel militar em Mueda”. Várias organizações nacionais e estrangeiras têm solicitado a intervenção das autoridades para a libertação dos dos jornalistas.(VOA)

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