Quase 70% da população da África vive em países onde o ambiente de Segurança e o Estado de Direito foi pior em 2021, comparativamente a 2012, principalmente, devido ao agravamento da situação de segurança, diz a Fundação Mo Ibrahim no seu último relatório.
A trajectória de declínio da Segurança e do Estado de Direito prejudicou o progresso da governação ao longo da década, constatou o Índice da Fundação Mo Ibrahim sobre Governação Africana de 2022. “Em comparação com os últimos dez anos, os níveis de violência contra civis e conflitos armados são maiores. Registaram-se 23 golpes bem-sucedidos e tentativas de golpe no continente africano desde 2012. Essa situação preocupante piorou com o advento da COVID-19, com o ritmo de declínio nos principais indicadores relacionados à segurança acelerando entre 2019 e 2021.”
Entre 2017 e 2021, o ritmo de declínio piorou. Apenas cinco países, nomeadamente, Guiné-Bissau, Malawi, Seychelles, Somália e Zimbabwe melhoraram as suas pontuações de Segurança e Estado de Direito desde 2012, sem que nenhum tenha conseguido manter o progresso ao longo dos últimos cinco anos, informa a Fundação.
Desde 2012, os principais impulsionadores da deterioração da situação de Segurança no continente têm sido o aumento da violência contra civis, bem como os conflitos armados. A Fundação menciona golpes recorrentes no Sahel como uma preocupação na última década.
Entre 2012 e 2022, houve 29 golpes de Estado em todo o mundo, entre bem-sucedidos e tentativas, e 23 deles foram em África. Esses golpes ocorreram principalmente na região do Sahel, com Mali, Burkina Faso e Sudão registando o maior número de golpes bem-sucedidos. Mali sofreu três golpes desde 2012 e tanto Mali como Burkina Faso registaram violência contra civis.
Além dos golpes, uma tendência crescente em África tem sido a onda de protestos nos últimos três anos, relacionados com eleições, governação e mudanças constitucionais. Esses protestos envolveram fortemente jovens que desafiam o "status quo", especialmente no Sudão, Nigéria e Guiné.
Na Somália, protestos e manifestações levaram a eleições, enquanto no Sudão os protestos se concentraram na mudança de regime desde o golpe militar de 2021. Na Guiné, uma crise constitucional em torno de um terceiro mandato presidencial provocou indignação e na Nigéria, manifestantes liderados por jovens pediram o fim da brutalidade policial.
Vários desses protestos foram violentos contra os manifestantes. De acordo com o Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED), a força excessiva foi usada pelas forças de segurança e pela polícia contra manifestantes em 248 protestos em toda a África em 2022, enquanto a força excessiva foi usada em 139 protestos em 2021. Este número aumentou desde o início da década, que testemunhou apenas 46 protestos com força excessiva, para atingir o pico de 348 em 2016.
A África Oriental registou o maior número de protestos em que foi usada força excessiva, respondendo por mais do que todas as outras regiões juntas. Dos 191 protestos com força excessiva, 165 aconteceram no Sudão, dos quais 146 foram liderados por 'Comités de Resistência'. Esses comités vêm se organizando desde o golpe militar de 25 de Outubro de 2021, com o objectivo de pressionar os militares a entregar o poder aos civis. Os grupos formaram-se primeiro em Cartum e depois noutras cidades do Sudão.
A Somália regista o segundo maior número de protestos com força excessiva na África Oriental depois do Sudão, com o uso de balas reais em todos os protestos em todo o país. Em 2022, sete em cada dez protestos na Somália estavam relacionados com eleições. No Estado não reconhecido da Somalilândia, que tinha eleições presidenciais marcadas para 13 de Novembro de 2022, os protestos liderados pelos partidos da oposição pedindo a realização de eleições terminaram com balas reais sendo usadas contra os manifestantes. Em três dos seis protestos na Somalilândia, os manifestantes foram mortos. O uso de força excessiva em protestos atingiu o pico na Somália em 2020. Dos 11 ocorridos, nove foram com recurso a balas reais ou tiros contra manifestantes.
O Índice Mo Ibrahim de Governação Africana (IIAG) é publicado de dois em dois anos e mede o desempenho da governação africana. O último relatório, publicado em Janeiro, observou que mais da metade da população da África vive em países onde, no geral, a governação melhorou entre 2012 e 2021, mas no fundo, a década de progresso na governação foi ameaçada pelo agravamento da segurança, retrocesso democrático e COVID-19.(Carta)