Termina próxima segunda-feira, 29 de Junho de 2020, o terceiro mês do Estado de Emergência, decretado pelo Chefe de Estado a 30 de Março último e renovado por duas vezes a 29 de Abril e 28 de Maio, respectivamente, no âmbito das medidas de prevenção do novo coronavírus, que já infectou 788 pessoas no país, das quais 221 já recuperaram e cinco perderam a vida.
De acordo com a Constituição da República, “o tempo de duração do Estado de Sítio ou de Emergência não pode ultrapassar os trinta dias, sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram a sua declaração”.
Lembre-se, à data da declaração do Estado de Emergência, o país contava com oito casos positivos de Covid-19, porém, até esta quinta-feira, 561 pessoas encontravam-se infectadas pelo novo coronavírus, para além do facto de as cidades de Nampula e Pemba, nas províncias de Nampula e Cabo Delgado, respectivamente, terem sido declaradas como estando em fase de transmissão comunitária – estágio em que não se consegue mais mapear a cadeia de infecção e muito menos saber quem foi responsável pela contaminação dos demais.
Até ao momento, Filipe Nyusi prorrogou por duas vezes o período de vigência do Estado de Emergência, pelo que, em termos constitucionais, ainda lhe resta uma oportunidade. Entretanto, em conversa com “Carta”, João Feijó, investigador auxiliar e coordenador do Conselho Técnico do Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil que se dedica à pesquisa de temáticas agrárias e desenvolvimento rural, defendeu o regresso à “normalidade económica”, porém, dentro das condições impostas pelo novo coronavírus.
“Acho que temos de voltar à normalidade económica dentro do possível e procurarmos nos proteger ao máximo”, afirma o académico, para quem “o país e o mundo têm de viver com este vírus”. “Não podemos ficar escondidos em casa. Temos de trabalhar, mas a protegermo-nos uns aos outros”, sublinhou o académico, contactado pela nossa reportagem para analisar a situação social e económica do país, no âmbito do Estado de Emergência.
Na sua locução, João Feijó explicou que o mundo enfrenta, por estes dias, o dilema de proteger a saúde pública sem sacrificar a economia, no entanto, avança que a crise inicial vivida entre Março e Abril, caracterizada pelo confinamento na maior parte dos países, deveu-se ao pânico criado pela comunicação social europeia, sobretudo a partir da experiência que se vivia na Itália e Espanha.
“Agora, eu acho que nós já percebemos que a nossa realidade aqui é diferente. Enquanto na Europa, a população é muito envelhecida e o vírus penetrou muito nos lares de pessoas da terceira idade (isto provocou muita mortalidade), aqui a situação é diferente: a população é mais jovem, a taxa de mortalidade é muito menor e, aparentemente, o nível de contágio não atingiu o que os outros atingiram (não sei se é por menos testes, se é pela temperatura, se a população é mais imune em virtude do DCG ou pelo facto de Moçambique estar menos integrado em termos de mercado)”, afirmou o pesquisador, realçando, contudo, que depois de uma relativa “acalmia” nos primeiros meses, a situação mudou no mês de Junho – as cidades de Nampula e Pemba foram declaradas como estando em fase de transmissão comunitária nos dias 06 e 21 de Junho, respectivamente.
Porém, para o académico, o país não está em condições de tomar as medidas idênticas a dos outros países, “não só porque as populações não podem morrer à fome, como também pelo facto de as pessoas começarem a entender que se deve apostar na imunidade comunitária”, mas que a mesma seja gradual, de modo a não sobrecarregar o sistema de saúde, pois, “os médicos são os mais vulneráveis”.
Acrescenta ainda que, para além do sector alimentar, os restantes estão a ressentir-se do impacto das medidas adoptadas no âmbito do Estado de Emergência, citando o exemplo dos vendedores informais que comercializam vestuário, assim como dos que se dedicam à organização de eventos, como festas de casamento, baptismo e ou aniversário.
“Seria um risco muito grande abrir as escolas”
Entretanto, se vê com bons olhos a reabertura da economia, o académico defende ainda não haver condições para o regresso às aulas. “Não vejo possibilidades porque as escolas estão sobrelotadas e é impossível promover o distanciamento social e as condições de higiene nas escolas deixam muito a desejar”, afirma Feijó, mostrando ainda reservas em relação ao cumprimento das medidas de higienização a nível central.
Entretanto, o investigador do OMR entende ser uma “boa oportunidade” para se melhorar as condições de higiene nas escolas porque, na sua óptica, nunca se pensou nisso. “Fazem-se ali latrinas de qualquer maneira, mas lavar as mãos sempre foi um hábito que não é aprendido nas escolas, porque não têm essas infra-estruturas, sobretudo no meio rural”.
“Portanto, penso que seria um risco muito grande abrir as escolas [sobretudo do ensino público]. Isso seria espalhar o vírus por todas as famílias e o risco de transmissão comunitária seria muito rápido. Mesmo os próprios pais, duvido que levem os filhos para escola”, considera Feijó.
Confrontado com a explicação do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), segundo a qual, a não abertura das escolas implicaria o “bloqueio” de 1.500.000 vagas para o primeiro ano de ensino, em 2021, João Feijó afirmou: “é uma verdade, mas o ano está perdido. Neste semestre ninguém aprendeu nada. Como é que eles podem passar para o segundo ano, se eles não aprenderam nada!”.
A fonte debruçou-se ainda em torno do slogan “fique em casa”, tendo dito que o mesmo não se enquadra na nossa realidade. “Esse slogan é um copy and past da Europa. Não se enquadra na nossa realidade. Numa casa, na Europa, cada um tem o seu quarto. Aqui, geralmente, significa um espaço onde podem viver duas ou três famílias. Então, a casa funciona como um abrigo, em que pernoita e guarda as coisas em segurança. É impossível as pessoas ficarem em casa porque estamos a falar de 10 a 15 pessoas, num espaço muito exíguo. Esse slogan pode fazer sentido para as classes médias urbanas com capacidade de teletrabalho, mas representam uma minoria na estrutura demográfica urbana. Portanto, é preciso encontrar soluções traçadas a partir daqui e tentarmos mentalizar nas pessoas que tem de se proteger (colocando a máscara, higienizando as mãos e cumprindo com o distanciamento social)”, defendeu Feijó. (A. Maolela)