O Governo deu há dias um passo crucial para o estabelecimento do Fundo Soberano de Moçambique, com a aprovação da Proposta de Lei que cria a instituição. Contudo, vem tarde, pois tinha de ser criado antes do arranque da exploração de gás natural na Área 4 da Bacia do Rovuma pela Eni e parceiros.
Minutos após a aprovação, o porta-voz da 41ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros, Filimão Suaze, explicou que a proposta de Lei visa assegurar que as receitas provenientes da exploração de petróleo estimulem o desenvolvimento social e económico do país, através da maximização dos ganhos para a economia nacional, bem como garantir que essas receitas constituam fonte de estabilização do Orçamento do Estado e contribuam para a geração de poupança e riqueza.
O Fundo Soberano foi oficialmente projectado em 27 de Março de 2019, dia em que o Presidente da República, Filipe Nyusi, lançou o debate sobre a criação da instituição num seminário organizado pelo Banco de Moçambique, em parceria com o Fundo Monetário Internacional. Mas três anos depois, a instituição ainda não saiu do papel, apesar de o gás natural já estar a gerar receitas com a sua comercialização.
Após o lançamento do debate pelo Chefe de Estado, o Banco de Moçambique, organizações não-governamentais e público em geral agiram conforme, tendo a imprensa, inclusive, contribuído grandemente para ecoar as diferentes ideias que eram apresentadas. Houve até apoio externo para o efeito. É o caso dos Estados Unidos da América que, em Outubro de 2020, aprovaram uma subvenção de 300 mil USD para “apoiar um diálogo nacional em torno da proposta do Banco de Moçambique de um Fundo Soberano”. Com essa verba, seis organizações da sociedade civil formaram a “Coligação Cívica para o Fundo” que levou a cabo debates em todas as 11 províncias.
Um ano e seis meses depois do lançamento do debate, (concretamente em Setembro), o Banco de Moçambique já tinha o “draft” do Fundo Soberano. Dentre vários aspectos, na proposta, o Banco Central defendia que, apesar de a decisão ser do Governo, o melhor momento para a criação do Fundo é “antes do início da entrada massiva das receitas dos recursos naturais não renováveis”. O Centro de Integridade Pública, uma organização da sociedade civil, pegou nessa asserção e, no fim de Fevereiro de 2022, exigiu que a Proposta de Fundo Soberano para Moçambique fosse urgentemente aprovada.
O CIP fundamentava que a posição do Banco de Moçambique, de criação do Fundo antes do início de entrada de receitas de gás natural, era “consentânea com a necessidade de paulatinamente, antes da recepção de grandes volumes de receitas, o Fundo começar a estabelecer-se para que se ganhe maturidade de gestão, de modo que, quando o país passar a receber grandes volumes de receitas, a capacidade de gestão do Fundo esteja consolidada, minimizando-se os diversos riscos de uma abundância de recursos e também de uma má gestão das receitas”.
Dados constantes no Orçamento do Estado para 2022 indicam que está previsto que o país encaixe cerca de 34 milhões de USD com a entrada em funcionamento do projecto FLNG Coral Sul na Bacia do Rovuma, liderado pela empresa italiana Eni. Parte desse valor já começou a cair, com o carregamento, há mais de uma semana, do primeiro navio de gás natural liquefeito com destino à Europa.
O CIP recomendava, de forma geral, a intervenção da Assembleia da República para, além de exigir a aprovação da lei do Fundo Soberano transparente e inclusiva, defender os direitos dos moçambicanos, e exortava a revisão e publicação periódica por parte do Ministério das Finanças, Banco de Moçambique e Ministério dos Recursos Minerais e Energia das previsões das receitas do sector e detalhes que permitam o escrutínio público das principais decisões do uso dos recursos extractivos, bem como a necessidade de garantir que os recursos que estão a ser explorados hoje também beneficiem as gerações futuras. (Evaristo Chilingue)